As candidaturas com nomes religiosos cresceram 11% em 2018 em relação a 2014. Esse aumento é superior ao crescimento do volume de candidatos no período, que foi de 7,4%.
O levantamento feito pelo UOL tem como base os dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e analisou as candidaturas cujo “nome de urna” continha termos associados a religiões de diversas matrizes.
Esse aumento foi puxado pelas candidaturas de evangélicos e de integrantes de religiões de origem africana e pode ser ainda maior porque nem todos os candidatos indicam em seus “nomes de urna” sua identidade religiosa.
Para chegar a esses dados, o UOL verificou 49.972 registros de candidaturas feitos em 2014 e em 2018 armazenados na base de dados do TSE e selecionou aqueles cujo nome de urna continham termos comumente associados a integrantes de religiões cristãs e de matriz africana: pastor (a), irmão (ã), padre, frei (a), apóstolo (a), missionário (a), pai, mãe, babalorixá, entre outros.
Outra forma de verificar a evolução das candidaturas de religiosos é observar as ocupações registradas pelos candidatos ao TSE. Neste ano, 116 pessoas indicaram ter como ocupação serem membros de entidade religiosa. Em 2014, esse número foi de 115. A reportagem optou por fazer o levantamento com base no nome de urna porque é dessa forma que a maioria dos religiosos se apresenta aos eleitores.
O levantamento considerou quatro dos maiores grupos religiosos brasileiros, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): católicos, evangélicos, espíritas e adeptos de religiões de origem africana. A reportagem não identificou.
O levantamento constatou que, entre 2014 e 2018, o número de candidatos com nomes religiosos saiu de 511 para 568 , um aumento de 11,15% .
Nesse grupo, as candidaturas evangélicas são a maioria. Das 568 registradas neste ano, 524 são de evangélicos, o equivalente a 92,2% do total.
Do restante, 24 são de religiões de origem africanas (umbanda e candomblé, por exemplo) e 20 são de católicos.
Na comparação com as eleições de 2014, as candidaturas evangélicas tiveram um crescimento de 8,2% , saindo de 484 para 524 . As candidaturas católicas tiveram uma queda de 4,7% , saindo de 21 para 20 .
O maior crescimento percentual foi registrado entre os candidatos de religiões de matriz africana. Elas saíram de 6, em 2014, para 24 , em 2018, um crescimento de 300% .
Deputado vê “crescimento natural” de evangélicos
Um levantamento recente indica que a bancada evangélica no Congresso Nacional é composta por pelo menos 84 parlamentares : 82 deputados federais e dois senadores. Esse número é o equivalente a 14% dos 594 congressistas ( 513 deputados federais e 81 senadores).
Segundo o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), esse número é mais do que o dobro dos parlamentares evangélicos eleitos em 2006.
Atualmente, a bancada evangélica é considerada uma das mais influentes e bem articuladas do Congresso Nacional.
Foi graças a essa influência que, em 2015, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o Estatuto da Família , um projeto de lei que, entre outras coisas, delimitava que a família é formada a partir da união de um homem e de uma mulher, noção criticada por diversos setores da sociedade como as organizações em defesa da comunidade LGBT.
O presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, Hidekazu Takayama (PSC-PR), diz que o crescimento no número de candidaturas de evangélicos neste ano acompanha o aumento no número de fiéis.
“É um crescimento natural. Quanto mais aumenta o número de fiéis, mais aumenta o número de candidatos. Não há um movimento orquestrado para que a gente aumente nossa representação política”, diz Takayama.
O deputado, que foi um dos criadores da Frente Parlamentar Evangélica, avaliou como normal o crescimento do número de candidaturas de religiosos de origem africana.
“A legislação brasileira permite esse tipo de candidatura. Acho que isso é normal. Da mesma forma como o povo evangélico se lançou na política para defender seus valores, é normal que eles também o façam”, afirmou.
Takayama, no entanto, negou que a bancada evangélica tenha atacado outras religiões. “De forma nenhuma. Nossa atuação não persegue ninguém. O que alguns setores têm dificuldade de entender é que, apesar de o Estado ser laico, o Brasil é um país cristão. Nossa representação, nossa atuação, também é cristã”, disse o parlamentar.
Identidade religiosa é capital eleitoral, diz socióloga
Para a socióloga Christina Vital, uma das principais estudiosas da relação entre religião e política no Brasil, o crescimento no número de candidatos religiosos no país tem sido uma tendência, que ocorre desde os anos 1980, chamada de confessionalização da política.
“A confessionalização da política é um processo no qual os candidatos usam uma identidade religiosa para compor o seu capital eleitoral na disputa. É a forma como eles tentam se diferenciar dos demais candidatos”, afirma Christina.
A socióloga diz que o crescimento de candidatos que se assumem como integrantes de religiões de origem africana é uma novidade, resultado do quadro de intolerância religiosa que vem atingindo a comunidade desde os anos 1990.
Uma pesquisa realizada pelo MDH (Ministério dos Direitos Humanos) indicou, que entre 2015 e 2017, o Brasil registrou uma denúncia por intolerância religiosa a cada 15 horas e que 39% delas eram referentes a atos hostis a adeptos ou a templos de religiões de matriz africana.
“Esse aumento é uma resposta à intolerância religiosa que afeta essas religiões. Há um trabalho, que começou nos anos 1990, e que começa a dar resultado agora, no sentido de que religiosos da umbanda e do candomblé assumam essa identidade na disputa eleitoral para ocupar espaços de poder”, afirmou Christina.
A candidata a deputada federal Flávia Pinto (PDT-RJ), cujo nome de urna é “Mãe Flávia Pinto”, diz que, além de uma reação aos episódios de intolerância religiosa, o aumento no número de candidatos que representam o chamado “povo de axé” é resultado da maturidade política da comunidade.
“A gente percebeu que, diante da atuação de bancadas como a evangélica, a única resposta é ocupar espaços na política. Sem isso, eles continuarão livres para votar o orçamento, decidir por concessões de TV, além de outras medidas que podem prejudicar o nosso povo”, afirmou.
Fonte: Jornal Floripa