Seja pela liderança na disputa, seja pelo vínculo com a Igreja Universal, da qual é bispo licenciado, Crivella acostumou-se a ouvir o que chama hiperbolicamente de “baba envenenada do ódio”. Mas as “injúrias” e as “calúnias” não o diminuem, nem o abalam, avisa.
A serenidade da fala e o cálculo das palavras entregam: Marcelo Crivella é o líder na corrida rumo à prefeitura do Rio e, como tal, foi alçado à condição de favorito e de vidraça.
Este carioca mal saído dos 50 anos, senador desde 2002 e botafoguense convicto é o nome a ser batido pelos demais candidatos.
Certo de que os níveis de rejeição – encontrados, sobretudo, na Zona Sul – vão exigir-lhe a superação da resistência religiosa, Crivella reafirma os laços com os evangélicos mas sublinha a intenção de ser um “prefeito de todos”. Acha que o Rio precisa de um político à frente da prefeitura, capaz de reduzir os desfiladeiros que hoje separam o comando da prefeitura dos governos federal e estadual. Afirma que os cariocas vivem numa cidade de dupla face: uma próspera, culta e robusta; outra marginalizada, triste e violenta. Critica o prefeito Cesar Maia e apresenta idéias prontas para problemas como a favelização, a insegurança, o baixo nível da educação e os descalabros na saúde pública do Rio.
Crivella abre a série de entrevistas do JB com os candidatos. Acompanhado de auxiliares, o senador respondeu às perguntas de Marcos Troyjo, Tales Faria, José Aparecido Miguel, Rodrigo de Almeida, André Balocco e Marcelo Migliaccio.
Confira abaixo a íntegra da entrevista
Senador, o Eduardo Paes faz referência a uma associação nova com a união. Onde o senhor se diferencia dessa candidatura, já que ele também tem esse discurso de uma associação com a união?
– Acho que essa integração não pode nascer de um momento pro outro. Na vida política a gente escreve uma trajetória. Enquanto eu era vice-líder do governo, Eduardo recolhia assinaturas para as CPIs todas que incriminaram o Lula e sua família. Me lembro uma vez que, na intimidade, o presidente Lula havia dito que o que mais havia magoado ele era o envolvimento do Lulinha no escândalo. Com humildade o Eduardo pode até construir essa aliança, mas acho que terei mais facilidade, porque é uma coisa mais legítima.
E a Jandira?
– A Jandira também. Embora a política dependa muito da índole, da natureza, da vocação de cada pessoa. O radicalismo acaba atrapalhando.
E o Gabeira?
– O Gabeira de todos é o que encontraria mais dificuldade.
Senador, e o governador? Como estão suas relações com o Cabral?
– Olha, quando terminaram as apurações do primeiro turno na última eleição para governador, quando ele se elegeu me ligou devia ser umas 21h e me disse o seguinte “Crivella, o Lula acabou de me ligar e quer o apoio do Rio de Janeiro. As eleições terminaram. Mas só o apoio se você me apoiar no Rio, se você apoiar a Denise Frossard eu estou fora, vou apoiar o Alckmin”. O que eu digo hoje é o que eu sempre defendi, um governo de união e paz pro Rio de Janeiro e com tantos programas que nós temos, precisamos de ajuda, precisamos reconhecer isso. Se eu fosse um desses políticos que partia pra política dos estigmas eu teria apoiado a Denise e empurrado ele pra longe que ainda tinha o monopólio de ser o político do meu Estado que melhor relação tem com o governo federal, até porque o vice-presidente é do meu partido. Não só que nós somos do mesmo partido, mas nós fundamos um partido juntos. Mas eu disse a mim mesmo, eu perdi, mas não quero que o Rio perca. O Rio precisa de um governo de união e paz, portanto construí a parceria e o Cabral, durante os quatro anos no Senado votou contra o governo Lula o tempo todo. Isso tem sido importante pro Rio, os investimentos da refinaria de Itaboraí, o Arco Metropolitano, as obras do PAC nas comunidades, isso é fruto de uma parceria. Na época do governo passado, poucas vezes o Lula veio ao Rio de Janeiro. O Rio precisa, na área municipal, poder desenvolver um outro programa de saneamento e habitação. Há muitas pessoas querendo sair das comunidades. Antigamente costumava-se dizer o seguinte: “Quem mora no morro já vive perto do Céu.” Hoje, quem mora no morro vive perto da violência e as pessoas estariam dispostas até a se mudar, o que facilitaria à prefeitura a abrir espaço pra levar serviço público e até replantar a floresta, mas pra isso é condição fundamental nós implantarmos o maior programa de habitação que o Rio de Janeiro já viu. Eu já tive a oportunidade de levar o Roberto Kauffman pra conversar com a Dilma, a coisa esbarrou e o que era necessário pra sair da prefeitura nós não tinhamos. Mas a Dilma ficou empolgada com o projeto. Tenho certeza que um prefeito que faça contrapartida, a coisa anda.
