Você acredita em Deus? De que forma a religião influencia seu trabalho? Armado com essas duas questões aparentemente simples, mas que exigem respostas complexas, o escritor Antonio Monda saiu à caça de famosos, como Jane Fonda (foto), em busca de suas confissões espirituais.
Antonio Monda, que é cineasta, escritor e professor da Universidade de Nova York, procurou diretores de cinema, escritores, arquitetos, artistas, ativistas políticos, todos amigos próximos e conhecidos de boa parte do planeta.
O resultado é o intrigante e polifônico Deus e Eu (168 páginas, R$ 30), conjunto de entrevistas que a Casa da Palavra lança nesta semana, com a presença do autor – segunda-feira, na Livraria Argumento, no Rio; na quarta-feira, na embaixada da Itália, em Brasília; e, na quinta, em São Paulo, na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, a partir das 19h30, quando haverá um debate sobre a espiritualidade no século 21. Participarão, além de Monda, o frei Carlos Josaphat, o xeque Muhammad Ragip, Rubens Ascher e Waldemar Falcão.
A idéia surgiu a partir de uma reportagem para o jornal italiano La Repubblica, para o qual escreveu perfis de intelectuais em que devia perguntar sobre sua espiritualidade. Católico confesso, o italiano Monda entusiasmou-se pelo projeto e decidiu conversar com outras personalidades, das quais não tinha informação sobre sua religiosidade, apenas seu reconhecido talento intelectual.
Assim, conseguiu verdadeiras pérolas de artistas como Jane Fonda (‘Penso que Cristo foi o primeiro feminista’), Paul Auster (‘Creio que as religiões mancharam-se, cada uma em sua história, com muitos erros’), Salman Rushdie (‘Creio que existe algo de misterioso e incompreensível, que, no entanto, não é transcendente ou sobrenatural’), Martin Scorsese (‘Tornei-me diretor para expressar-me integralmente e também a minha relação com a religião, que é determinante’), entre outros.
As conversas tiveram um tom descontraído, mas nada diminuía o teor polêmico do tema. Nem todos, porém, responderam ao chamado: Hillary Clinton e Condoleezza Rice, por exemplo, negaram-se a dar entrevista sobre o assunto. O escritor Saul Bellow morreu pouco depois de dar seu depoimento. Susan Sontag e Arthur Miller receberam o convite, mas morreram antes e foram responder à questão sabe-se lá onde.
Antonio Monda preparou-se para ouvir todo tipo de resposta ao questionar artistas e intelectuais sobre sua espiritualidade. Mesmo assim, ele conta que se espantou com algumas reações. O cineasta Martin Scorsese, por exemplo, que recentemente ganhou o Oscar de melhor diretor por Os Infiltrados – mesmo padecendo de uma virose, ele aceitou conversar pois o assunto muito o interessava. ‘Também adorei a declaração do escritor Nathan Englander: ‘Não sei se Deus existe, mas sei que onde meu avô está agora posso chamar de Paraíso”, disse ele, que conversou com o Estado por e-mail.
Católico confesso (‘apostólico romano’, faz questão de frisar), Monda manteve instigantes diálogos com pessoas que se consideram descrentes. Nos diálogos, aliás, o tema do ‘respeito’ era recorrente – mesmo que a tentação imediata fosse a de julgar a situação como hipócrita, Monda lembra que, em seguida, aflorava a consciência de que o ‘respeito’ é marcado pela dúvida e por aquilo que os crentes chamam de ‘mistério da fé’.
Italiano que vive em Nova York desde 1994, Monda buscou entrevistados que tivessem nascido ou, como ele, que tivessem encontrado nos Estados Unidos um lugar para expressar suas criações artísticas. O espaço, no entanto, não influenciou decisivamente no resultado, segundo sua avaliação. Ele acredita que, na Itália, país mais fervorosamente católico, os resultados seriam mais ou menos os mesmos. ‘Os dois grandes problemas da religião hoje em dia são opostos entre si: fundamentalismo e ‘nova era’. E isso acontece de forma semelhante em todos os lugares.’
