Os seres humanos, animais e plantas não foram criados por Deus, mas são o resultado da evolução. Charles Darwin (foto) publicou esta teoria revolucionária há 150 anos. Ela é um imenso sucesso entre os cientistas, mas nunca foi popular. No país de origem de Darwin, o Reino Unido, a maioria dos cidadãos não mais adere à teoria da evolução, segundo uma pesquisa que mostrou que mais de 40% gostariam de ver a história bíblica da criação lecionada nas escolas públicas.
A notícia soava como um avanço importante. “Os cientistas na Universidade de Oxford encontraram uma solução para o quebra-cabeça conhecido como ‘dilema de Darwin'”, informou recentemente a Sociedade Geológica de Londres. Charles Darwin, que teria 200 anos hoje, publicou sua célebre obra “A Origem das Espécies” há 150 anos. Em seu livro ele reconheceu, de forma franca, que não podia explicar por que não eram encontrados fósseis de antes do período Cambriano, que começou há cerca de 542 milhões de anos.
Algo surpreendente parece ter acontecido no período Cambriano. Por mais de 3 bilhões de anos, ou assim parecia, a vida na Terra tinha se desenvolvido em um ritmo quase imperceptível. Então, em um período de tempo relativamente curto -segundo o registro fóssil – ocorreu uma multiplicação explosiva das espécies. Onde antes minúsculos seres invertebrados habitavam os oceanos, predadores armados com dentes repentinamente enfrentavam presas com couraças.
A chamada explosão cambriana há muito tempo era um mistério para os cientistas. A comunidade religiosa aponta para ela como evidência da existência de Deus. Como, eles perguntam, se não pela mão do Todo-Poderoso, tamanha diversidade complexa poderia ter surgido em um período tão curto? Os cientistas agora sabem que não ocorreu necessariamente uma explosão da diversidade das espécies, mas sim um rápido aumento de espécies com carapaças rígidas e corpos com partes. Diferente de seus ancestrais moles, eles tinham fósseis resistentes, capazes de sobreviver milhões de anos. Os biólogos não sabem disso apenas desde o início do 200º aniversário de Darwin, como o comunicado de imprensa da Sociedade Geológica pode sugerir de modo um tanto efusivo. Na verdade, traços fósseis da era Pré-Cambriana já são conhecidos há algum tempo.
Apesar desse enigma inicial, a teoria revolucionária de Darwin de que as formas de vida modernas foram resultado de milhões de anos de seleção natural foram aceitas rapidamente pelos cientistas. A convicção predominante de que espécies de plantas e animais eram eternamente imutáveis foi despedaçada. É claro, para os contemporâneos de Darwin, a conclusão de que seres humanos e macacos possuíam ancestrais comuns era ainda mais ultrajante. Sua teoria da evolução foi rotulada como uma ameaça à ordem política, religiosa e social desde o início.
Enquanto isso, ela se tornou o modelo mais forte para explicar a natureza animada que sempre existiu, mas seu sucesso no mundo científico contrasta de sua contínua falta de aceitação entre grande parte do público em geral. A maioria dos seres humanos, até mesmo agora, se recusa teimosamente a aceitar o óbvio.
“Deus está morto”, Nietzsche escreveu em 1882. Ele descrevia a perda de apreço pelo sagrado. Mas a conclusão do filósofo aparentemente foi um tanto prematura. A fé está florescendo, não apenas nos países pobres do Terceiro Mundo com níveis baixos de educação e nas teocracias islâmicas, mas também nos países industrializados. A revista americana “American Spectator”, escrevendo sobre o “mito do Ocidente secular”, chama de “completo mistério” o fato de tantos acadêmicos e jornalistas acreditarem que as pessoas no Ocidente são, em grande parte, seguidoras da teoria de Darwin. As pesquisas de opinião pintam um quadro imutável há anos – o de que as religiões conseguiram rechaçar todos os ataques da ciência natural. Até mesmo agora.