Sobre a sua política habitacional em favelas. Não é a desapropriação de favelas, mas um processo de desfavelização, tirar as comunidades de regiões mais danificadas do ponto de vista urbano e social. O que é exatamente isso?
– A maneira civilizada de você conter o aumento das favelas do Rio de Janeiro é dar oportunidade às famílias de comprar um imóvel. Famílias que tenham renda de 2 salário mínimos, o marido ta empregado e a mulher tá empregada, se nós unirmos o subsídio do governo federal, estadual e municipal e os recursos do fundo de garantia, Sistema Integrado de Interesse Social e o FAT, dá pra financiar casas de 80 mil reais para essas pessoas. Bota aí em habitação popular 800 reais por metro quadrados, nós estamos falando de casa com 100 metros quadrados em áreas infra-estruturadas da União, isso poderia gerar muitos espaços nas comunidades carentes. As pessoas querem mudar e nesse amplo programa, pessoas que quisessem se mudar das comunidades carentes podiam dar suas casas de entrada. E a prefeitura usar o espaço para fazer serviços públicos e até replantar. Não há como se falar em remoção. Essas favelas foram ocupadas da maneira como foi feito o desenvolvimento econômico do Rio, pelos processos políticos históricos dessa exploração do homem pelo homem. Não há como você tirar um bem que uma pessoa tem, porque não lhe foi dado o direito a um programa em habitação. Antigamente não acho que haveria interesse. Mas hoje eu acho, por causa da violência, da criminalidade, das doenças e porque as pessoas estão vendo que é possível morar num condomínio que tem piscina, estacionamento, área verde. Vai ter uma oportunidade de ouro que é o Arco Metropolitano que vai rasgar as áreas rurais da baixada fluminense onde poderão surgir cidades satélites, mas com plano de urbanização
Qual seu pensamento em relação ao transporte público? Nós sabemos que há um ódio muito forte nesse setor. Como você pretende enfrentar isso?
– Essas 300 mil unidades são adjacentes aos grandes eixos viários e ferroviários do Rio. São obras da União, infra-estruturadas, por isso dá pras famílias pobres comprarem. A nível municipal eu vou melhorar o trânsito com parceria da iniciativa privada, implantando um projeto que eu vi na Colômbia. É um sucesso e tem dado certo em outras capitais do Brasil. Da Barra pro Centro nós podemos criar a 3ª linha, cabe no túnel, porque no meio que é a parte mais alta do túnel, colocamos um ônibus em faixa exclusiva. Abrindo a terceira faixa no Zuzu Angel e na faixa do Joá, nós vamos dar uma aliviada e isso nos permite fazer o túnel da Grota Funda, também com parceria da iniciativa privada e duplicar as Américas, da Salvador Allende até o final do Recreio. Faz-se um grande corredor viário com fluxo. A entrada da Barra e saída pela Linha Amarela não é o ideal, mas atende. E o corredor T5 que é uma obra que precisa ser discutida com a sociedade pra ver se o trajeto é aquele mesmo. Estou disposto a discutir com os vereadores e mandar um projeto de lei destinando um percentual do orçamento de investimento da prefeitura para com o governo estadual e federal construir o metrô. Acho que a bancada do Rio, senadores e deputados poderiam colocar todas as emendas de bancadas individuais para a construção do metrô, não só a linha 4 que vai pra Barra, sobretudo fazer o metrô de superfície ligando a central à Zona Oeste. E também o projeto para a Avenida Brasil, pelas pistas centrais com acesso vindo por cima e da Ilha do Governador também. Isso eu já conversei com os empresários e eles já toparam fazer. Passa uma passarela pela Avenida Brasil, por cima, cai num corredor central.