Monda desenvolve uma carreira essencialmente cinematográfica. Diretor do longa Dicembre, ele organiza festivais e eventos sobre cinema para o MoMA e o Museu Guggenheim. Participou também como ator do filme A Vida Aquática de Steve Zissou, de Wes Anderson, que criou um exercício memorável de câmera (ela se move sempre de forma ortogonal, nunca livre). Tal atividade o aproximou de grandes cineastas, o que também facilitou sua aproximação. Segundo ele, sua intenção era construir entrevistas, sempre que possível, com uma linguagem cinematográfica, através de imagens.
Entre os entrevistados, Monda sentiu falta de dois nomes que, infelizmente, morreram durante a elaboração do livro: Susan Sontag e Arthur Miller. ‘Sei que poderia obter uma contribuição impagável e confesso que sinto falta, assim como sinto a de Mohammad Ali, que declarou seu interesse em participar e dialogar, mas que não pôde fazê-lo em razão de seus conhecidos motivos de saúde’, escreve ele, no prólogo do livro.
Mesmo assim, a lista de entrevistados oferece um panorama multifacetado do entendimento religioso. Afinal, como se percebe na conversa a seguir, Monda acredita que a escolha da fé permite a máxima liberdade de vida laica, justamente porque leva ao distanciamento mais autêntico e absoluto de qualquer possível comportamento ideológico clerical. A epígrafe escolhida, aliás, uma irônica citação de Jorge Luis Borges, mostra ser ousada a idéia concebida de Deus, um ser onipotente e onisciente que é uma criação da literatura fantástica. E que, no entender, do grande autor argentino, deveria pertencer ao realismo.
Entrevista com Antonio Monda
Seriam os Estados Unidos o país do puritanismo e do consumo?
Seguramente o puritanismo e o materialismo exercem um grande papel na sociedade americana. No entanto, os Estados Unidos representam muitas outras coisas. A mais importante é ser a terra da liberdade
Há centenas de anos, países ocidentais evoluíram em direção a uma ordem cultural e religiosa. Mas essa evolução agora é modificada artificialmente e de forma impositiva em diversas regiões em desenvolvimento no mundo. O que pensa disso?
O que você quer dizer com ‘artificialmente imposta’? Em termos religiosos, não vejo uma real diferença entre o que acontece agora e o que houve no passado. Ambos revelam lados positivos (pense nos missionários) e negativos (lembre-se das pessoas condenadas à morte por suas crenças).
Você acredita ser necessário para a religião falar sob as condições contemporâneas ou ela estará fadada à morte?
A religião deveria se expressar seguindo apenas a sua verdade. Acredito que os dois maiores riscos enfrentados pela religião hoje são o fundamentalismo e a nova era. Sobre esta última, me refiro a um tipo de crença em que cada um pode escolher apenas as orientações que lhe interessam.
O que você espera que os leitores apreendam do seu livro?
Espero que ele seja uma boa companhia para uma jornada espiritual. Tenho tentado lidar com a Grande Questão (você acredita em Deus?). Tudo em nossas vidas descende das dúvidas que temos em relação a essa pergunta. E, em meu livro, encontrei 18 diferentes respostas.
A civilização ocidental modificou o mundo – especialmente as tradições religiosas. Quando você percebeu que isso provocou um grande efeito em todas as culturas?
Eu diria que bem desde o início dos tempos. Afinal, quem poderia imaginar o que seria a Europa sem o cristianismo? Mas, se você está falando de globalização, não vejo isso como um conceito negativo ou positivo, mas mais como uma oportunidade.
Você acredita que os cineastas tenham um diferente ponto de vista em relação a Deus?
Não. Vejo, atualmente, um interessante renascimento de temas espirituais. Pense em Steven Spielberg, Terence Malick, Martin Scorsese e, entre os mais jovens, Paul Thomas Anderson, que definiu Magnólia como uma ‘confissão’, além de encerrar o filme com uma das pragas do Egito.
Como o cinema pode combinar com a fé?
De uma forma semelhante à das outras artes. A linguagem das imagens não pode escapar do ícones.
Em sua opinião, Deus pode adquirir uma particular ressonância na linguagem do cinema?
Sim, definitivamente, e sob diferentes formas. E, junto dos cineastas que mencionei acima, acrescento ainda Mel Gibson.
Fonte: Estadão