Um pecado descrito na Bíblia não tem sido levado muito a sério nos dias de hoje. É a glutonaria, ou prática de comer excessivamente, muito além das necessidades nutricionais do ser humano. Evangélicos têm descoberto o valor da alimentação saudável e já há até dietas baseadas na Bíblia.
O distúrbio, tratado como compulsão, tem levado muitas pessoas aos desajustes emocionais e acarretado uma série de doenças, como a obesidade e o temido diabetes. Pois agora, cada vez mais evangélicos têm dado atenção ao tema, estimulando bons hábitos alimentares e espiritualidade à mesa como forma de agradar ao Senhor.
“Só coma o necessário” é o lema da escritora americana Gwen Shamblin que, em seu best seller The Weigh Down Diet – que significa algo como “a dieta da contenção” –, aponta uma proposta de regime baseada na precaução que se deve ter para com a saúde, tanto física como espiritual. Se o princípio básico da dieta diz que o indivíduo pode comer de tudo desde que em doses moderadas, uma das fórmulas que ela encontrou para controlar as bocas mais compulsivas foram frases de impacto como “Deus está vendo tudo aquilo que você come”.
A receita parece estar dando certo, uma vez que tem levado milhares de americanos a repensar seus hábitos alimentares sob uma ótica cristã e aderir ao programa que intitula sua obra. Calcula-se que já haja mais de um milhão de adeptos ao programa. Segundo Gwen, quem come mais do que o organismo necessita, além de prejudicar a própria qualidade de vida, está incorrendo no pecado da gula. O remédio, então, é simples: “Não corra para a geladeira, mas para Deus”, orienta.
Já, no Brasil, engana-se quem pensa que os evangélicos também não se preocupam com aquela “gordurinha” indesejada e, mesmo que o costume de malhar nas academias de ginástica ou recorrer aos personal trainers ainda seja um tabu a ser quebrado pelos crentes, eles estão usando as ferramentas de que dispõem – calcadas, é claro, nos princípios bíblicos nos quais acreditam – para atingir seus objetivos.
Se para a grande maioria dos protestantes seguir dietas com disciplina religiosa é algo novo, os adventistas são uma exceção à regra e um modelo a ser seguido, por incorporarem às suas doutrinas cristãs a necessidade de uma alimentação bem balanceada – cuidado que, garantem, contribui para a vida espiritual, além de diminuir o risco de contrair doenças. Rígidos e determinados, eles quase não comem carne – de porco então, nem pensar –, evitam gordura, cafeína e condimentos, substituindo esse cardápio apetitoso, mas nada saudável, por frutas, verduras e cereais. “Gênesis 1.29 diz que a primeira ordenança após a Criação foi para comermos vegetais, sementes e frutas, porque os elementos da natureza são destinados a promover a vida em todas as dimensões de seu significado”, ensina Alvina da Silva Souza, nutricionista formada pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) e especialista em obesidade e emagrecimento. “Ao buscar esse plano de equilíbrio na alimentação, estaremos respeitando a orientação divina e diversos aspectos propícios ao bem estar, como equilíbrio físico, emocional e espiritual”, comenta.
Os resultados de tanto rigor à mesa tem sido uma bênção: graças ao regime alimentar, a comunidade adventista já figurou em diversos artigos relacionados à saúde por apresentar altos níveis de longevidade. John Harvey Kellog (1852-1943), por exemplo, criador da famosa indústria de cereais Kellogs, viveu quase cem anos e figurou na lista dos dez melhores médicos do mundo em sua época (ver box). “Uma dieta equilibrada não só traz mais saúde como torna a pessoa mais apta para glorificar a Deus”, continua Alvina. Ela lembra o texto de I Coríntios 3.16 e 17, que diz que o corpo do crente é templo do Espírito Santo. “Então, devemos preservá-lo”, recomenda a nutricionista.
Equilíbrio
Para o bispo Robson Rodovalho, dirigente da Igreja Sara Nossa Terra, de Goiânia (GO), a alimentação de todo cristão deve ser pautada em cima de equilíbrio e do profundo entendimento de como funciona o corpo humano. “Nós somos uma máquina criada por Deus, mas as pessoas não entendem como é o funcionamento dessa estrutura. Nós nos alimentamos muito mais por uma herança e cultura familiar, que infelizmente no Brasil não é tão boa nem muito científica, mas bastante sazonal”, aponta. No entender do bispo, as pessoas não têm uma visão ampla do que representa a alimentação para o organismo, nem do que significa a busca do equilíbrio na alimentação. “Acho que todos precisam saber do que o corpo humano necessita, e conhecer os três grandes pilares da saúde: alimentação, descanso e exercício”, descreve. O líder lembra que as Escrituras desempenham um papel importante na busca desse equilíbrio. “A Bíblia contribui bastante, mas precisamos passar por um crivo cientifico e moderno, mesmo porque na era cristã havia algumas vantagens: eles não sofriam do estresse que temos hoje, não viviam sob as mesmas condições de vida do mundo moderno, o que lhes proporcionava uma alimentação bem diferente da nossa”, completa.
