Bandeira da ONUO espetáculo macabro do enforcamento de Saddam Hussein e de seus colaboradores, incluindo a decapitação de um deles, tocou um nervo sensível de muitos políticos europeus decididos a lutar pela primeira resolução da ONU por uma moratória da pena de morte.

“A União Européia vai fazer campanha pela abolição mundial”, indicou esta semana em Dresden Brigitte Zypries, ministra da Justiça da Alemanha, país que preside a União neste semestre.

Não há país europeu em que os condenados sejam executados, mas no restante do mundo 69 países empregam a pena capital. A iniciativa partiu da Itália, que desde janeiro tem um assento provisório no Conselho de Segurança da ONU e agora pretende arrastar os 27 para Nova York. A Comissão Européia, a Alemanha e o Parlamento Europeu já anunciaram que apoiarão a Itália.

Horas depois do enforcamento de Barzan Ibrahim al Tikriti, um meio irmão de Saddam Hussein cuja cabeça foi secionada pela corda, o presidente do Executivo comunitário, José Manuel Durão Barroso, deixou claro: “Um homem não tem o direito de tirar a vida de outro”. “Creio nos valores europeus e agradeço à Itália as iniciativas que anunciou para que no âmbito da ONU possamos trabalhar juntos para pôr fim à pena de morte.” A Itália já tentou sem sucesso uma moratória universal em 1994 e 1999.

O eurodeputado Marco Pannella, líder do Partido Radical, que faz parte da atual coalizão de governo na Itália, está por trás da iniciativa adotada pelo Executivo de Romano Prodi. Aos 76 anos, a campanha de Pannella já lhe custou semanas de greve de fome, mas depois de lutar durante anos com pouco êxito ele afirma que “nos últimos dias essa questão está se movimentando muito. Agora a opinião pública se mobilizou pela morte de Saddam”.

Reunião em Bruxelas

Na próxima segunda-feira os ministros das Relações Exteriores da UE pretendem abordar essa questão durante o Conselho de Ministros que se realizará em Bruxelas. “Só dois ou três países nórdicos e o Reino Unido se mostraram reticentes, mas não por uma questão de fundo, mas sobre como isso será feito”, explicam fontes comunitárias.

Também se mostra cético sobre a estratégia a seguir na UE o diretor do escritório europeu da Anistia Internacional (AI), Dick Oosting, que considera a iniciativa “crucial” porque poderia iniciar um processo que acabaria por levar à justiça internacional os países que mantêm a pena capital. Mas Oosting também acredita que só se vai à guerra equipado para ganhar e que se a Itália perder a cartada “poderia ser muito contraproducente”. “Para conseguir a maioria na ONU é preciso estar muito unido e organizado para arrecadar apoios, e a UE não está. É melhor esperar até ter os votos garantidos.”

Os 128 países que aboliram a pena de morte ou mantêm uma moratória a respeito formariam uma maioria suficiente para que a resolução seguisse adiante, mas não parece que todos estejam dispostos a enfrentar países como China ou EUA, defensores da pena capital. “Por exemplo, os países islâmicos, muito poderosos agora na ONU, se aliam aos africanos que por sua vez estão muito influenciados pela China [o país com mais execuções do mundo] e cuja presença na África vem aumentando”, explica Oosting.

Pasquale Ferrara, porta-voz do ministro das Relações Exteriores italiano, Massimo d’Alema, reconhece que é muito importante saber com que apoio contam na ONU, já que a reunião nesta segunda-feira em Bruxelas constituirá uma primeira sondagem. “Nossa prioridade é reabrir o debate político, mas a chave é escolher o momento oportuno. A execução de Saddam foi muito chocante e esperamos que dessa situação trágica possamos tirar algo bom”, indica.

Com ou sem resolução, a lista de países que decidem abolir ou aplicar moratória sobre a pena de morte aumenta a cada ano. A grande maioria das execuções mundiais, até 90%, é realizada na China, Irã, Arábia Saudita e EUA, segundo dados da AI. “A tendência mundial para a abolição é muito clara”, explica Jeroen Schokkenbroek, do Conselho da Europa, órgão encarregado do respeito aos direitos humanos no continente. “Os políticos começam a perceber que a pena de morte não funciona, não ajuda a reduzir os crimes e que quando há um erro judicial sempre é tarde demais porque a pessoa inocente já foi executada, e isso é muito grave em um Estado de direito.”

Fonte: El País

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