A visita do papa Bento XVI ao Brasil, que começa quarta-feira e termina no domingo que vem, não ficará restrita a uma agenda de missas e à canonização do primeiro santo nascido no país, frei Galvão. A Igreja Católica vê na presença do sumo pontífice uma estratégia para enfrentar o maior desafio da instituição: recuperar os fiéis que migraram para outras religiões, principalmente a evangélica, ao longo dos últimos anos.
Apesar de recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrar que houve uma estancada na migração de católicos para outras seitas, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) ainda está preocupada. Estudo encomendado no ano passado pela entidade revela que, nos últimos 10 anos, 15,2 milhões de fiéis trocaram a missa do padre pelo culto evangélico, em todo o país. A visita do papa ao Brasil, na avaliação de especialistas, é fundamental para recuperar as ovelhas desgarradas.
A pesquisa da CNBB aponta que 52% dos fiéis que saíram da Igreja Católica migraram para a Igreja Universal do Reino de Deus e para a Assembléia de Deus, duas das agremiações evangélicas com maior penetração do país. Segundo o professor de história da religião da Pontifícia Universidade Católica (PUC), Paulo Fernando Carneiro, a fuga de católicos pode ser resumida num único motivo: com o passar do tempo, os padres se distanciaram dos fiéis. “Tem paróquia que o padre só atende com hora marcada. Já o pastor toma café na casa dos fiéis e convida pessoalmente as pessoas para acompanharem os cultos”, compara.
Carência
Para vencer o desafio de reconquistar os fiéis que mudaram de religião, a Igreja Católica terá que enfrentar outro problema crucial, principalmente no interior da Amazônia e do Nordeste: a falta de sacerdotes. Pelo menos 1,2 mil igrejas estão sem padres para rezar missas e realizar batizados em todo o país. Trinta por cento das igrejas sem sacerdote estão em lugares distantes da Região Norte.
Como não se forma um padre do dia para a noite, o problema não pode ser resolvido a curto prazo. É justamente nessas regiões mais distantes que os pastores evangélicos avançam e ganham terreno. “Nos lugares mais ermos, os pastores atuam fazendo promessas de cura de toda ordem, inclusive de problemas de saúde e financeiros. A Igreja Católica não atua assim”, critica o presidente da CNBB, dom Geraldo Majella Agnelo.
Para o professor de teologia da Universidade de Campinas (Unicamp), Ronaldo Menezes, a visita do papa ao Brasil vai resgatar parte dos fiéis católicos. Mas ele ressalta que, se a Igreja não resolver o problema da falta de padres, os evangélicos continuarão ganhando força.
“Quem procura uma religião, quer ser atendido, recebido. Nesse quesito, o padre está distante do fiel, enquanto o pastor está ali ao lado, independentemente do tipo de credo”, observa. Recentemente, dom Geraldo Majella chegou a desdenhar a perda de fiéis católicos para outras religiões. “Os fiéis que saíram da nossa (Igreja) não têm informação, nem formação religiosa suficiente para ficar conosco. Sem essa adesão de fé, não se conhece o Evangelho e a Cristo Nosso Senhor”, disse.
Dinheiro
Nas grandes metrópoles, segundo o historiador Eduardo Cavalcanti, da Universidade de São Paulo (USP), a perda de fiéis para outras religiões tem como causa a questão financeira. “A única espórtula (contribuição) da Igreja Católica que é de graça é a missa. O batizado, o casamento e até uma simples citação durante uma cerimônia são cobrados. E não é barato. Tem paróquia que cobra R$ 50 por um batizado e esse dinheiro faz falta no orçamento da classe média. O católico que já paga o dízimo, por exemplo, reclama”, comenta o professor, que tem dois livros publicados sobre os custos de ser católico.
Uma das estratégias da Igreja Católica para recuperar terreno, durante a visita do papa, é investir na corrente carismática, a ala menos conservadora da instituição. Para atrair o máximo de espectadores, por exemplo, a CNBB escalou os dois padres mais populares do Brasil: Jonas Abib e Padre Marcelo Rossi. Eles farão shows no encerramento da vigília no Campo de Marte, em São Paulo, sexta-feira.
As apresentações ocorrerão uma hora antes da missa celebrada por Bento XVI. “O novo papa não tem o carisma de João Paulo II. Dificilmente haverá comoção. A presença dos padres populares é uma forma de atrair o maior número de fiéis possíveis”, ressalta Ronaldo Menezes.
Um país à espera do Papa
Foram quase seis meses de preparativos e muita expectativa desde que, em outubro de 2006, o Vaticano confirmou a viagem de Bento XVI ao Brasil. Quarta-feira, Joseph Ratzinger desembarcará no maior país católico do mundo, para uma visita de quatro dias, quase uma década depois da última visita de seu antecessor, o papa João Paulo II, morto em abril de 2005, que esteve aqui três vezes.
Oficialmente, o papa vem ao país para a abertura oficial da 5ª Conferência Geral dos Bispos da América Latina e Caribe. Mas a visita do sumo pontífice significa muito mais do que isso para os 139,2 milhões de católicos brasileiros. O papa tornará santo frei Galvão, o primeiro genuinamente brasileiro.
Fonte: O Norte Online