“Ganhamos! De Deus ninguém faz piada!”, diz o pastor Miguel Arrázola, num vídeo que viralizou em 2 de outubro último, quando se conheceram os resultados do plebiscito que rejeitou o acordo de paz entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Para Arrázola, e para muitos líderes evangélicos e católicos do país, a vitória do “não” representou “uma defesa contra a desintegração da família” e uma “estocada no ateísmo que avança com o comunismo da guerrilha”, para usar algumas das expressões que a Folha escutou em cultos e missas em distintas cidades colombianas.

A igreja de Arrázola, chamada Ríos de Vida, em Cartagena, é uma das mais famosas da populosa região da costa do país, e visitada com frequência por ninguém menos que o ex-presidente Álvaro Uribe, líder político da vitória do “não”.

Arrázola, um pastor jovem, sorridente e de retórica exaltada, é amigo de jogadores de futebol e tem 86 mil seguidores no Facebook. Num ato assistido pela Folha, disse que votaria pelo “não” porque a paz proposta pelo governo “estava sendo preparada em Cuba, e a Colômbia não pode ter uma paz cozinhada pelos Castro, que não creem em Deus. É como aceitar uma paz que venha do inferno.”

Existem 6.000 igrejas evangélicas na Colômbia, que reúnem 10 milhões de fiéis. A cadeia Radial Vida, que pertence a uma dessas igrejas, possui 40 emissoras de rádio e é a terceira do país.

Já a Igreja Católica, predominante no país, mostrou-se mais dividida com relação à paz. O papa Francisco apoiou as negociações. Porém, nem todos seus seguidores acompanharam a liderança.

O desgaste começou algumas semanas antes da votação, quando o ministério da Educação, então comandado por uma ministra homossexual, propôs a distribuição de cartilhas de orientação sexual que pregavam a tolerância com as diferenças de opção.

Houve protestos em várias cidades. Em Bogotá, os manifestantes diziam que, se a ministra e sua “ideologia de gênero” não caíssem, votariam pelo “não”.

Líderes católicos pediram que o acordo fosse reescrito, incluindo uma seção que defendesse o “direito à vida” e que garantisse a liberdade de que os pais educassem os filhos conforme seus valores.

A avaliação do governo é que a religião influenciou muito o voto pelo “não”. Segundo o senador Roy Barreras, da Comissão de Paz do governo, “pelo menos 2 dos 6 milhões de votos que teve o ‘não’ foram de fieis evangélicos e católicos que acreditaram que o acordo colocava em risco a ideia de família.”

[b]CÚPULA[/b]

Aos presidentes latino-americanos reunidos na última Cúpula Iberoamericana, na semana passada, em Cartagena, o presidente Juan Manuel Santos contou que o “front religioso” tem sido dos mais espinhosos na nova fase de negociação pela paz.

Na semana seguinte à derrota do “sim”, o presidente chamou a oposição e os grupos religiosos que apoiaram o “não” para ouvir suas ressalvas ao documento.

O presidente reuniu os argumentos desses grupos e os entregou à equipe de negociadores do governo, que agora discutem os pontos polêmicos com os líderes da guerrilha, em Havana. A perspectiva de Santos é ter um novo acordo redigido até o fim do ano.

Apesar de estar avançando, o novo diálogo não vem sendo fácil. Se os uribistas foram claros nos pontos em que discordam do acordo —são contra a Justiça especial, a favor de penas de prisão e contra a elegibilidade automática de ex-guerrilheiros—, as razões dos religiosos, dependendo da corrente, são variadas.

À Folha, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, José Serra, contou que Santos disse a seus pares na cúpula estar tendo trabalho no diálogo com setores evangélicos e da Igreja Católica, que creem que o acordo prega uma “ideologia de gênero”.

O principal problema reside em alguns trechos do documento de 297 páginas que tratam da reintegração dos ex-guerrilheiros à sociedade.

Essas passagens afirmam que a implementação do acordo deve ser feita “tendo-se em conta a diversidade de gênero, étnica e cultural”, e que se promova “a equidade de gênero”. Por fim, o trecho considerado mais indigesto pelos religiosos é o que diz que o tratado deve “reconhecer e ter em conta as necessidades, características e particularidades econômicas, culturais e sociais dos territórios e das comunidades rurais, incluindo pessoas com orientação sexual e identidade de gênero diversa.”

Santos disse que todo esse trecho será revisto. “Vamos tirar tudo aquilo que soe como uma ameaça à família e vamos buscar as palavras, as frases, que não causem temor aos que creem”.

À Folha, um dos líderes das Farc, o secretário Carlos Antonio Lozada, disse concordar com uma nova redação do trecho polêmico, mas que a guerrilha não abrirá mão de “incluir artigos que garantam a igualdade de gênero e a proteção a minorias mais vulneráveis.”

[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]

Comentários