A estação seria coberta?
– Exatamente. Ali o ônibus pára rapidinho. A pessoa já comprou o bilhete integrado com barca, com trem, com ônibus.
E é viável? Politicamente não vai ter um embate desgastante?
– Esse projeto é viável. Por isso que o Rio precisa de um político. O que adianta um prefeito saber calcular uma viga, uma coluna, uma estrada, se ele não souber conversar com a câmara dos vereadores, com o Tribunal de Contas do Município, com o Ministério Público, com a imprensa, com esse dilúvio de ódios e paixões que são as sociedades modernas, sobretudo as tão desiguais quanto a nossa. Por isso que eu digo, o Rio precisa ter político, que tenha gosto pela conversa, tem que ter uma paciência infinita. Pra sentar com os vereadores, pra verificar como se pode aperfeiçoar, aprimorar, discutir, botar pra votar e aprovar. Agora o sujeito que governa como técnico, ele apresenta a solução dele e acredita nela “ou aprovam da maneira que eu estou impondo ou não tem conversa e pronto”. Hoje o Rio tem muito ódio, as pessoas não conseguem se entender.
Você fala de ódio, o senhor se sente alvo do ódio de algum tipo de raiva das organizações Globo? Você acha que pode atrapalhar sua visão?
– Não sou eu que digo. É a Iuperj. Nesses dias, uma pessoa ligou lá pra casa e me disse assim: “Vou mandar pra você um e-mail de um estudo feito pelo Iuperj, da cobertura das eleições.” Cada letra de cada palavra, cada palavra de cada frase, cada frase de cada parágrafo, vem escorrendo a baba envenenada do ódio. Quantas injúrias, quantas calúnias… mas não me diminuíram, não me abalaram. Eu cresci no coração do nosso povo. Pode ver. Eu sou o primeiro nas pesquisas.
E a que você atribui esse ódio desmedido?
– Eu não sei. Eu gostaria que o Jornal do Brasil me dissesse (risos).
Você acredita que a campanha vai se desenvolver em alto nível até o fim ou ela vai se tornar uma briga vergonhosa?
– Não haverá expediente dos mais tortos aos mais virulentos, que os meus adversários não empreguem contra nós.
O Aloizio Mercadante está defendendo mexer nos royalties do petróleo. Como você está vendo esse projeto?
– Acho indigno. São Paulo deveria ser a última voz a falar de distribuição dos royalties do petróleo. As riquezas naturais, minerais, humanas, não podem ser tocadas. Essa é uma sem valor. É a ambição de um senador. O Rio de Janeiro diante dos vultosos problemas que tem, como favelização, decadência econômica, crise na violência. Tirar os parvos recursos que o Rio recebe de royalties? Podemos discutir a distribuição entre os municípios, mas tirar do Rio de Janeiro é um absurdo. Eu sei que o que ele fez foi uma maneira de responder a uma lei aprovada na Câmara que dispensa 2% do ICMS para a origem e isso penaliza São Paulo que tem a maior produção. Mas é uma proposta que o povo brasileiro não apoiará. É uma proposta inócua que não vai ter respaldo popular.
O governo pretende usar uma parte dos royalties para um fundo de educação, o senhor concorda com isso?
– Olha, não concordo. Voto contra. Se essas coisas (Petróleo) fossem perdurar pra sempre, tudo bem. Esse bem não vai perdurar pra sempre e o royalty é exatamente pra recompensar um estado que vai findar. O Rio é o segundo arrecadador de Imposto de Renda do país e o 18º a receber esse recurso de volta. Por que mexer no petróleo do Rio de Janeiro? É a única riqueza que nós temos.
