A maioria do público que compareceu ao Santuário Nacional de Aparecida pela celebração do dia da padroeira do Brasil, no último dia 12, considera que o aborto não deve ser um direito da mulher e que a interrupção da gravidez é “sempre errada”. Por outro lado, a pena de morte para quem comete crimes graves, medida vetada no Brasil, foi considerada viável pela maioria dos visitantes à basílica –maior centro mariano do mundo em tamanho e o segundo em frequência, atrás apenas do de Nossa Senhora de Guadalupe, no México.
As informações constam de uma pesquisa qualitativa realizada com 363 pessoas que estiveram na basílica no dia 12. Este ano, além da festa nacional da padroeira, a data marcou também a celebração pelos 300 anos da aparição da imagem de Nossa Senhora nas águas do rio Paraíba.
O estudo, que tem margem de erro de 6%, foi coordenado pelos professores Esther Solano, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e Pablo Ortellado e Márcio Moretto, da USP (Universidade de São Paulo), com apoio da Fundação Friederich Erbert.
Os pesquisadores aplicaram ao público 25 perguntas de caráter político-partidário e moral. Questionário semelhante já havia sido aplicado pelo mesmo grupo de docentes, por exemplo, aos participantes da Marcha para Jesus – um dos eventos mais tradicionais do calendário evangélico e realizado em junho em São Paulo.
Nas questões de natureza moral, 59% dos entrevistados no Santuário Nacional se declarou favorável à pena de morte –índice que havia sido de 48% na Marcha para Jesus.
Outros 60,3% concordaram que “os direitos humanos atrapalham o combate ao crime”, e 81%, que “menores de idade que cometem crimes devem ir para a cadeia”.
Liberação de maconha e aborto é rechaçada
Temas particularmente espinhosos na agenda católica, a liberação de drogas como a maconha e a do aborto foi rechaçada pelos entrevistados. Segundo o levantamento, 70,5% discordaram que fazer aborto deve ser um direito da mulher. A questão “fazer aborto é sempre errado” obteve a concordância de 57,6% dos entrevistados, contra 34,1% de quem não concordou. Um percentual maior de entrevistados, 80,7%, discordou sobre a permissão para que adultos fumem maconha.
O público entrevistado em Aparecida era majoritariamente mulher (56%, contra 44% de homens), com renda entre R$ 2.810 e R$ 4.690 (29,2%) e ensino médio completo (32,5%). A maior parte (40%) se apresentou como muito conservador, diante de 31,4% dos que se disseram pouco conservador, e 19,3%, nada conservador.
União gay, banheiros para travestis, racismo e machismo
Ainda nas questões de natureza moral apresentadas pelos pesquisadores, 48% dos entrevistados no Santuário Nacional declararam que a união de pessoas do mesmo sexo não constitui família – na Marcha para Jesus, o índice foi de 59% –, e 55% disseram concordar de que travestis podem usar banheiro feminino –na Marcha, 67% se disseram favoráveis.
Por outro lado, 56% — contra 42% no evento evangélico – avaliaram que o sistema de cotas representa uma “boa medida para fazer com quem negros entrem universidade”, ao passo que 64,2% concordaram com a afirmação de que “a polícia é mais violenta com os negros do que com os brancos”, e 90,6% acham que os negros ainda sofrem preconceito no Brasil – maior consenso entre todas as respostas coletadas.
Nas questões de temática de gênero e orientação sexual, os entrevistados em Aparecida consideram, majoritariamente, que “a escola deveria ensinar a respeitar os gays” (83,5%), ainda que 48,5% discordem que “dois homens devem poder se beijar na rua sem serem importunados” contra 41,6%. Já “cantar uma mulher na rua é ofensivo” obteve a anuência de 68% dos entrevistados, e “o lugar da mulher é em casa cuidando da família” obteve a discordância de 83,2% dos entrevistados.
Lula, Bolsonaro e votos brancos e nulos para 2018
Nas perguntas de natureza político-partidária, a pesquisa apontou que, a menos de um ano para as eleições de 2018, quase um terço dos entrevistados pretende votar nulo ou em branco na sucessão presidencial, enquanto mais da metade deles não se identificam com nenhum político e entende que os valores religiosos deveriam orientar as leis, ainda que defenda, como combate à criminalidade, medidas como a pena de morte e o enceramento de menores de 18 anos.
Ao todo, 31% dos entrevistados disseram que pretendem anular o voto nas próximas eleições, diante de 19% dos que declararam voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 11% no deputado Jair Bolsonaro (PSC), 7% no prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB); 6% na ex-ministra Marina Silva (Rede); 3% no ex-ministro Ciro Gomes (PDT), 3% no governador Geraldo Alckmin (PSDB) e 1% no deputado federal Chico Alencar (PSOL).
Percepção sobre antipetismo e movimentos sociais
Indagados sobre a própria percepção sobre antipetismo, a maior parte dos entrevistados, 49,6%, se disse “nada” antipetista, contra 30,3% dos que se disseram “muito”, e, “pouco”, 10,74%.
Instigados a comentar sobre a atuação de entidades e movimentos políticos, o mais desconhecido, com 77%, foi o MBL (Movimento Brasil Livre), um dos grupos que lideraram os atos de rua pró-impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016. Ao tratar de desconfiança, 9,9% disse não confiar no MBL, e 6,3% afirmou que confia pouco. Já o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) reuniu o maior percentual de desconfiança, 52,3%, e o menor índice de desconhecimento, 15,4%
“Nosso campo progressista é uma bolha”, diz pesquisadora
Para a professora Esther Solano, uma das coordenadoras do estudo, ele ajuda a desconstruir, por um lado, “o protótipo de que o católico tem uma opinião coerente e homogênea” sobre temas sociais. De outro lado, completou a pesquisadora, os dados “mostram um grau de conservadorismo bastante parecido entre católicos e evangélicos”.
“Nosso campo progressista, na realidade, é uma bolha: a sociedade brasileira, de um modo geral, é conservadora. E isso tanto o 12 de outubro em Aparecida quanto a Marcha para Jesus deixaram claro dentro de um espectro grande temas que abordamos”, afirmou.
Sobre os resultados político-partidários, a socióloga destacou que, a exemplo da pesquisa com os evangélicos, o atrelamento de alguns candidatos a segmentos religiosos – Alckmin com os católicos, Marina com os evangélicos, por exemplo – não parece fazer diferença.
“É a vitória da antipolítica, à medida que não apenas não há ainda um voto definido, a menos de um ano da eleição, como boa parte dos entrevistados não se identifica com nenhum candidato”, argumentou Solano. Indagada sobre Lula na pesquisa realizada em São Paulo, onde o PT teve uma derrota maciça na reeleição de Dilma, em 2014, a pesquisadora avaliou: “Lula parece ser maior que o PT, e, assim como Bolsonaro, é personalista. O fato é que o voto do católico não está, em absoluto, definido”, constatou.
Fonte: UOL