Considerada como o mal do século, depressão atinge pelo menos uma em quatro pessoas ao longo da vida, mas a fé em Cristo pode ajudar suas vítimas.

Já virou lugar-comum dizer que a depressão é o mal do século. Aliás, ela já o foi no século passado, e adentrou no terceiro milênio com força total, alavancada por uma série de fatores típicos da modernidade, como o estresse da vida moderna, a falência dos relacionamentos interpessoais e, mais recentemente, o agravamento da crise econômica global.

A Organização Mundial da Saúde considera a depressão como a segunda maior causa de deficiência no mundo, depois apenas das doenças cardiovasculares, e a expectativa é que se torne a número um nos próximos dez anos. Nos Estados Unidos, de cinco a 10% dos adultos experimentam os sintomas da depressão. Mais de 25% das pessoas enfrentarão a depressão em algum momento de suas vidas, e quinze por cento dos adultos americanos fazem uso constante de medicamentos antidepressivos.

Como explicar esses números? Em parte, eles são resultado de uma dupla mudança nas atitudes culturais sobre depressão. Grupos como a Aliança Nacional em Doenças Mentais e companhias farmacêuticas têm agressivamente promovido a idéia de que ela não é uma falha característica, mas um problema biológico – doença, mesmo – e precisa de uma solução biológica, ou seja, terapia medicamentosa. E, de tão disseminada, já não é algo a ser escondido. Consequentemente, a depressão saiu do armário. Alguns críticos argumentam que, junto com a epidemia de depressão, vem um baixo diagnóstico limiar. Os professores Allan Horwitz e Jerome Wakefield, autores de A perda da tristeza, alertam que os psiquiatras deixaram de fornecer espaço para as agruras emocionais de seus clientes ou aqueles altos e baixos usuais da vida, rotulando até flutuações de humor como sintoma depressivo.

Críticos como Horwitz e Wakefield estão certos em parte. É verdade que profissionais e instituições de saúde mental tenham baixado o limiar para o reconhecimento da enfermidade, o que faz com que outros sintomas, muitos deles passageiros e circunstanciais, sejam diagnosticados como depressão. Por outro lado, ainda que se trace o quadro da depressão nos Estados Unidos ao longo dos últimos 20 anos usando um critério fixo, será notado um crescimento significativo na ocorrência de novos casos. Então, apesar de os números poderem estar inflados, esse solavanco inquestionavelmente serve para as margens de lucro das empresas farmacêuticas, que têm um substancial e documentado crescimento para tentar explicar.

Sofrimento emocional

Depressão é geralmente diagnosticada quando o paciente exibe um ou ambos dos dois sintomas principais – humor depressivo e falta de interesse nas atividades do dia a dia, junto com quatro ou mais sintomas como sentimentos de inutilidade ou culpa inapropriada, diminuição da habilidade de se concentrar ou tomar decisões, fadiga além do normal ou do razoável em face da própria rotina e agitação psicomotora (caracterizada quando a pessoa não consegue se aquietar), insônia ou excesso de sono. Pode haver também queda ou aumento significativo de peso ou apetite, além de, nos casos mais extremos, pensamentos recorrentes de morte ou suicídio.

A definição clínica é estéril, entretanto, é falha em capturar a principal característica da pessoa que sofre severamente de depressão: o sofrimento emocional. Não se trata simplesmente de um estado da mente ou um modo negativo de ver a vida, mas de algo que afeta o corpo físico também. Sinais de um episódio significativo de depressão incluem avaliações negativas e sem razão de amigos, da família e de si mesmos, dor emocional e problemas físicos. A nossa sociedade colheu benefícios consideráveis da fusão como ampla rede e assumindo que tudo que é adquirido é uma doença.

Agora, doentes e seus familiares estão mais sintonizados com a carga emocional do sofrimento da depressão, e contam com medicações que combatem esses fatores. É um ganho significativo. Por outro lado, a definição ampla como uma doença também traz consequências desfavoráveis. Esse modelo reconhece certamente o aspecto biológico da natureza humana e a possibilidade de que seja inteiramente desordenado; porém, falha em considerar outras dimensões no jogo. Por exemplo, o modelo da doença ignora ambientes sociais como possíveis contribuintes para o desencadeamento do processo depressivo, visualizando as pessoas deprimidas como indivíduos isolados com uma forte fronteira entre o limite de seu corpo e tudo do lado de fora. Pessoas depressivas são reduzidas a corpos quebrados e cérebros que precisam de conserto. Ainda que o aspecto biológico da depressão seja mais complexo que um simples desequilíbrio químico, a enfermidade é associada, não obstante, como regulação insignificante dos mensageiros químicos do cérebro, como a serotonina.