A concentração de renda de São Paulo e o empobrecimento Fluminense tem uma grande parcela de culpa na bancada do Rio no congresso ou na dificuldade de articulação no congresso. Você acha que precisa de uma defesa mais enfática e articulada da bancada ro Rio?
– O cidadão não se politiza, a imprensa não denuncia e os políticos sofrem a pressão do grupo do governador, do grupo do prefeito, do grupo do presidente e acabam muitas vezes deixando de se articular em projetos importantes para o Rio de Janeiro. A crise que enfrentamos já não nos permite mais essa gerenciamento político que hoje a prefeitura tem em diversos setores. Se nós continuarmos desse jeito, continuaremos construindo obras como a Cidade da Música, sem grande repercussão para os problemas reais do cotidiano do carioca. É uma obra que tem seu valor, mas sem o impacto civilizatório que o Rio demanda.
Senador, o senhor elaborou uma carta compromisso e nela a gente percebe que o senhor está em primeiro nas pesquisas, grande parte graças ao eleitorado evangélico. Mas essa carta compromisso tem itens opostos a doutrina da igreja. Você teme perder adeptos dentro da Igreja por causa dessa postura que você assumiu?
– A minha posição pessoal e religiosa todos conhecem. O voto é de acordo com essa minha consciência. Agora, a nível de prefeitura do Rio de Janeiro são discussões que não têm a relevância ou a interferência de um prefeito como nos problemas do cotidiano que amarguram a vida dos cariocas. É bem verdade que muitos evangélicos poderão dizer que eu prometi não interferir no carnaval e eu vou dizer a eles que um prefeito não governo segundo suas convicções pessoais. Ele é um servidor do povo e o orçamento público e as ações da prefeitura têm que contemplar a todos. O Rio não suporta mais um prefeito arrogante que imponha suas idéias. O Rio precisa de um prefeito que seja de todos, que chegue a um denominador comum. É o que hoje nós não temos. Os evangélicos terão que entender isso. Espero que os mais maduros mostrem isso aos mais novos.
Em que momento o mito evangélico te ajuda e em que momento ele te atrapalha?
– Os evangélicos são uma classe emergente e extraordinária da sociedade brasileira. Mesmo diante desse confisco que se faz através das taxas de juros altíssimas desse país e de uma carga tributária enorme, os evangélicos se educam, criam seus filhos, trabalham, são modestos no consumo, não consomem por emoção. Estudam a vida inteira. Costumam ir da casa pro trabalho, do trabalho pra igreja, da igreja pra casa e enfrentando toda essa diversidade, constroem igrejas, templos enormes, meios de comunicação pra divulgar as idéias de cristo e seus ideais. Tem muito pra contribuir pra vida política brasileira.
O senhor lê a Bíblia todo dia?
– Todo dia. Considero fonte de inspiração pra vida. Acredito nos conceitos de inspiração da revolução francesa de igualdade, de liberdade e fraternidade, mas sob a ótica cristã. Isto foi o primeiro antes de Locke, antes de Montesquieu, antes de Rousseau, a pregar que os homens deveriam ser todos irmãos e ter o suficiente. Da maneira que esses princípios cristão vão andar comigo a minha vida inteira. Agora na prefeitura, com respeito a gostos populares, a cultura, a diversidade religiosa e sexual. Isso o prefeito tem que respeitar, tem direito de discordar, mas tem que respeitar. E é assim que eu vou separar política de religião.
Você acha que essa postura pode prejudicar seu futuro dentro da Universal?
– Acredito que não. Todos os evangélicos estão torcendo. Querem que um prefeito evangélico seja um prefeito de todos. Não querem um prefeito só dos evangélicos, porque sabem que isso não vai dar certo. O importante é diminuir ou erradicar a dengue, melhor o PIB do Rio de Janeiro, aumentar a participação das famílias de baixa renda, fazer mais turismo. E é bom lembrar que se o prefeito não zela pela educação das crianças, amanhã, esses adolescentes vão descobrir que passaram nove anos no ensino fundamental e não aprenderam. Pra ele não sobrou um concurso público, uma vaga na faculdade, um ensino de qualidade. Hoje não garantimos, às nossas crianças, um ensino de qualidade.
