O apelo ao diálogo feito pela Igreja para evitar um clima de violência na Argentina envolveu numa nova polêmica o governo de Cristina Fernández, que já enfrenta a tensão do conflito com o setor agropecuário e dos preparativos para as eleições legislativas.
“Não nos ajudem mais”, pediu ironicamente à cúpula da Igreja o ministro da Justiça, Aníbal Fernández, depois que os bispos manifestaram hoje a necessidade de “o caminho do confronto não ser alimentado” em momentos de agitação social.
Num documento divulgado pela Conferência Episcopal argentina, os bispos pediram que sejam “evitadas atitudes que dividam”, estimulem o “confronto” entre os argentinos e “gerem um clima propício à violência”.
“Toda democracia enfrenta momentos de conflito. Nessas situações complexas, alimentar o confronto pode parecer o caminho mais fácil.
Mas a maneira mais sábia e oportuna de preveni-las e de abordá-las é buscando o consenso por meio do diálogo”, destacaram os bispos.
Nesse sentido, a Igreja pediu “diálogos sinceros e transparentes” entre o Governo e a oposição, e defendeu a “reconciliação de todos os argentinos e a busca de consensos que fortaleçam a paz social”.
Além disso, os prelados reivindicaram políticas públicas a favor dos excluídos e disseram que o “possível crescimento da pobreza nos próximos meses é o maior desafio que o país tem pela frente”, de modo que este “deve ser respondido com gestões solidárias tanto do setor público como do setor privado”.
O documento da Conferência Episcopal foi divulgado um dia depois de seu porta-voz, Jorge Oesterheld, ter dito que “basta assistir a um pouco de TV e ver como estão as estradas para dizer que a paz social está muito alterada” no país.
Depois de ironicamente pedir que a Igreja deixe de ajudar o Executivo, o ministro Fernández cobrou “manifestações mais encorajadoras” e lembrou que o Governo de Néstor Kirchner (2003-2007), inicialmente, e o de Cristina, agora, sempre trabalharam pela “reconstrução de um país em que vinham ateando fogo”.
O titular da pasta da Justiça também exigiu da cúpula eclesiástica que “chame a atenção” dos integrantes da Igreja que “participam de atos políticos”.
Aníbal Fernández fez referência ao presbítero Guillermo Marcó, que na semana passada foi um dos oradores numa manifestação contra a insegurança realizada na Praça de Maio, em frente à sede do Governo.
Além da preocupação com a crescente onda de violência que atinge as principais cidades do país, a Igreja falou da alteração na paz social que tem sido causada pelo conflito entre o Governo e o setor agropecuário, que há mais de um ano se enfrentam em virtude dos impostos sobre as exportações de grãos.
Desde o último sábado, os produtores promovem um locaute, o sétimo desde que o conflito teve início, em março de 2008, e o segundo só este ano. Além disso, bloqueiam total ou parcialmente dezenas de estradas do país.
As divergências entre a Igreja e o Governo argentino coincidem, além disso, com a polêmica gerada pela decisão de Cristina Fernández de antecipar para junho as eleições legislativas, inicialmente convocadas para outubro.
A proposta, que já passou pela Câmara dos Deputados, apesar da rejeição da oposição, poderá ser aprovada definitivamente na quinta-feira, quando o Senado, de maioria governista, irá votá-la.
Cristina herdou do Governo de Néstor Kirchner, seu marido e antecessor, uma relação conflituosa com a Igreja Católica.
Uma das principais controvérsias durante a gestão de Kirchner foi motivada pelo ex-bispo militar Antonio Baseotto, que criticou duramente um ministro que tinha se declarado a favor da descriminalização do aborto.
No ano passado, as tensões voltaram quando o Governo ratificou a redução dos índices de pobreza um dia depois de a Igreja ter manifestado sua preocupação com o aumento desse indicador.
O outro grande foco de tensão foi a rejeição do Vaticano à postulação de um ex-ministro divorciado como embaixador na Santa Sé.
Fonte: Terra