A ascensão da religião e os novos ateístas
Segundo uma pesquisa concluída pela Comissão Europeia no início de 2005, 52% dos cidadãos da União Europeia acreditam em Deus. Cerca de um entre quatro europeus declarou que apesar de não acreditar em um Deus pessoal, ele acredita em “um tipo de espírito ou força vital”. E apenas 18% disseram não acreditar. A Alemanha ficou situada no bloco intermediário dos países pesquisados, com 47% dos entrevistados declarando uma crença em Deus. Segundo o estudo de 2005, 25% dos alemães disseram acreditar em um poder superior que não Deus, enquanto outros 25% não acreditavam em nenhum dos dois.
Em uma comparação internacional, esses números ainda colocam a Alemanha e a UE entre as regiões mais seculares do mundo. Nos Estados Unidos, a Organização Gallup realiza pesquisas que perguntam às pessoas sobre Deus e ciência. Segundo o mais recente resultado, apenas 14% acreditam que o Homo sapiens chegou ao mundo em conseqüência exclusiva da evolução. Segundo 36% das pessoas, a evolução ocorreu, mas guiada por Deus. O maior grupo, envolvendo 44%, acredita que o próprio Todo-Poderoso criou o homem em sua forma atual – e que isso ocorreu há não mais que 10 mil anos.
Mesmo no país de origem de Darwin, o Reino Unido, a maioria dos cidadãos não mais adere à teoria da evolução, como mostrou uma pesquisa de 2006. Apenas 48% dos britânicos alegam acreditar nela. Mais de 40% gostariam de ver a história bíblica da criação lecionada nas escolas públicas – e não apenas nas aulas de religião, mas também nas de biologia. Um entre quatro professores do ensino público concorda.
Mas em nenhum outro lugar a batalha entre os defensores e oponentes da teoria de Darwin é tão acalorada quanto nos Estados Unidos. De um lado estão os criacionistas, que há alguns anos estão promovendo uma visão que chamam de “design inteligente”, no qual Deus criou o homem e toda a vida. Eles enfrentam a oposição da maioria esmagadora dos cientistas e de um movimento ateísta cada vez mais barulhento, que considera a religião organizada como pouco mais do que uma crença infantil que cresceu até se tornar um perigo público. Um grande número de livros que discute religião, em termos que variam de sensíveis a irados, entrou na lista americana de best-sellers nos últimos anos. Entre as duas frentes estão aqueles que são desinteressados pelo assunto ou acreditam que uma conciliação entre ciência e religião é possível, talvez complementando uma à outra. O argumento favorito deles é que a religião, na verdade, não busca fazer alegações científicas, enquanto a ciência está apenas interessada em mapear galáxias e analisar genes, evitando questões éticas e ideológicas.
Então, talvez, seja um grande mal-entendido? Dificilmente. Alguns acadêmicos gostam de apontar que certas questões estão além do âmbito da ciência, como a fonte final do universo e se há um propósito superior para sua existência. Mas mesmo nestes reinos metafísicos, há uma sobreposição. “As religiões fazem alegações sobre a existência, que representam alegações científicas”, diz Richard Dawkins, biólogo, autor best-seller e um dos líderes dos chamados Novos Ateístas. “Um universo com uma presença sobrenatural seria um tipo de universo fundamental e qualitativamente diferente de um sem.”
Um “engodo vazio e manipulativo”
Os representantes das religiões também tendem a se envolver em discussões menos filosóficas, como quando declaram que os preservativos são ineficazes como proteção contra a infecção pelo HIV e pregam a castidade em seu lugar, ou quando buscam impor limites estreitos à pesquisa de célula-tronco. O Vaticano consulta médicos para determinar se um candidato à santidade realmente realizou milagres.
“Não verificável”
Logo, a religião é capaz de permanecer fora da ciência, ou o ímpeto missionário faz parte de sua essência, como escreve o jornalista Christopher Hitchens em seu furioso best-seller, “Deus Não é Grande: Como a Religião Envenena Tudo”? Dawkins está certo quando alerta que o esclarecimento, a razão, a ciência e a própria verdade são ameaçados pela religião?
Alguns cientistas não vão tão longe. Após uma pesquisa ter revelado que um em cada dois cientistas é religioso, o paleontólogo Stephen Jay Gould, que morreu em 2002, disse: “Ou metade de meus colegas é enormemente estúpida, ou a ciência do darwinismo é completamente compatível com as crenças religiosas convencionais – e igualmente compatível com o ateísmo”. Mas Hitchens acredita que “todas as tentativas de conciliar fé com ciência e razão estão fadadas ao fracasso e ao ridículo”. Dawkins se faz ainda mais claro: “A suposta convergência entre a religião e a ciência é um engodo vazio e manipulativo”.