E quem é o seu conselheiro nessa área de educação?
– Tenho vários. A minha esposa é educadora, mas eu tenho conversado muito, ouvido muito e lido muito os pronunciamentos de Cristovam Buarque, muito preocupado com a educação infantil. Agora mesmo votamos o FUNDEB, depois de um longo tempo de espera. Tenho também conversado com o sindicato de professores do Rio de Janeiro. Acho que temos que ter um tipo de avaliação, que nos garanta que esses meninos e meninas estão tendo uma boa educação. Eu fiz uma tabela, e pedi a vários procuradores do município para verificar se é possível aplicá-la sem romper a barreira da lei de responsabilidade fiscal. Os números me parecem modestos. Os professores com 30, 35 anos de serviço, no topo da atividade, 36 horas de aula por semana, receberiam em torno de R$ 5 mil, R$ 6 mil, o que acho um salário adequado para tanta devoção. Se puder, será um investimento que farei, sem hesitação. Hesitaria de construir uma nova Cidade da Música ou um novo Engenhão.
Aprovação automática no Rio
– … Se apenas nos ilude, mostrando nas estatísticas números de aprovação mais favoráveis. Acho que temos que ter um tipo de avaliação, que nos garanta que esses meninos e meninas estão tendo uma boa educação. Eu fiz uma tabela, e pedi a vários procuradores do município para verificar se é possível aplicá-la sem romper a barreira da lei de responsabilidade fiscal. Os números me parecem modestos. Osmídia). Mas a Fiocruz, os pesquisadores trabalham com números de 900 pessoas mortas.
O que o prefeito Crivella pretende fazer pelo turismo no Rio?
– Queria fazer com que o Rio todo se comprometesse com o corredor turístico. Uma legislação moderna, discutida e votada com a sociedade e aprovada na Câmara Municipal, do aeroporto internacional à última praia da orla, e os acessos aos pontos turísticos (Maracanã, Cristo, Pão de Açúcar, Teatro Municipal). Nosso asfalto, nossas calçadas, a iluminação pública, a arborização, a coleta de lixo, a segurança (com câmeras) fosse primorosa. É preciso que todo carioca se comprometesse e entendesse que essa ação política é para o bem de todos. Não só daqueles que vivem ali, mas sobretudo daqueles que vão se beneficiar da arrecadação de impostos para resolver problemas do seu interesse, da urbanização, da saúde e da educação. Podemos fazer para toda a orla, o que fazemos em Santa Teresa e que também é muito usado na Europa, que é o bed and breakfast. A prefeitura organiza quartos disponíveis na casa das pessoas nas operadoras de turismo, tendo quarto e café da manhã. Por exemplo, minha mãe, que mora na Rua Francisco Otaviano. Ela tem um quarto vago no apartamento. Sou filho único, me casei e fui embora. Minha mãe poderia colocar à disposição aquele quarto para uma senhora, do interior de São Paulo, Espírito Santo… Que viesse ocupar o quarto, tivesse um café da manhã por uma diária de R$ 150. A nossa rede é de quatro, cinco estrelas. Portanto esse turismo de aposentados, de senhores e senhoras do interior vão para outras cidades. Isso poderia ser uma revolução, se nós também tivéssemos uma política para que os hotéis do Rio de Janeiro tivessem grandes shows, como é em Las Vegas. Espetáculos que chamassem a atenção. Acho que o Rio tem que ser uma cidade que de dia trabalha duro e à noite tem que se transformar numa festa. Precisa para que a cidade cresça. Senão, o que vai crescer é prostituição, tráfico de drogas, criminalização, roubo de carros, furtos, assaltos, seqüestro, aliás seqüestro nem tanto. As estatísticas, as últimas que vi, de 96, o Rio teve 311 mil crimes registrados, 112 mil lesões corporais dolosos, mais de 80 mil furtos, 60 mil assaltos, 50 mil carros roubados. Isso é um absurdo.