Hospital de Deus

A igreja é o hospital de Deus. Sempre foi cheia de pessoas “no conserto”, já que o próprio Cristo enfatizou que não veio para os que se consideram sãos, mas para os doentes. Não deve ser surpresa, então, que os depressivos estejam não somente nos hospitais e clínicas, mas nas igrejas também. Contudo, a depressão permanece tanto familiar quanto misteriosa para pastores e líderes, para não mencionar aqueles que dividem o banco de igreja com pessoas depressivas – quando não são os próprios a experimentá-la. É claro que todo mundo já experimentou um dia “para baixo”, frequentemente por nenhuma razão clara. Mas a profundidade de uma depressão severa permanece um mistério – e já atormentava gente como Davi, que no Salmo 31 traça acerca de si mesmo uma descrição típica de um deprimido: “Seja misericordioso comigo, ó Senhor, pois estou em aflição; meus olhos se consomem de tristeza, e minha alma e meu corpo, de desgosto. Minha vida é consumida pela angústia e meus anos pelos gemidos. Minha força falha por causa da minha aflição, e meus ossos estão fracos.”

Depressão severa é frequentemente um mal além de qualquer descrição. E quando tais profundos e dolorosos sentimentos não podem ser explanados, eles cortam o coração de um ser espiritual. Se as igrejas querem efetivamente ministrar a pessoas nesta condição, elas devem contar com toda a complexidade do ser humano. Estudos de grupos religiosos – de judeus ortodoxos a cristãos evangélicos – revelam evidências de que a fé não os imuniza contra seus sintomas, embora muitos pensem o contrário. Em uma típica congregação de 200 adultos, 50 vão experimentar depressão em algum momento de suas vidas, e no mínimo trinta fazem uso de algum antidepressivo.

O problema é que, além das causas tipicamente biológicas, pensamentos distorcidos contribuem para o desencadeamento da depressão. Aqueles que são depressivos não se avaliam rigorosamente – ou seja, tendem a pensar simplesmente que não são tão bons quanto os outros –, e constantemente depreciam o próprio valor. Aaron Beck, o pai da mais popular psicoterapia de hoje, a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), propõe que a depressão deriva em grande parte dessas distorções cognitivas. Quando usados sensatamente, antidepressivos e terapia comportamental cognitiva podem restaurar a estabilidade nos indivíduos de negociar melhor os desafios do dia-a-dia.

Para aqueles que estão no auge da depressão paralisante, os efeitos dos remédios e da TCC podem levar à gratidão pela graça comum. Eles deveriam agradecer. Essas aproximações nem providenciam muita ajuda em entender o mais fundamental e intratável problema do qual a epidemia da depressão é um sintoma. Essa aproximação provê alívio necessário, mas não respostas ou prevenção. Os modelos médicos fizeram sucesso rápido porque eles podem somente ir tão longe quanto sua compreensão do tema do problema irá levá-los. E tratam do mesmo assunto: o ser humano.

As instituições culturais e autoridades podem até algumas vezes tratar o ser humano como se fossem apenas cérebros em corpos, mas isso não faz com que pessoas de fato limitem-se a esta equação. Para aqueles com olhos para ver, a epidemia da depressão é uma testemunha da complexa natureza humana. Em particular, ela nos lembra que somos criaturas sociais e espirituais, assim como físicas, e que as aflições da sociedade caída estão frequentemente gravadas nos corpos dos seus membros. Na verdade, algumas vezes um episódio que parece com quadro depressivo não indica que o corpo humano esteja funcionado mal – a dor emocional pode ser uma resposta apropriada para o sofrimento em um mundo errado.

Chorar com os que choram

O autor do livro bíblico das Lamentações pode ter sentido dor quando contemplou a destruição de Jerusalém, por volta do ano 588 a.C. “ Já se consumiram os meus olhos com lágrimas; turbada está a minha alma; o meu coração se derramou pela terra por causa do quebrantamento da filha do meu povo, pois desfalecem os meninos e as crianças de peito pelas ruas da cidade.”

Os cristãos são chamados para chorar com os que choram e receber sua dor emocional como resultado da empatia. Se a Igreja crescer adormecida para a dor e sofrimento que a cerca, perderá sua humanidade. O ensinamento de cristão sobre o pecado e seus efeitos liberta a Igreja da surpresa sobre o estado desordenado do assunto humano. Ela pode reconhecer os efeitos do pecado tanto dentro quanto fora e apontar para Deus, que ressuscitou o único que entrou completamente na condição humana e foi capaz de quebrar o poder do pecado, da morte e do inferno.

