Em situações extremas, como a gravidez de menina de nove anos, por estupro do padrasto, em Recife, Deus permite, em sua graça, “opções carregadas de mal”, como o aborto.
A compreensão consta no posicionamento divulgado pela direção da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), reunida de 10 a 13 de março, em São Leopoldo.
O fato provocou uma ampla discussão na imprensa nacional e internacional em torno da família, da decisão da equipe médica da Universidade Estadual de Pernambuco e da decisão do arcebispo de Olinda e Recife de excomungar a mãe da menina e a equipe médica que a atendeu.
A carta pastoral, assinada pelo pastor presidente da IECLB, Walter Altmann, traz um discernimento ético a partir de uma perspectiva evangélica luterana e expressa a convicção de que “Deus, em sua graça, permite, em situações extremas como essa, opções carregadas de mal – pois o aborto certamente não é um bem – e as acolhe como expressão de um servir responsável ao próximo em necessidade”.
O documento compreende que a autoridade eclesiástica católica tenha imposto “a excomunhão da mãe da criança grávida, que autorizara o aborto, e da equipe médica que o efetuou” e defendido essa decisão com veemência. A IECLB entende que a “escolha deverá recair então naquela alternativa que, a melhor juízo, preserve os valores da dignidade humana e sirva à vida”.
Sem entender-se como guardadora da moralidade ou responsável pela punição, a IECLB reconhece que os atos de violência sexual contra uma criança, por parte de seu padrasto, devem ser julgados a partir da legislação vigente e punidos pela lei penal brasileira.
No entanto, o seu julgamento deve considerar um contexto maior de violência que existe na sociedade em geral, sem se deixar mover apenas pela ira e pela vontade de vingança, mas criando a possibilidade de suscitar um debate mais amplo sobre a realidade vivida em nosso país. Sem perder de vista que o criminoso, enquanto criatura de Deus, também está submetido ao juízo divino que, em sua misericórdia, pode transformar sua vida.
A carta revela preocupação com as pessoas envolvidas e com o impacto deste fato na sociedade, por isso insiste na “atenção preponderante devida à criança que é, indubitavelmente, vítima dessa violência, e carecerá por longo tempo de todo apoio médico, psicológico e espiritual que lhe possa ser prestado, para se desenvolver livre de culpas”.
Ela dirige uma palavra de conforto à equipe médica que, atenta aos agudos riscos da gravidez da criança e devidamente autorizada, adotou o procedimento de sua competência. Enfatiza que os profissionais de saúde não são merecedores de juízos morais e incompreensões que lhes sobrecarreguem as consciências, mas de conforto espiritual nas angústias oriundas de seu trabalho, com vítimas da violência e em risco de vida.
E, por último, dirige um apoio irrestrito à criança e à sua mãe, que autorizou a interrupção da gravidez em sua filha, no centro dessa tragédia, carentes da solidariedade humana e da graça divina.
Fonte: ALC