Docente foi desligada da faculdade sem justa causa; Tribunal da Igreja mandou reintegrá-la.
A demissão de uma professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), com acusações de agressão de um lado e assédio moral de outro, pode vir a ser resolvida em Roma, última instância da Igreja Católica, à qual a universidade é vinculada. Pela primeira vez, o Tribunal Eclesiástico de São Paulo, ligado à Cúria Metropolitana, acostumado a tratar questões matrimoniais, julgou um assunto interno da PUC como esse.
No fim de fevereiro, juízes padres do tribunal decidiram que a universidade deve reintegrar a professora doutora Anna Maria Garzone Furtado, de 74 anos, às salas de aula de onde foi afastada após ser demitida sem justa causa, em 2009. Anna Maria fez parte da PUC durante 45 anos – primeiro como aluna e depois como docente do curso de História, vinculada às faculdades de Ciências Sociais e Educação.
Os magistrados católicos recomendaram, ainda, caso ela não queira voltar a lecionar, que a PUC “faça uma despedida honrosa e justa”. A reportagem procurou representantes do tribunal, que não se manifestaram sob alegação de segredo de justiça. O JT obteve cópia da sentença.
Em março, a PUC recorreu em segunda instância. Caso a nova decisão seja favorável à professora e a universidade não queira acatá-la, a questão será submetida ao arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer.
Em última instância, pode ser levada a Roma, onde será analisada pela Congregação para a Educação Católica, uma espécie de “Ministério da Educação” do Vaticano, que decide em nome do papa.
O caso é analisado também pela Justiça comum. Anna Maria acusa a PUC de assédio moral. Em março, ela conquistou mais uma vitória. Em segunda instância, a Justiça do Trabalho determinou que a faculdade lhe pague indenização de R$ 30 mil.
Desde que foi dispensada pela universidade, Anna Maria lutava para voltar à sala de aula. Sua demissão ocorreu por votação unânime por conta de uma acusação de agressão a colegas, o que ela classifica como “injúria, calúnia e difamação”. “Se isso fosse verdade, por que não demitiram por justa causa? Na ocasião, não tive direito a plena defesa. Precisava resgatar a minha dignidade pessoal, como mãe e como profissional”, diz, após o veredicto.
A história começou em 2000, depois que Anna Maria quis saber por que quatro alunos que ela havia reprovado foram aprovados pelo departamento em que lecionava sem que fosse ouvida. “Passaram por cima da minha autonomia como professora. O jurídico da PUC forneceu legislação federal onde constava que nem ‘intervenção judicial’ pode mudar nota de aluno”, afirma.
O caso agora levanta uma polêmica que envolve o meio jurídico e o direito canônico. O reitor da PUC, Dirceu de Mello, diz que a sentença do tribunal não tem de ser seguida pela universidade, pois não tem efeito civil. “Em nosso País, a Igreja é separada do Estado. Seguimos a Constituição”, sustenta. “Quando a professora foi desligada, eu não era reitor”, disse, ao explicar a razão de não falar especificamente sobre as condições que levaram à demissão.
Segundo Mello, a decisão de demitir a professora foi tomada por unanimidade pelo órgão máximo da faculdade, o Conselho Universitário. “O Tribunal Eclesiástico é à parte. São decisões sobre questões matrimoniais. Será que não teria efeito exclusivamente moral?”, indaga Mello.
Ele também questiona o que aconteceria se o caso chegasse a uma instância superior do direito comum. “Imagine que houvesse uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Ela teria de ser invalidada diante da decisão do Tribunal Eclesiástico? O fato de ser uma universidade católica não a libera dos compromissos com a Justiça civil.”
O especialista em direito canônico padre Vicente Ferreira de Lima, presidente do Tribunal Eclesiástico de Divinópolis, Minas Gerais, pensa de forma contrária. “As decisões do tribunal têm efeito prático uma vez que a universidade é um órgão da Igreja. Em terceiro grau, o caso vai a Roma.”
Com 28 anos de direito canônico, é a primeira vez que Lima sabe de uma história como a da professora da PUC que foi parar no Tribunal Eclesiástico. Segundo ele, se o caso chegar a Roma, e se confirmada a sentença de primeiro grau, a universidade terá de acatar a decisão do Vaticano sob pena de os dirigentes da universidade perderem seus cargos. “A Congregação para a Educação Católica, em Roma, decide pelo papa.”
O desembargador Antônio Carlos Malheiros, do Tribunal de Justiça, diz que, por um lado, o reitor tem razão. “Ordinariamente, a prioridade é a lei civil”, explica. “Mas como é uma universidade católica, quem dá a última palavra é Roma”, pondera. “Os juízes não só conheceram a matéria como decidiram pela reintegração da ex-professora.”
[b]Fonte: Estadão[/b]