A suspeita de que as religiões cristãs continuam a reivindicar uma prerrogativa universal de interpretação foi recentemente alimentada pelo papa Bento 16. Em abril de 2007, ele escreveu em um manual teológico que o processo da evolução “não é verificável”. Quando perguntado sobre as origens da racionalidade humana, o sumo pontífice disse: “A ciência talvez não possa e nem irá responder esta questão diretamente”.
A maioria dos cientistas diria que pode. Eles seriam particularmente veementes ao insistir que irá. Mas ao proferir esta sentença, Bento forneceu munição àqueles que argumentam que a religião e a ciência são incompatíveis, e que faz parte do âmago da religião institucionalizada acreditar, não questionar – e proibir certas questões. Isso torna a religião não apenas incompatível com a ciência, eles argumentam, mas também com a modernidade – independente de quanto se desdobre para criar a impressão oposta.
“Darwin é um dos grandes autores do pensamento moderno”, disse o historiador Philipp Sarasin, de Zurique, em uma recente entrevista ao “Die Zeit”. “Esta era moderna não aceita nada dado ou ordem que venha do divino.” Este é o motivo para as igrejas continuarem lutando com a teoria de Darwin atualmente.
Mas a evolução, como uma idéia, não se tornou a ameaça terrível à religião como era temido pelos contemporâneos de Darwin – ao menos do ponto de vista global. As igrejas podem observar com calma enquanto muitos ateístas alegam viver vidas felizes sem Deus e sem mergulhar no mal. O argumento deles de que a religião organizada levou a mais ódio, morte e sofrimento do que a falta de fé pode ser difícil de refutar. Mas a crença religiosa em todo mundo pouco sofreu.
Pergunta final: por quê?
A ciência, ironicamente, está encontrando respostas para a questão do motivo para a evolução ter pouca chance contra a religião. Há evidências cada vez maiores de que o homem, devido ao seu cérebro, está equipado para acreditar em poderes superiores, não apenas por causa de seu temor da morte.
A fraqueza humana por deuses pode estar enraizada nas tremendas habilidades sociais do Homo sapiens. “As pessoas são muito boas em manter relacionamentos com indivíduos além de sua presença física”, escreveu recentemente o psicólogo americano Pascal Boyer na revista científica “Nature”. Boyer argumenta que esta é a única forma de hierarquias e alianças poderem funcionar ao longo do tempo.
As religiões também compartilham características universais surpreendentes -incluindo uma preferência por deuses pessoais, que se parecem e pensam como pessoas. E o comportamento ritualístico pode estar diretamente relacionado à arquitetura do cérebro. Como escreve Boyer, é sabido que o cérebro humano contém redes projetadas para evitar perigos. Os rituais religiosos, que envolvem a pureza física, vilões predadores e ameaças escondidas são supostamente nada mais do que um eco dos últimos milhões de anos.
O psicólogo americano Michael McCullough, após avaliar estudos das ciências sociais e neurociências, encontrou evidência de que as convicções religiosas e modos de comportamento são de ajuda no planejamento estratégico e no controle das emoções. Os rituais religiosos como oração e meditação, escreve McCullough na atual edição da “Psychological Bulletin”, uma revista profissional, “afeta as partes do cérebro humano que são as mais importantes para a autorregulação e autocontrole”.
Além disso, nota Boyer, o pensamento religioso é “o caminho de menor resistência para nosso sistema cognitivo”. A não crença, escreve Boyer, geralmente é resultado de um esforço deliberado contra nossa disposição natural -“não exatamente uma ideologia fácil de ser disseminada”.
Há muitas indicações de que a inclinação surpreendente do homem para a fé é um subproduto da evolução do cérebro. Mas talvez, escreve Boyer, nós algum dia encontraremos prova de que a fé teve um papel ativo na sobrevivência do Homo sapiens. Neste sentido, talvez, Deus tenha de fato exercido um papel na evolução do homem.
Fonte: Der Spiegel