O que o senhor acha do prefeito César Maia?
– Acho que o prefeito na sua trajetória política sofreu um momento duro, difícil. O prefeito se candidatou a reeleição, mas não para ficar quatro anos. O prefeito queria ficar dois e ser candidato a presidente da república nas últimas eleições. O que ocorreu é que, com todo o apoio do seu partido e indo bem nas pesquisas, teve uma intervenção federal na saúde do Rio. E naquele momento ele acabou sofrendo um revés na sua popularidade e não pôde disputar aquele pleito. Acho que isso o marcou profundamente, com reflexos na administração. O Pan foi importante, foi um esforço que devemos considerar, a Cidade da Música também pelo esforço, que eu não faria nesse momento (há prioridades diante dos graves problemas que a gente atravessa). Mas o prefeito que o Rio precisa, já não é mais o prefeito dos grandes monumentos, é um prefeito que cuide do povo, de como as pessoas estão morando, que cuide da saúde dele, como está a educação dos filhos. E esse prefeito ultimamente nós não temos tido. Mas não quero discutir uma página virada, prefiro discutir sobre o futuro.
Há uma queixa sobre o crescimento das favelas na Zona Sul especificamente. O senhor pretende conter esse tipo de expansão?
– Vou, e a maneira civilizada é com um amplo programa de habitação, que nós vamos fazer. Vamos tirar do papel o projeto que já apresentei à Dilma com o Roberto, que teve o entusiasmo e o aplauso do governo federal, o maior programa de habitação para pessoas que tenham renda de até dois salários mínimos, renda familiar, poder se candidatar e comprar. Essa é a maneira correta de diminuirmos o processo de favelização do Rio de Janeiro. Podem ter certeza de que isso vai funcionar. Deveremos assim retirar as famílias que moram em área de risco, as que se encontram acima da cota 100, dando a elas dignidade e condição de morar. Eu sempre costumo contar a história de como começam as favelas no Rio. Elas começam com a volta dos soldados da guerra do Paraguai. O ensino sistematizado diz que é a volta dos soldados das volantes dos Canudos. Mas se vocês lerem o livro do professor Marco Antonio Flores, que é um coronel do exército já aposentado chamado Ecos da guerra do Paraguai – chamas da nossa nacionalidade – ele com fotografia e farta documentação mostra que D. Pedro II, em novembro de 1864, assina num sábado e publica na segunda-feira, um decreto no no Jornal do Commercio. A lei chamava-se Voluntários da Pátria, que entre outras coisas oferecia oportunidade aos escravos de ganharem alforria se lutassem na guerra. A guerra durou cinco anos, o primeiro navio levando escravos saiu de Campos, um galeão. Cinco anos depois, eles chegam ao cais do Valongo, e encontram alforria sem trabalho e moradia. E é dado a eles a oportunidade a autorização de improvisar suas casas no Morro da Providência nas partes baixas. Em 1894, na época de Prudente de Moraes, as volantes de Canudos vêm e ocupam as partes altas do morro. 137 anos se passaram dessa ocasião, formou-se um paradigma. Se o Estado manda para a favela, a iniciativa privada faz a mesma coisa. Então vc traz para cá um monte de gente, do nordeste e do interior, com salário muito baixo e onde o sujeito vai morar? No morro, trocador, motorista, pedreiro, carpinteiro, servente, vendedor, babá, lavadeira, empregada o que for. Ganhando o suficiente pra se alimentar (senão não tem força para trabalhar), pra se vestir e pra morar? Olha, vai improvisando uma casinha no morro. E os programas de habitação? Não tínhamos. O dinheiro pro transporte? Não tinha. Criamos uma sociedade extremamente desigual. Acho que agora com esse nível de violência enorme, sem precedente, e desgraçadamente crescente, nós precisamos nos reencontrar com o passado e oferecer um programa de habitação do tamanho da necessidade do Rio de Janeiro. Já existe? Já. Quem fez, foi o Crivella? Pensem bem, nós somos a terra do calcário e da argila, matéria-prima de todos os cimentos, do plástico, do verniz, o aço. Aliás, no Rio de Janeiro tem uma outra coisa, que agrava a nossa infâmia. O cimento do Rio é feito com escória de alto-forno. 85% de um saco de cimento é escória de alto forno. E nós com toda a dádiva da natureza não encontramos força na nossa solidariedade para criar um programa de habitação que responda a essa demanda. E estamos aqui com as essas favelas. Eu disse ainda, no passado foi a nossa maior vergonha, hoje é o nosso desafio, amanhã… reflorestar, ou urbanizadas serão um marco eterno da nossa solidariedade.