Aqueles que suportam as marcas da perda da esperança em seus corpos precisam de uma comunidade que lhes aponte o caminho. Eles precisam de comunidades que exercitem a esperança novamente e se deliciar nas promessas de Deus para o mundo vindouro. Eles precisam ver que essa grande promessa, assegurada pela ressurreição de Cristo, compele o ser humano a trabalhar no meio dos destroços na esperança. E fazendo isso, a Igreja provê aos seus membros depressivos uma esperança plausível e lembrança tangível da mensagem que eles mais precisam ouvir: Esse pecado, cravado na realidade, não tem a última palavra. Cristo, consagrado na sua Igreja, é a solução final.

MINHA VIDA COM OS ANTIDEPRESSIVOS

“Comecei a tomar antidepressivos há oito anos. Eu era solteiro e bastante envolvido com a vida religiosa e PhD em Teologia. A combinação do estresse da academia, o estilo de vida solitário e um ambiente espiritualmente tóxico me enviou para uma severa depressão. Felizmente, havia ganhado bastante experiência no assunto com outras crises ao longo da vida, já que o problema também era hereditário, e reconheci o que estava acontecendo em tempo de buscar ajuda profissional. Dentro de poucas sessões, meu terapeuta cristão me recomendou antidepressivos. Eu nunca os tinha tomado antes e tive resistência inicialmente, mas minha depressão era tão intensa que eu logo concordei em tentar.

“Os resultados não foram rápidos ou miraculosos. Dentro de semanas, minha depressão piorou. Eu já não me sentia sobrecarregado ou que Deus estava longe de ser encontrado. Eu estava isento de confusão e paralisia mental para tomar decisões importantes em minha vida que levaram, entre outras coisas, ao casamento e família que hoje eu tenho. Os remédios, combinados com aconselhamento, melhoraram sensivelmente a minha vida. Meu terapeuta recomendou que eu continuasse os tomando – definitivamente, se necessário –, o que fiz pelos seis anos seguintes. Mas, lentamente, percebi que a medicação estava me afetando de uma maneira que não me agradava. Comecei a ficar realista e impaciente, insensível e espiritualmente complacente. Os antidepressivos faziam com que me sentisse bem mesmo quando eu não deveria. Parecia que eu flutuava sobre as circunstâncias da vida, envolvido numa esfera farmacêutica de impenetrabilidade emocional.

“E então, pouco menos de dois anos atrás, eu parei de tomar medicamentos para depressão. Sou grato a Deus pelo modo como eles me ajudaram quando eu estava em crise e os recomendaria a outras pessoas em situação semelhante. Mas estou desconfiado do modo com que os antidepressivos podem nos acostumar a sentimentos como compaixão, aflição, culpa e arrependimento – emoções que são essenciais para a maturidade espiritual. E o pior é que a sociedade vê essas drogas como uma espécie de saída mágica. Antidepressivos são uma vantagem para quem verdadeiramente precisa deles, mas não são uma panacéia para a condição humana.”

Joel Scandrett é sacerdote anglicano e instrutor-adjunto de teologia na Faculdade de Wheaton

Luz na escuridão

“Eu tenho uma doença crônica mental, uma desordem cerebral que costumava ser chamada de depressão maníaca, mas agora é denominada, menos ofensivamente, de desvio bipolar. Comecei minha jornada no mundo da doença mental com uma depressão pós-parto depois do nascimento do meu segundo filho. Procurei ajuda de psiquiatras, assistentes sociais e profissionais de saúde mental. Submeti-me a terapia ativa com sucessivos profissionais por muitos anos e recebi prescrições de muitos medicamentos psiquiátricos, que pouco aliviaram meus sintomas. Cheguei a ser hospitalizada e recebi até tratamentos terapêuticos eletroconvulsivos. Tudo isso ajudou, eu devo dizer, apesar da minha repugnância a remédios e hospitais. Esse processo todo ajudou-me a reconstruir algo de mim mesma, e pude continuar a ser a mãe, sacerdotisa e escritora que acredito que Deus quer que eu seja.

“O problema era que, durante esse período de doença, eu me perguntava frequentemente o porquê de tudo aquilo, ou seja, como uma cristã de fé poderia ser submetida àquela tortura da alma? E como eu poderia dizer que aquilo não tinha nada a ver com Deus, que é o pressuposto dos psiquiatras em geral, para quem a fé é geralmente encarada como uma muleta, ou, pior ainda, sintoma de doença? E ainda como eu poderia confessar minha fé nesse Senhor que era “socorro bem presente na tribulação”? E se minha depressão tivesse alguma coisa a ver com pecado, punição ou castigo divino? E se eu fosse, para usar uma frase de Jonathan Edwards, simplesmente um “pecador nas mãos de um Deus irado”?

