As estudantes turcas cobertas com o véu islâmico ganharão o direito de entrar na universidade com a futura Constituição do país, cuja minuta está sendo preparada pelo Governo islamita moderado de Recep Tayyip Erdogan.
Erdogan criticou ontem, em entrevista coletiva, que a peça seja considerada um símbolo do islã político e qualificou de injusta a proibição dirigida às jovens, em uma entrevista ao jornal britânico “Financial Times”.
“O véu não é um símbolo político. Minha mulher usa véu. Nos demais partidos não há mulheres com véu? (Elas estão) em todas as partes”, disse.
Segundo a lei turca, as mulheres com véu não podem entrar nas universidades, nos edifícios estatais ou militares, nem participar de atos oficiais.
“Ninguém pode desrespeitar o direito à educação das jovens devido a sua roupa”, afirmou o Comitê Central Executivo do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, em comunicado. A nota foi divulgada após a discussão da minuta constitucional, que será apresentada no final do mês para debate parlamentar.
O Governo do primeiro-ministro pretende substituir a atual Constituição, redigida em 1982 pela Junta Militar, por uma nova lei fundamental liberal e em linha com as exigências da União Européia.
“Chegou o momento de a Turquia ter uma nova Constituição contemporânea e para todos, porque a atual está longe das necessidades de nosso povo”, afirmou Erdogan.
A minuta foi preparada por uma comissão científica de analistas constitucionais e está sendo estudada agora pelo primeiro-ministro, que fará os últimos retoques antes da apresentação oficial e da discussão parlamentar. O documento tem texto de conteúdo liberal, ampliando os direitos individuais e reduzindo o poder dos militares.
Segundo o trecho da minuta divulgado, a comissão de analistas não modificou a redação dos quatro primeiros artigos, que estabelecem o sistema republicano, a indivisibilidade do Estado, o laicismo e a democracia como princípios nacionais.
O Governo do AKP quer buscar uma solução para a proibição do véu nas universidades, uma antiga promessa dos islamitas moderados que até agora não tinha sido cumprida.
Segundo a rede de televisão “NTV”, são duas as opções previstas por Erdogan para permitir a entrada na universidade de mulheres com véu.
A primeira alternativa seria determinar que nas universidades o modo de vestir seja livre, enquanto a segunda destacaria o direito à educação independentemente da roupa do aluno.
O Governo turco também quer impor limites à redação da nova Constituição. O objetivo é que, respeitando o direito das jovens com véu à educação universitária, ninguém possa entrar nos centros de ensino superior vestido com o “çarsaf” (xale grande negro que cobre à mulher da cabeça aos pés) ou com túnicas, segundo a imprensa turca.
Na Turquia, 60% das mulheres cobrem a cabeça, seguindo os preceitos islâmicos. No entanto, destas, 80% usam somente um lenço (“basörtüsü”), 18,5% usam o véu islâmico (“türban”) e apenas 1,5% opta pelo “çarsaf”, segundo a Fundação de Estudos Econômicos e Sociais da Turquia (Tesev).
De acordo com as estatísticas, o número de mulheres que utiliza alguma peça para cobrir a cabeça caiu nos últimos anos, apesar de o país ter sido governado pelos islamitas neste período. Já no caso das mulheres cobertas com “çarsaf”, o número passou de 3,3% em 1999 para 1,5% em 2006.
Para alguns, a mudança na Lei turca proposta por Erdogan afetaria diretamente o estrito sistema laico da Turquia.
No entanto, o previsto é que a nova norma afetaria somente as estudantes universitárias com véu (“türban”) e, não, às alunas primárias, porque neste nível de ensino todos os estudantes são obrigados a vestir uniforme.
Em resposta às críticas dos reitores universitários, Erdogan lhes pediu que “cuidem de seus assuntos” e esperem para ver a minuta oficial, quando o Governo turco “estará aberto a todo tipo de críticas”.
Ele reiterou que a nova Constituição não será “de seu partido”, mas de toda a Turquia”.
Entre outros aspectos, a nova Carta Magna introduzirá mais direitos individuais, limitará o poder dos militares e permitirá a educação em outras línguas – além do turco -, como o curdo.
A nova Constituição dificultará ainda a ilegalização de partidos políticos, aumentando o número de votos necessários no Tribunal Constitucional de maioria simples para maioria qualificada de dois terços. Além disso, serão restringidos os poderes do presidente, que não poderá escolher os juízes do Supremo Tribunal.
Fonte: EFE