E a Baía de Guanabara, senador? Um programa para despoluir praias e lagoas a princípio passa pela Cedae, que é estadual. Tem algum programa específico?
– O Rio precisa de um prefeito político. O prefeito do Rio tem uma liderança natural junto aos prefeitos da região metropolitana que circuncida (circuncida, não). Circunda! A nossa baia. Se tiver algum prefeito técnico dificilmente conseguirá chamar para uma conversa todos os demais prefeitos e chegarmos a um acordo. Fazermos o que votamos no Congresso e que o Rio devia liderar que é o consórcio dos municípios. Eles têm todo o apoio da legislação que acabamos de votar no Congresso. Se nós chegarmos no ministro do planejamento, no ministro da fazenda, sobretudo no presidente da república e no vice-presidente com um documento consolidando um consórcio de municípios da baixada, que circundam a Baía de Guanabara, teremos uma força extraordinária.
O que o senhor pretende fazer com o programa saúde de família?
– Ampliar, quero elevar para 70% de cobertura da população do Rio. Quero derrotar isso religiosamente, não devia nem usar o termo. Por exemplo, você vai na comunidade carente, existem pessoas subnutridas mas obesas. Um exame revela que a taxa de açúcar está conduzindo para uma diabete. Se você furar o pé vai abrir uma escara, não vai cicatrizar, seu membro vai mumificar e você vai ser amputado. O Rio é campeão de pé diabético. Quando você for amputado não há prótese. Vai ser confinado a uma cadeira de rodas. Isso tem que ser dito. Tem que ser anotado, para dizer se a pessoa está fazendo exercício ou diminuiu o açúcar. Botar o cadeado na porta antes de arrombarem a porta. O Cesar Maia disse que esse programa não deu certo por causa da violência, que os profissionais de saúde não conseguem entrar nas comunidades. Eu pergunto a você: os índices de violência de Niterói são menores que os nossos? Não saio. As comunidades carentes de Niterói estão tomadas pelo narcotráfico. Lá não tivemos dengue, porque 70% da população é coberta pelo Saúde da família. O problema é que a prefeitura tem dificuldade de se relacionar com o governo federal, de fazer as parcerias. Sobretudo na área da saúde. Na intervenção devolvemos ao governo federal o Cardoso Fontes, o Hospital de Ipanema, o Andaraí e o Hospital da Lagoa. Um grande alívio no orçamento. Melhorou? Não. Minhas emendas parlamentares, todas foram liberadas. Simplesmente porque montei no primeiro ano que fui para o senado um manual: o manual do prefeito. Imprimi e mandei para os 92 prefeitos do Rio: Manual do prefeito – como obter recursos do governo federal. E a partir daí me dediquei a isso. A defender nos momentos de injustiça, mas também cobrar os recursos do Rio. Se cobrei como senador, mas agora como prefeito. Estou animado e vou até o ultimo momento nessa luta. Fazendo um apelo ao Jornal do Brasil, para que mantenha o nível ético e cultural do jornalismo do Rio de Janeiro.
Quem passa para o segundo turno?
– Eu acho que a Jandira Feghali ou a Solange Amaral. Tenho dito isso em público.
O senhor vai poder usar o Lula, afinal?
