57ª Assembleia Geral da CNBB

JOELMIR TAVARES
APARECIDA, SP (FOLHAPRESS)

Três dias após publicar uma mensagem com críticas duras a bandeiras do presidente Jair Bolsonaro, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) deu posse à sua nova diretoria com um discurso de abertura ao diálogo com o governo federal, de compromisso inegociável com valores bíblicos e de tolerância zero a abusos sexuais no clero.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte que assumiu a presidência da entidade católica na manhã da sexta-feira (10), em Aparecida (SP), disse que os tempos de polarização política e de problemas como crise migratória, injustiça social e violência exigem “uma igreja corajosa e missionária”.

“Nós, como igreja, estamos presentes, à luz dos valores inegociáveis do Evangelho de Jesus Cristo, para dialogar com governantes, com representantes do povo, com os segmentos da sociedade pluralista”, afirmou o religioso.

A entidade tentará nas próximas semanas, como é de praxe no início de mandato, marcar reuniões da direção com o presidente Bolsonaro e com os chefes dos Poderes Judiciário e Legislativo.

Considerada de perfil moderado, a nova chefia da CNBB é de continuidade da gestão que se despede. A eleição, ocorrida durante assembleia da instituição em Aparecida, frustrou católicos conservadores, que esperavam uma guinada na cúpula, vista como simpática a causas esquerdistas.

Ao fazer a defesa de uma igreja atenta a problemas sociais e engajada “na defesa da vida e dos socialmente excluídos”, dom Walmor afirmou que também assume para si o combate a crimes sexuais que envolvam religiosos.

“Em sintonia com o papa Francisco, nós temos o princípio de tolerância zero, portanto um grande compromisso com a justiça, com o bem e com a verdade”, assinalou.

A fala ocorre logo após um decreto do Vaticano que obriga bispos e padres no mundo inteiro a denunciar casos de abuso.

De acordo com o texto publicado nesta quinta-feira (9), aqueles religiosos que se omitirem diante de situações suspeitas serão considerados corresponsáveis pelos delitos.

O novo presidente da CNBB disse ser necessário “operar de maneira decisiva, forte, em proteção às vítimas, na escuta” e na prevenção de casos, “mesmo sabendo que a porcentagem de abusos de menores na igreja é menor em relação a muitos outros segmentos da sociedade”.

“Nós sabemos que é uma grande exigência, estamos conscientes, mas dispostos a fazer, porque para nós vale a verdade, a justiça e o bem de cada pessoa”, concluiu.

Também assumiram seus cargos os dois vice-presidentes, Jaime Spengler (Porto Alegre) e Mário Antonio Silva (Roraima), e o secretário-geral, Joel Portella Amado (Rio de Janeiro).

Eles, que ficarão nos postos até 2023, foram eleitos por cerca de 300 bispos que passaram dez dias reunidos na cidade do interior paulista.

Dom Walmor reiterou durante a posse o repúdio a iniciativas que têm avançado sob Bolsonaro, em sintonia com a mensagem ao povo brasileiro divulgada pelos bispos na terça-feira (7).

No texto, eles atacaram o “liberalismo perverso”, o corte de verbas na área da educação e a ameaça a terras indígenas. A reforma da Previdência também é contestada.

Para o presidente da conferência, “o Brasil precisa de muitas reformas”, mas elas devem “empurrar o país na direção da justiça, do bem, da paz e do respeito a todas as pessoas”.

Indagado em entrevista coletiva sobre as medidas de Bolsonaro para facilitar o acesso a armas, dom Walmor reivindicou que a sociedade brasileira não tome “absolutamente nenhum caminho que possa resvalar na direção da violência”.

A questão das armas constou também no comunicado aos brasileiros, que resgatava o mandamento “não matarás” para reforçar a ideia de que, no lugar de balas, “o verdadeiro discípulo de Jesus terá sempre no amor, no diálogo e na reconciliação a via eficaz para responder à violência e à falta de segurança”.

O novo presidente da CNBB disse “ouvir com muita alegria” a afirmação de que ele e seus pares na cúpula são alinhados a Francisco, papa que é alvo de uma onda de críticas orquestrada por grupos conservadores. “Queremos, como ele [papa] diz, fazer uma igreja muito próxima das pessoas e aberta ao diálogo”, relatou.

A acusação de que o pontífice é um soldado a serviço do comunismo vem sendo estimulada, por exemplo, por figuras que gozam de prestígio entre bolsonaristas, como o americano Steve Bannon, estrategista da campanha de Donald Trump, e o escritor Olavo de Carvalho, guru do clã Bolsonaro.

Em mais um esforço para dissipar rumores de divisão no clero que marcaram o período pré-eleitoral na CNBB, dom Jaime disse que não existe divisão dos membros entre conservadores e progressistas.

“O que existe é o desejo de responder de uma forma eficaz aos desafios que o tempo nos apresenta, sempre atentos à doutrina social da igreja e ao evangelho”, afirmou o vice-presidente.

Mais cedo, durante celebração religiosa que precedeu a passagem de cargos, dom Walmor disse que os dias de assembleia foram “um exercício muito bonito de fraternidade” entre os bispos, endossando a imagem de unidade do clero propagandeada nos últimos dias.

“Podemos fazer de nossas diferenças, que são muitas, graças a Deus, uma grande força de enriquecimento para o caminho da nossa igreja”, falou aos pares.

Considerado o mais indicado para buscar pontes com alas do governo, o secretário-geral dom Joel disse nesta sexta que poderá, sim, desempenhar esse papel, mas procurou afastar qualquer impressão de proximidade com aliados de Bolsonaro.

“Se deixar, eu dialogo até com as árvores e os postes”, fez piada, diante da observação de que é tido como um articulador hábil. Ele pontuou que não trabalhará isolado, mas em entendimento com os demais dirigentes.

“Onde for preciso, se é preciso dialogar, uma coisa é certa: não cansar de dialogar, de buscar o consenso e a paz, num mundo bastante fragmentado e marcado por fundamentalismos e afins, venham eles de onde vierem”, afirmou dom Joel.

Fonte: Paraíba Online

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