Um promotor público turco apresentou, no início do mês passado, duas denúncias criminais contra dois cristãos convertidos. Eles são acusados de incitar o povo da Turquia contra o islã e de reunirem secretamente cidadãos em local privado para um curso sobre a Bíblia, por correspondência.
Hakan Tastan, 37 anos, e Turan Topal, 46 anos, fazem parte de um grupo de 97 outros cidadãos turcos levados à Corte nos últimos 16 meses sob a alegação de violar o controverso artigo 301 do país que restringe a liberdade de expressão.
Haydar Polat, advogado dos dois cristãos, disse que o Procurador da Corte Criminal de Silivri protocolou uma denúncia formal contra seus clientes em 12 de outubro. Se condenados, os acusados podem ser sentenciados a pena de seis meses a três anos de prisão.
A primeira audiência da Corte está marcada para 23 de novembro em Silivri, que fica a 72 quilômetros a oeste de Istambul, ao longo da costa oceânica de Marmara. Segundo o advogado, o julgamento deve se prolongar por um ano ou mais.
Os indiciados foram acusados de se aproximar de alunos de uma escola de ensino médio e fundamental em Silivri, na tentativa de convertê-los ao cristianismo, com base nos artigos 301, 216 e 135 do Código Penal Turco.
De acordo com os autos do processo, três reclamantes, identificados como Fatih Kose, de 23 anos; Alper, de 16 anos e Oguz , de 17 anos, teriam ouvido dos dois cristãos que o islã “é uma religião primitiva e fabricada” e teriam descrito os turcos como “povo amaldiçoado”.
Eles também acusaram os réus de oposição às Forças Armadas do país, de encorajarem condutas sexuais ilícitas e de obterem recursos no exterior para atrair jovens em Silivri a fim de se tornarem cristãos. Hakan e Turan negam as acusações.
Invasão surpresa
Ainda não era manhã no dia 11 de outubro quando policiais armados, divididos em dois veículos, apareceram para buscar Hakan em sua casa. Os homens sabiam que ele estava sendo investigado.
De acordo com os policiais houve uma queixa de porte ilegal de arma e condução ilegal de atividades missionárias. Eles fizeram uma varredura completa no apartamento, que fica em Buyukcekmece, a oeste do subúrbio de Istambul. Hakan, a esposa e duas crianças pequenas passaram duas horas observando a ação das autoridades.
“Agora nós vamos ao seu escritório encontrar Turan”, disse um dos soldados a Hakan, instruindo-o a ligar para o amigo e dizer para ficar no escritório até que ele chegasse, sem explicar o porquê.
Surpreso pelo fato de os policiais conhecerem o endereço do escritório e o nome do seu sócio, Hakan soube depois que o promotor de Silivri havia dado ao policial permissão por escrito para segui-lo, fotografá-lo e secretamente grampeá-lo por um mês.
Ao chegarem ao local, no distrito de Taksim, em Istambul, os policiais confiscaram dois computadores, livros e papéis. Em seguida levaram os dois cristãos a Silivri.
Horas depois de serem interrogados por oficiais da inteligência militar, os dois homens foram liberados à noite e receberam ordens para voltar na manhã seguinte, a fim de completar a investigação. Por volta do fim do dia 12 de outubro, eles haviam gravado os depoimentos formais antes do promotor.
Os cristãos negaram categoricamente todas as acusações. As denúncias foram aparentemente baseadas em três ou quatro viagens que eles fizeram a Silivri, meses antes de encontrar um professor e vários estudantes do ensino médio, que haviam contatado um curso da Bíblia por correspondência e pediram uma visita.
“É tudo mentira”, disse Turan a Compass. “Alguém está tentando nos fazer parecer cristãos tarikat (grupo sectário religioso)”. Ele disse que um dos policiais armados o acusou de ter armas, formar grupos clandestinos, evangelizar crianças e tentar destruir o Estado secular turco.
Turan, que se tornou cristão há 17 anos, afirmou ter dito aos oficiais que o interrogaram que era inocente, “mas que estava fazendo trabalho missionário. Sou um evangelista cristão e não vou negar isso. Se vocês quiserem me prender por isso, podem, mas eu sei que o que estou fazendo não é contra a lei”.
Hakan, cristão há 12 anos, também contou o que disse ao promotor: “Sou cristão e sou turco. Vou manter minhas crenças. Não tenho vergonha de ser cristão e nós não estamos escondendo nada”. Ele disse que trabalha metade do dia pintando casas e o restante do tempo dedica ao trabalho missionário.
Cobertura da mídia
Quatro dias depois de terem sido soltos, no dia 16 de outubro, um jornal de grande circulação, o “Hurriyet”, publicou o assunto na primeira página com a seguinte manchete: “Policial armado invade escritório missionário”.
Segundo a reportagem, os familiares dos estudantes de Silivri se queixaram de que os dois homens estavam promovendo atividades missionárias entre os estudantes da escola. A matéria também afirmou que o escritório, ligado à Igreja Protestante Taksim, havia reunido dados pessoais de 5 mil cidadãos turcos da região de Marmara.
Turan disse que as acusações são absurdas, mas que as novas matérias baseadas na reportagem do “Hurriyet” foram distribuídas mundo afora no dia seguinte pela TV TGRT e por um canal local de música.
Na manhã seguinte, um artigo do jornal islâmico “Zaman” ligou os cristãos presos e interrogados a um grupo guerrilheiro que duas semanas antes seqüestrou um avião da Turkish Airlines, que ia da Albânia a Istambul. O autor do atentado, Izmir-born Hakan Ekinci, confessou a ação até pediu asilo ao papa.
De acordo com a matéria do “Zaman”, “foi confirmado que o seqüestrador tinha ligações com Turan e Hakan”. Em 17 de outubro um artigo informou que os homens confessaram , em depoimentos informais, a relação com Izmir Ekinci e dito que ele havia abandonado as atividades missionárias da Igreja Protestante da Turquia, que fica na região de Aegean.
Depois de examinarem os autos dos processos contra Turan e Hakan, o porta-voz da Aliança Protestante de Igrejas da Turquia, Isa Karatas, comentou que “não há embasamento legal”. Segundo ele, “só existem alegações verbais e nenhuma evidência”.
Karatas disse à agência de notícias Compass que considera a ação do grupo de policiais armados “uma violação dos direitos democráticos” na incursão em um escritório privado, “sem que houvesse algum tipo de evidência”. O porta-voz disse também que “eles transmitiram informações à mídia sem provas”.
Fonte: Portas Abertas