– Tem esse entendimento. O sujeito que é filiado a um partido tem que aparecer no partido dele. O presidente não vai aparecer em lugar nenhum. Não aparece com Molon, nem com Jandira, nem com Crivella, muito menos com Eduardo.
O senhor tem um mapeamento da cidade onde o senhor encontra maior resistência?
– Zona Sul. Onde vende O Globo.
O senhor vai insistir em derrubar essa resistência ou vai esquecer a Zona Sul?
– De agosto do ano passado até hoje eu fiz mais de 150 reuniões na casa de pessoas da Zona Sul. Isso baixou a resistência lá. E minha esposa tem feito também, devotadamente. E ficamos surpresos com a boa vontade deles. Mesmo assim é pouco para representar alguns pontos.
O senhor é bispo ou não é bispo?
– Sou e vou morrer. Sou licenciado. Eu também sou engenheiro. Tinham que botar o ex-bispo e o ex-engenheiro, ex-professor, ex-militar, fui primeiro-tenente do exército. Muitas de nossas empregadas são da igreja e relatam casos de pessoas que saíram da marginalidade ou que agüentam o sofrimento da vida miserável graças a igreja, eles falando isso.
Como o senhor responde a críticas sobre exploração da miséria, da esperança dos fiéis, da riqueza de alguns pastores?
– Não há, eu declarei meu imposto de renda: dois carros e um dinheiro que tinha no banco, deu R$ 200 mil. E dentre todos os bispos e pastores sou um dos que mais têm. E já até pedi a eles, todos, que um dia fizéssemos um site e colocássemos o imposto de renda de nós todos. O que nos fazemos é com idealismo e renúncia. Para a África levei US$ 8 mil. Quando saímos de lá, nossa igreja tinha em dinheiro o que representava 10 milhões de dólares. Infinitas propriedades, incontáveis automóveis, catedrais que construí lá, só são maiores algumas do Rio e São Paulo. Fui com 10 malas voltei com nove e uma africana que veio comigo e para a minha alegria este mês está se formando na Estácio de Sá no curso de gastronomia. Então não há isso. Mas a igreja tem avião? Tem, já recolheu oferta no mundo inteiro. Para trazer do interior para cá tinha que trazer do interior. Me lembro que quando prenderam os 10 milhões do avião da igreja com os pastores e suas esposas. A Policia Federal, ali, eles morderam a língua. Bem feito. Achavam que queríamos trocar por dólar, para enriquecer o Macedo. Não era verdade. Não tem como transportar esse recurso para são Paulo. Os bancos não aceitam esse deposito em notas pequenas para contar aquele dinheiro todo e mandar para uma agencia em São Paulo. A PF guardou todo o dinheiro no meio circulante do Banco Central, depois a Justiça determinou que fosse depositado num banco em que corresse juros e poupança. Foi difícil encontrar um banco que aceitasse aqueles recursos como deposito judicial. Quando encontraram, o banco não quis se responsabilizar pelo transporte. Foram então a Confederal, empresa do deputado Eunício. Ele disse que transportava, 1 milhão por carro, 10 milhões, 10 automóveis. Preço R$ 300 mil, a Polícia Federal não tinha como pagar. Eu disse, vocês falaram tanto e estão provando na carne e morderam a língua. Tiveram que chamar bombeiro, aparato, um monte de carro, e quando chegaram na caixa econômica passaram um dia e uma noite contando as notas pequenas. Infelizmente, pedi a eles para não colocarem o dinheiro na mesa para fotografar. Infelizmente ainda temos essas coisas de Banana Republica.
O senhor vai apoiar a parada gay do Rio, como um evento do calendário da cidade?
– A prefeitura dará todo o apoio para que a parada gay ocorra com os serviços públicos de que ela necessita. É uma expressão da diversidade sexual de pessoas que têm que ser respeitadas. Assim como peço que respeitem também a minha opção heterossexual e a minha opinião de achar que o melhor arranjo familiar que a evolução humana encontrou é homem e mulher, mas respeito aqueles que pensam diferente.
Fonte: JB Online