Após vários anos usando temas mais distantes da política e uma retórica mais amena, a Igreja Católica brasileira iniciou nesta quarta-feira a Campanha da Fraternidade de 2007 com críticas aos governos e a globalização.
“(A campanha) é um convite para que toda a sociedade brasileira repense, a partir da realidade amazônica, o modelo de desenvolvimento que se quer para o país como um todo”, diz o texto base da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para a campanha, que começou nesta Quarta-Feira de Cinzas com uma celebração na Ilha do Cumbu, na região de Belém.
Nas mais recentes edições do evento, os assuntos discutidos foram os portadores de deficiência, a terceira idade e a paz.
“Esta riquíssima ‘sócio-bio-diversidade’ … é também um chamado à responsabilidade do Estado e da sociedade para que não continuem financiando ou tolerando um modelo de desenvolvimento predador”, afirma o documento.
Entre as propostas dos religiosos, que serão debatidas na capital paraense na quinta-feira com deputados e senadores de Estados da Amazônia Legal, estão o fim da reintegração de posse a fazendeiros que têm terras invadidas e políticas de desenvolvimento sustentável, com ênfase na questão da água.
Composta por nove Estados –Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso–, a Amazônia Legal é morada de muitas autoridades católicas próximas à Teologia da Libertação, que propõe a visão de um Jesus Cristo revolucionário e que vê necessidade de a Igreja se envolver na transformação social.
O arcebispo de Belém, dom Orani Tempesta, vê boa vontade na sociedade para debater as questões da Amazônia, apesar do que chama de “idas e vindas” na atuação dos governos. Mas critica, com discrição religiosa.
“Nós todos, de um lado e do outro, vamos nos aprofundar nessa questão com essa oportunidade que abrimos. Nós sabemos que não tem como voltar atrás da globalização, somos realistas. Mas ela precisa ser mais bem orientada e ter mais respeito pelas culturas locais. Isso ainda está por acontecer”, disse ele à Reuters por telefone.
Na Região Norte do país, onde está a maior parte da Amazônia, a Igreja Católica tem perdido fiéis para religiões neopentecostais. A CNBB, no entanto, nega que isso tenha pesado para a escolha do tema e para o local de lançamento da campanha, sediado fora de Brasília pela primeira vez.
Protestos
Dez organizações católicas se uniram para assinar um manifesto contra a forma de lançamento da campanha, a qual chamaram de elitista e distante da vida das populações amazônicas. O evento foi organizado em uma ilha por uma empresa de eventos e teve o patrocínio da Companhia Vale do Rio Doce.
“É a primeira vez que isso acontece, de ter um início de campanha tão longe do povo. Ali só entrou quem tinha convite”, disse à Reuters Madalena Santos, uma das coordenadoras nacionais da Comissão Pastoral da Terra.
No manifesto, a pastoral e os outros grupos dizem que “o caso da Vale é tão gritante que a própria Igreja, através do Grito dos Excluídos e da 4a Semana Social Brasileira … se comprometeu em propor um plebiscito popular para a anulação do leilão” que privatizou a companhia.
Responsável pela organização do evento, o arcebispo de Belém considerou equivocado o teor do manifesto e lamentou que os autores não tenham conversado com ele antes de divulgá-lo.
“A abertura da Campanha da Fraternidade sempre foi uma entrevista coletiva. Sempre. E aqui tivemos mais do que isso, tivemos convidados porque as autoridades se interessaram, o que poderia nos dar mais visibilidade. Com uma conversa eles teriam entendido isso, mas preferiram demonstrar que desconhecem o funcionamento do evento”, afirmou.
“A empresa patrocina quem ela quiser e existe Judiciário e Ministério Público para apurar se houver algo de errado relacionado a ela ou ao trabalho que ela faz. O que a gente não pode é condenar de antemão, eleger alvo de expurgo desse jeito”, acrescentou.
A primeira Campanha da Fraternidade foi feita em 1964 para discutir problemas com a sociedade e propor soluções. Após o lançamento, serão feitos debates também nas dioceses de todo o país até a quinta-feira anterior à Páscoa.
CNBB acusa o governo de ineficiência na Amazônia
O secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Odilo Pedro Scherer, afirmou ontem em Belém (PA), no lançamento da Campanha da Fraternidade 2007, que as ações do governo são ineficientes ou ausentes na Amazônia. O tema da campanha deste ano é “Fraternidade e Amazônia” com o lema “vida e missão neste chão”.
A ministra Marina Silva (Meio Ambiente), presente no lançamento da campanha ontem na ilha do Combu, a 40 minutos de barco da cidade de Belém, afirmou que “o trabalho [do governo] é inicial” na preservação da Amazônia, mas que o desmatamento caiu 52% nos últimos dois anos.
Segundo a ministra, os projetos do primeiro mandato vão continuar até o fim do segundo governo do presidente Lula.
“O tema foi escolhido porque a questão da Amazônia está em evidência e a campanha visa promover a fraternidade, que significa justiça social, solidariedade, respeito aos direitos humanos”, afirmou Scherer.
“Na Amazônia há muitas situações em que a fraternidade é ferida”, afirmou o secretário-geral da CNBB. Ele citou ameaças de morte a sindicalistas e o assassinato da freira Dorothy Stang há dois anos, no Pará.
“Nessas situações, pessoas idealistas e generosas, que fizeram da solidariedade social o seu programa de vida e atuação, são vítimas de ameaças e da perda de suas vidas, como acontece com sindicalistas, agentes sociais e missionários, a exemplo da irmã Dorothy Stang e tantos outros.”
“Por outro lado, a questão da violência na Amazônia surge por causa da ausência ou ineficiência do Estado. O Estado chega depois que os problemas já estão instalados. Isso não é de hoje”, afirmou o religioso.
Outro objetivo da CNBB é a expansão da Igreja Católica na região. Segundo o secretário-geral da entidade, esta campanha deve “reforçar a presença missionária na Amazônia”.
Mensagem do papa
Na mensagem do papa Bento 16, lida pelo presidente da CNBB, d. Geraldo Majella, em vídeo gravado exibido no evento, também fica clara a intenção de a Igreja Católica avançar na Amazônia. Dom Geraldo não foi ao lançamento.
“Desejo fazer um pleito de gratidão a todos aqueles corajosos missionários que se consagraram e se consagram à custa inclusive da própria vida em levar a fé católica na cidade e aldeias da região”, escreveu o papa Bento 16.
O lançamento da campanha foi na ilha de Combu. Um público de 150 pessoas foi levado em dois barcos até o local. A Companha Vale do Rio Doce patrocinou o evento, mas não informou o valor repassado à CNBB. A ajuda da empresa foi criticada por entidades católicas como a CPT (Comissão Pastoral da Terra), que disse haver incoerência na colaboração. A entidade aponta a Vale como uma empresa que ajuda a devastar a região.
Fonte: Reuters e Folha de São Paulo