“Mas depressão não é só tristeza ou aflição. Depressão não é somente pensamento negativo, ou simplesmente ‘estar para baixo’, como se diz. Depressão é como estar andando descalço no vidro quebrado, sentindo o peso do corpo moer ainda mais os fragmentos que nos ferem. Quando eu estou depressiva, todo pensamento, toda respiração, todo momento consciente machuca. E, com o meu problema de bipolaridade, muitas vezes acontece o oposto – sinto-me cintilante, tanto para mim mesma, e em minha imaginação, como para o mundo todo. Mas mania é mais que velocidade mental, euforia ou gênio criativo no trabalho. Algumas vezes, quando aponta para uma psicose desabrochada, pode ser aterrador. A doença mental não nos permite simplesmente tirar o corpo fora: não há como se salvar pelos próprios esforços.

“No meu caso, a fé oferece um mundo de esperança real, encontrada no Cristo crucificado. Nos meus cantos de doença mental, o entendimento da esperança cristã me dá conforto e encorajamento, mesmo se não houver alívio dos sintomas. A ressurreição de Cristo mata até o poder da morte, e promete que Deus irá tirar toda lágrima no último dia. O sofrimento não é eliminado pela ressurreição, mas transformado por ela – mas nós ainda temos lágrimas no presente. Nós ainda morremos. Mas toda a Criação será redimida da dor e da aflição. A aflição e tristeza não existirão mais. As lágrimas acabarão. Até cérebros doentes como o meu serão restaurados.”

Kathryn Greene-McCreight é pastora da Igreja Episcopal de São João, em New Haven, Connecticut, e autora do livro A escuridão é minha única companheira: A responsabilidade cristã para a doença mental (Brazos Press, 2006)

“A igreja deve formar comunidades autênticas”
Jonh Ortberg é um escritor e pregador muito conhecido. O que muitos não sabem é que, além de mestre em divindade, ele também é Ph.D em psicologia pelo Seminário Teológico Fuller e escreveu dois livros sobre depressão. Ortberg é o pastor mais antigo da Igreja Presbiteriana de Menlo Park, na Califórnia. Com larga experiência teórica e prática em gabinetes, o religioso conhece bem o drama de crentes que sofrem de depressão e, muitas vezes, sentem-se fracos na fé devido à doença.

CRISTIANISMO HOJE – Como as igrejas podem ajudar as pessoas a entender melhor a depressão?

JOHN ORTBERG – Nós vivemos um tempo em que as pessoas tendem a usar a linguagem psicológica para questões espirituais. Mas existem linhas divisórias, não muito claras, entre o que é fisiológico, o que é psicológico e o que é espiritual. É importante para as igrejas admitir essa complexidade. O que influencia nosso comportamento, e o que determina nosso nível de responsabilidade, são questões muito complexas. Simplificando as coisas nós não ajudamos em nada as pessoas.

Como o ministério da Menlo Park ajuda pessoas depressivas na congregação?

Um dos ministérios mais apreciados na nossa igreja é o HELP [“socorro” em inglês e sigla formada pelas iniciais de esperança, encorajamento, amor e oração), voltado para quem está sofrendo problemas de saúde mentais e emocionais. É um grupo de suporte para essas pessoas e suas famílias. Para quem sofre de depressão, a coisa mais importante é fazer parte de uma comunidade onde outras pessoas dividem as mesmas lutas, falam a mesma linguagem e são capazes de suportar as cargas uns dos outros. Temos também um ministério de diáconos que providenciam vários níveis de cuidado, com conselheiros profissionais. Periodicamente, alguém que faz parte do HELP conta seu testemunho em nossa igreja.

Qual o benefício desse tipo de exposição?

Quando você ouve a história de alguém com problemas nessa área, vendo seu rosto, a depressão deixa de ser artigo de revista para se tornar algo real, que pode acontecer a qualquer um. Isso abre o coração das pessoas. Nomear a condição humana e a realidade do sofrimento tem um efeito iluminador para cada pessoa que ouve isso, mesmo que ela não possa fazer as coisas da mesma forma.

Que medidas preventivas a igreja pode tomar a fim de combater a depressão?

A maior contribuição que uma igreja pode dar é formar comunidades autênticas, onde uma conexão íntima entre os membros é fomentada.

Fonte: Cristianismo Hoje

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