A Aids — que tem seu Dia Mundial de Combate nesta segunda-feira — mostra sua face mais cruel quando atinge a população infantil. Estimativas do governo do Camboja indicam que 20 mil crianças em todo o país são portadoras do HIV.

As histórias trazem um enredo tragicamente repetido: a maioria das crianças soropositivas são filhos de portadores HIV, que devido à falta de tratamento para a mãe acabaram contaminados durante o parto. Como o diagnóstico e tratamento da Aids não existia no país até 2002, e ainda hoje é bastante tardio, elas acabam se tornando órfãs.

“Sem os pais, as crianças têm de ser cuidadas por outras pessoas, geralmente idosos, de nível cultural e sócio-economico baixo, que não entendem a rotina rígida do tratamento. Muitas vezes, a solução encontrada é levar essas crianças para orfanatos”, explica o pediatra mineiro Sérgio Cabral, responsável pelo programa pediátrico de HIV/Aids da ONG internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Camboja.

Mas ao contrario da tradicional imagem negativa que muitos orfanatos têm, as instituições cambojanas, quase sempre administradas por estrangeiros, reproduzem um ambiente familiar, onde as crianças podem estudar e conviver com outras da mesma situação. A adoção muitas vezes não faz parte da filosofia dos estabelecimentos. “Como o Camboja sofreu muito com o tráfico humano, e é muito dificil haver interesse de adoção de criancas soropositivas, a idéia de muitos desses lugares é dar condições delas se desenvolverem para poder mais tarde ter uma profissão digna e se sustentarem”, explica a enfermeira brasileira Kelly Cavalete, que desde agosto de 2008 trabalha com a MSF no Camboja.

Em geral, a indicação de transferência para os orfanatos é feita pela organização ou outras ONGs locais, que acompanham o tratamento das crianças. “Muitas famílias moram em casas de madeira, sem estrutura nenhuma para armazenar os remédios, que ficam guardados nas paredes de palha. Como moram em locais desfavorecidos, sem eletricidade, há muitos casos de crianças que tomam remédios errados à noite, porque as cores das pílulas são parecidas. Já vi também crianças saudáveis tomarem anti-retrovirais porque queriam tomar a mesma coisa que seus irmãos soropositivos”, conta o pediatra cambojano Soeung Seitaboth, responsável pelo programa do Hospital Pediátrico Angkor, onde cerca de 500 crianças soropositivas recebem tratamento gratuito, graças à ajuda da ONG Friends Without A Border.

Nem sempre a escolha da transferência é feita pelas ONGs. Não raro, as próprias crianças pedem para sair de casa, devido a preconceitos de parentes, vizinhos e até mesmo funcionários das escolas. “Houve uma menina que se tratava com a MSF e que, apesar de ter perdido os pais, vivia ainda em um ambiente familiar. Mas ela veio nos pedir para ir morar num orfanato, porque estava sendo muito discriminada na escola, e não se sentia bem com isso”, lembra Kelly.

Mudar esse triste cenário não é uma tarefa fácil, mas não chega a ser impossível. “A grande maioria das crianças que nasce soropositiva é contaminada durante o parto, devido à exposição ao sangue e à mucosa. A prevenção da transmissão de mãe para filho envolve diagnóstico precoce e oferta de anti-retrovirais para a gestante e para a criança após o parto. Se isso for feito de forma correta, a probabilidade de contágio cai de 25% para menos de 1%”, afirma o pediatra brasileiro.

Fonte: G1

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