O partido do premiê, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), rebate com virulência críticas de bispos em ato na virada do ano. Nos bastidores, porém, o premiê José Luis Zapatero (foto) faz acordos com clero sobre financiamento público e ensino “para cidadania”.
O PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) iniciou o ano em duelo verbal com a cúpula da Igreja Católica, opositora das reformas promovidas pelo Parlamento nas leis de costumes espanholas. O embate abre o ano eleitoral em que o partido lutará para manter a maioria legislativa nas eleições de 9 de março.
“Se os bispos querem fazer política, que se apresentem nas eleições”, desafiou o número dois do partido, José Blanco, numa contra-ofensiva inflamada ao ato liderado pela cúpula católica em 30 de dezembro.
Numa demonstração de força da igreja, milhares de pessoas participaram da manifestação em defesa da família tradicional cristã em Madri, em crítica ao governo do premiê José Luis Rodríguez Zapatero.
Medidas como a simplificação do divórcio, a ampliação dos casos em que é permitido o aborto legal e o casamento gay incendiaram os debates na Espanha -que, até há poucas décadas, era considerada um rincão do conservadorismo.
“O poder público deveria defender a família, não achincalhar seus fundamentos”, criticou o cardeal Agustín García-Gasco no evento que descreveu como “autêntica expressão da cultura européia” que deveria inspirar os legisladores.
“A alta hierarquia da igreja utiliza a hipocrisia e o cinismo como forma de agitar a sociedade a dois meses das eleições, numa estratégia coordenada com os setores mais conservadores do PP [Partido Popular]”, acusou Blanco.
Mais brando, o coordenador do grupo de socialistas cristãos do PSOE, Carlos García de Andoin, pediu que os católicos “discordem com sensatez do rumo que a igreja está tomando na Espanha”.
No rastro de pólvora deixado pelo ato de domingo, o ministro da Justiça, Mariano Fernández-Bermejo, acusou a cúpula da igreja e o PP de lançar o “nacional-catolicismo” na campanha para as eleições legislativas, numa referência à influência eclesiástica no regime franquista [1939-1975].
Cada vez mais próximas no campo econômico, a direita e a esquerda espanhola fazem agora dos costumes sua arena de confronto.
Por razões históricas, que remetem à monarquia católica, a igreja espanhola tem imensa capacidade de mobilização no país, onde, paradoxalmente, o número de ateus declarados é um dos maiores da Europa.
Num outro paradoxo, apontado na semana passada por “El País”, jornal próximo aos socialistas, no campo institucional a relação entre governo e Igreja Católica vai muito bem.
Segundo um acordo feito entre o gabinete de Zapatero e os bispos em 2006, a partir deste ano cada espanhol -independentemente de sua religião- pagará 3,5 em benefício da sustentação do clero e do culto católicos, um aumento de 34%.
Além disso, os católicos foram autorizados a aumentar de 0,5% para 0,7% o desconto do seu imposto de renda do imposto a pagar a título de “imposto religioso”, que é repassado pelo Tesouro à igreja. Zapatero ainda se recusou a denunciar um acordo bilateral assinado com o Vaticano em 1979.
Fonte: Folha de São Paulo