O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, aparentemete venceu a primeira batalha do conflito que, nas últimas semanas, vem opondo seu governo à Igreja Católica.

Na quinta-feira, foi anunciada a demissão do diretor do jornal do episcopado italiano, o “Avvenire”, que lidera o ataque contra as extravagâncias do chefe de governo.

Dino Boffo se demitiu após a divulgação pelo diário “Il Giornale”, pertencente ao irmão de Silvio Berlusconi, Paolo, de questões de moral e costumes que lhe dizem respeito. Em resposta aos ataques do “Avvenire”, que criticava “o fraco declarado de Berlusconi por jovens atrizes”, “Il Giornale” tachou Boffo de “hipócrita”, evocando um suposto caso de homossexualismo do dirigente católico.

Após dias de silêncio, o Vaticano optou por expressar seu apoio à Conferência Episcopal Italiana, parecendo cerrar as fileiras católicas diante do governo. Um jantar entre Berlusconi e o número dois do Vaticano, Tarcisio Bertone, foi cancelado de última hora. O Vaticano fez saber que não queria ser “instrumentalizado”.

A saída de Boffo -que não poderia ter ocorrido sem o aval do Vaticano- mostra a complexidade das relações entre poder político e Igreja Católica.

O órgão oficial do Vaticano, “L’Osservatore Romano”, vem evitando mencionar a vida privada de Berlusconi. As acusações de sua mulher de que Berlusconi “convive com menores de idade” ou a confissão de seu advogado, que o apresentou como o “utilizador final” dos favores de uma garota de programa? “Polêmicas contingentes”, segundo Gian Maria Vian, diretor do jornal do Vaticano.

Mas uma parte da igreja próxima da centro-direita encarnada por Berlusconi está contrariada. “O mal-estar cresce no mundo católico”, diz Marco Politi, do “La Repubblica”, o jornal mais crítico em relação a Berlusconi. “Suas indiscrições o fizeram perder votos católicos nas eleições para o Parlamento Europeu [em junho].”

A moralidade de Berlusconi não é o único ponto de tensão entre governo e igreja. A decisão de deportar os imigrantes estrangeiros e refugiados que chegam pelo mar para os países de onde embarcaram revoltou uma parte dos religiosos.

No final de agosto, o monsenhor Antonio Maria Veglio, presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, se desentendeu com um aliado importante de Berlusconi, o fundador da Liga Norte, Umberto Bossi.

“A igreja não deve calar enquanto os direitos humanos são desrespeitados”, disse o prelado em resposta a Bossi, que pedira que a igreja não se imiscuísse em temas políticos.

Mas a própria igreja está dividida, e alguns em seu interior querem que ela se abstenha de intervir em questões italianas.

Seria cedo, portanto, para colocar a igreja italiana e o Vaticano no campo dos novos opositores ao presidente do conselho. Berlusconi, por exemplo, se posicionou ao lado da igreja na discussão sobre a eutanásia.

O fato é que nem Berlusconi, nem a igreja têm interesse em ver essa crise se aprofundar.

Todos os governos italianos precisam da potência católica.

Paralelamente, as questões de bioética e, em especial, o projeto de lei sobre o chamado testamento biológico, inspirado na ala católica do Parlamento, serão discutidos em breve. A situação da pílula do dia seguinte está em suspenso. E a igreja ainda espera que se concretizem promessas eleitorais de Berlusconi de vantagens fiscais para as famílias e de financiamento de escolas católicas.

Fonte: Folha de São Paulo

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