Um mês após a Justiça Federal ter concedido uma liminar que autoriza psicólogos de todo o país a promover a terapia de reorientação sexual para gays e lésbicas, a psicóloga e missionária evangélica Rozângela Alves Justino falou com exclusividade a VEJA sobre as razões que a levaram a ter encabeçado, com 22 colegas, a ação judicial pedindo a suspensão da resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que proíbe os profissionais de prestar esse tipo de atendimento, já que a homossexualidade não é considerada doença pela Organização Mundial da Saúde desde 1990.
Rozângela, que não havia dado entrevista após a polêmica, só concordou em falar com VEJA por e-mail. Ela afirma que 100% dos pacientes homossexuais que ela já atendeu em seu consultório sofreram abusos na infância ou na adolescência. Não respondeu quando foi questionada se considera a homossexualidade uma doença e disse que não monitorou seus pacientes após o tratamento porque o CFP não permitia. Ela também afirmou ser vítima de perseguição do movimento gay e da imprensa. Leia a entrevista:
Por que, depois de mais de dez anos, a senhora e um grupo de psicólogos resolveram entrar com a ação pedindo a suspensão da resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia?
Eu apenas me defendia das ações no Conselho Federal de Psicologia que buscavam cassar meu registro. No entanto, após um grupo de psicólogos relatar, minuciosamente, a situação da resolução para o advogado [Leonardo Loiola, que representa o grupo], ele nos orientou a entrar com ação popular. Os principais pontos são o direito à liberdade científica, o direito de o paciente poder, voluntariamente, de forma reservada, buscar um profissional para atendê-lo em seu sofrimento, além do direito do livre exercício da profissão, uma vez que o CFP criou e restringiu direitos sem aquiescência do Congresso Nacional.
Como tem sido sua rotina depois que o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da Justiça Federal do DF, concedeu liminar favorável ao pedido de vocês?
Minha rotina continua a mesma de sempre, com muito trabalho, estudo e agora com as solicitações da imprensa e de mais pessoas que pedem ajuda. Não voltei a clinicar por falta de tempo.
A senhora esperava toda essa repercussão em cima da decisão judicial? Como avalia essa repercussão?
Não me preocupava com a repercussão. Nosso interesse está em que se repare essa injustiça que está aí há quase vinte anos. Sem liberdade profissional, pessoal e científica do psicólogo.
Até pouco tempo, a senhora estava com o seu registro profissional cassado no Rio de Janeiro. Foi por isso que se mudou para Brasília?
O Conselho Regional de Psicologia cassou meu registro, e o CFP confirmou essa ilegalidade no fim do ano passado. A mudança para Brasília foi em razão da perseguição do movimento gay e, consequentemente, do fechamento dos meus consultórios devido às ameaças à minha integridade física por parte dos opositores, sem que as autoridades tivessem tomado qualquer providência para me proteger em minha fragilidade humana e condição de mulher.
A Justiça restabeleceu o seu direito de exercer a profissão, sob o argumento de que esse é o seu meio de subsistência. Pretende voltar a clinicar?
A cassação foi recente, mas não cheguei a deixar de pagar as minhas anuidades ao CRP. Mudei de área de atividade, pois meu consultório passou a ser um lugar de risco. O cargo atual que exerço é técnico [ela é assessora parlamentar do deputado federal Sóstenes Cavalcanti, do DEM-RJ, aliado do pastor evangélico Silas Malafaia]. Não exige CRP, apenas diploma de nível superior.
Como funciona a terapia de reorientação sexual? Quais são as técnicas usadas? Elas são referendadas por estudos científicos? Quais?
A graduação em psicologia é genérica. Os psicólogos que queiram atuar na área clínica se especializam dentro da teoria e técnica psicoterápica com as quais mais se identificam e utilizam a abordagem terapêutica com todos os pacientes, independentemente da sua queixa clínica. Em razão da resolução do CFP, essas abordagens psicoterápicas não puderam ser aplicadas para tratar pessoas que sofriam com a sexualidade egodistônica, salvo para terapia afirmativa da sexualidade com pessoas do mesmo sexo. Estudos minuciosos e abrangentes acerca dessas questões foram bem desenvolvidos e encontrados no livro Homossexualidade Masculina: Escolha ou Destino?, cujo autor, Claudemiro Soares, pesquisa essa temática há mais de vinte anos.
A senhora acredita que a homossexualidade seja uma doença?
Não vou me posicionar, pois a ação popular tem 23 autores, sendo que cada um tem uma visão científica e pessoal sobre o tema. Temos em comum o desejo de liberdade profissional, pessoal e científica e a consequente discussão de contrapontos sem censura do nosso conselho profissional.
Na sua opinião, quais são as principais razões, raízes ou causas da homossexualidade?
Parte dessa raiz se encontra em traumas sofridos na infância e adolescência, incluindo o abuso e a violência sexual. Após a concessão da liminar, muitos estudos, que antes estavam parados, agora poderão ser analisados, pesquisados, compartilhados entre os profissionais, para o desenvolvimento científico sem a intimidação do CFP.
Todo gay foi abusado? E os que não foram, por que teriam se tornado gays?
Em minha experiência clínica, posso afirmar que 100% daqueles que procuravam o atendimento psicoterápico sofreram abuso sexual na infância ou na adolescência.
A senhora tinha mais de dez anos de profissão quando teve o registro cassado. Quais foram os resultados da reorientação sexual nesse período?
Em razão do sigilo da profissão, não estou autorizada a expor nenhum resultado, salvo se autorizado pelo paciente. Ademais, é o próprio paciente que relata se o seu objetivo foi alcançado ou não na psicoterapia.
Em entrevistas há quase dez anos para vários veículos de comunicação, a senhora afirmou que havia “curado centenas de homossexuais”. Na ação judicial, vocês falam bastante da importância da questão científica do tratamento. Esses pacientes foram monitorados de maneira controlada e científica? Algum deles sofreu recaídas?
Os psicólogos pararam de pesquisar nessa direção. Ao longo destes anos, só foram produzidos materiais “científicos” tendenciosos, proibitivos na direção que você mencionou. Não estou respondendo a algumas questões técnicas para a imprensa, com a finalidade de evitar interpretações equivocadas. Diante da perseguição da imprensa e do CFP, não tive como acompanhar os meus pacientes, uma vez que a resolução proibia tal atividade.
Levando em conta que é possível reorientar um paciente para que ele deixe de ser homossexual, é possível fazer o contrário, caso um heterossexual queira se relacionar com pessoas do mesmo sexo?
É possível que algumas pessoas que tenham passado por frustrações no relacionamento com a pessoa do sexo oposto possam se ver experimentando um relacionamento com pessoa do mesmo sexo e sentirem alguma forma de prazer ou de compensação. Vale ressaltar que, em se tratando de atendimento de profissional da psicologia, não cabe a ele forçar ou induzir a mudanças que o paciente não deseja, mas apenas apoiá-lo naquelas que ele mesmo pretende efetivar em sua vida.
Então, caso um homossexual a procure no seu consultório dizendo que está sofrendo com sua condição por problemas de autoaceitação, a senhora o ajudaria a superar esse sofrimento e aceitar a sua condição de gay?
É de praxe o direito dos profissionais à objeção de consciência, independentemente de esta ser em função dos seus valores ou por não se sentirem competentes tecnicamente para atender a determinadas queixas.
Segundo o advogado de vocês, existe uma demanda reprimida de pelo menos 800 homossexuais insatisfeitos com a sua condição e que hoje são atendidos pelas igrejas. Eles já estão sendo atendidos em consultórios? Quantas consultas, em média, são necessárias para finalizar a terapia?
Na área clínica, o número de consultas depende da queixa e de cada pessoa individualmente, conforme a abordagem terapêutica do profissional. Com certeza, há uma demanda que vem sendo reprimida pela tendenciosa e desnecessária resolução 01/99 do CFP.
Por que vocês decidiram trazer o tratamento de reorientação sexual de volta para a psicologia (sendo que era proibido) em vez de continuar promovendo esses tratamentos na igreja? Qual a diferença entre tratar na igreja ou no consultório?
Porque todo profissional precisa ter a sua liberdade de trabalho sem cerceamento de direito. O psicólogo quer o resgate de sua liberdade profissional, pessoal e científica, reafirmo. Se não for legítima tal liberdade, que o Congresso Nacional delibere para que não fiquemos a reboque de um ato infralegal, que não tem representação popular.
Qual a mensagem que a senhora deixa para as pessoas que são contra a sua proposta de tratamento?
Que elas reavaliem suas ideias, uma vez que há abordagens terapêuticas na psicologia capazes de ajudar as pessoas a efetivar mudanças que elas mesmas desejam em sua vida, independentemente de estarem relacionadas à sexualidade ou a outras áreas.
Fonte: Veja.com