Belém, em hebraico, quer dizer “casa do pão”. E pão fresco consistia num dos alimentos básicos para a alimentação de Jesus, assim como outros produtos naturais, como queijo fresco feito com leite de cabra – animal responsável pela subsistência da maioria das famílias da época e pelo alto valor nutritivo de seus derivados. Não é de se estranhar, portanto, que o Filho de Deus e seus seguidores tivessem saúde e disposição suficientes para as longas jornadas a pé pela Terra Santa. O Nazareno e seus contemporâneos consumiam, basicamente, alimentos em seu estado natural e muitos vegetais – principalmente frutas, grãos, peixes e leguminosas –, além de pão integral e vinho, bebida que desempenhou um papel de destaque na humanidade ao longo dos séculos e que, nos dias de hoje, é saudada por suas propriedades benéficas ao organismo – se consumida com moderação, evidentemente.
“Jesus tinha uma alimentação perfeita”, afirma o médico e especialista em medicina preventiva Don Colber, em seu livro A Dieta de Jesus e Seus Discípulos (Editora Thomas Nelson). Além de traçar um panorama dos hábitos alimentares nos primórdios do Cristianismo, ele também apresenta um programa para perda de peso por meio de uma dieta baseada na Bíblia. Um dos objetivos ao escrever o livro, segundo o autor, é o de motivar seus pacientes, a maioria composta por católicos, a adotar uma alimentação mais saudável. Ele ainda compara o momento das refeições a um ritual sagrado, que deve ser realizado sem pressa. “Às vezes, Jesus passava a tarde toda num almoço”, lembra. Isso sem falar que um dos momentos cruciais de seu ministério, a última Ceia, se deu à volta de uma mesa.
Dois tipos de dietas, baseados nos estudos alimentares do passado, vêm ganhando força e conquistando muitos adeptos evangélicos nos Estados Unidos: são a Dieta de Jesus e a Dieta do Criador, ambas baseadas na maneira como o Senhor se alimentava e na busca da paz espiritual. Segundo o especialista em nutrição e autor do programa Dieta do Criador, Jordan Rubin, uma alimentação assim fornece muito mais vitaminas ao organismo, além de não provocar picos de açúcar no sangue, ao contrário do que acontece com os alimentos processados atualmente. Estudos mostram que esses picos são responsáveis pelo acúmulo de gordura no corpo. Além de controlar o que se deve comer, Rubin também afirma que uma oração antes das refeições apresenta sua parcela de contribuição. “Orar aquieta a mente e faz com que você preste mais atenção no que está comendo”, recomenda.
No Brasil, dietas com ligações espirituais ainda são vistas com certa desconfiança. “Uma alimentação equilibrada requer escolha e dedicação para formação de hábitos saudáveis. Acredito que a oração ajude nessa decisão mas, sem uma mudança de estilo, não fará muita diferença”, alerta Alvina da Silva Sousa. Já o bispo Rodovalho acredita que elas são positivas e trazem importante contribuição, mas diz se basear numa visão mais ampla e profunda a respeito do assunto. “Os evangélicos brasileiros buscam na Bíblia Sagrada, em todas as épocas e gerações, as respostas para a qualidade de vida. E as igrejas, embora não enfatizem muito a questão da dieta, têm uma preocupação e boa percepção de saúde”. Ele mesmo é autor do livro Vencendo a Obesidade (Editora Reino) que, além de trazer diversas dicas de alimentação, receitas e exercícios práticos e procura acabar com aquele mito de que, para se obter vitalidade, são necessárias fórmulas mágicas e tratamentos mirabolantes. Antes de tudo, segundo o autor, é preciso ter bom senso. “A saúde é um direito do homem, enquanto que a doença é uma anormalidade, fora de padrão e dos princípios estabelecidos por Deus”, conclui.
O homem dos sucrilhos
Natural da cidade de Tyrone, Michigan, o médico John Harvey Kellogg, tornou-se conhecido como um dos precursores da alimentação saudável. Nascido em berço adventista, ele se tornou superintentende do Adventist Battle Creek, instituto que tinha como premissa fazer uma reforma da saúde. Lá, exerceu a função de médico diretor e implantou um novo regime alimentar – além de ensinar aos pacientes, por métodos um pouco controversos, como levar uma vida saudável. Com o tempo, ele conseguiu fazer da instituição um dos alicerces para a implantação da teologia adventista, que incluía, entre outras disciplinas, a prática de exercícios ao ar livre e consumo de produtos naturais.
Sua entrada para a indústria de cereais surgiu a partir da sociedade firmada com o irmão, William. Embora não tivessem a intenção de transformar a atividade em um empreendimento de sucesso – o principal objetivo da dupla era prestar auxílio à Igreja –, os Kelloggs fizeram história. Hoje, no mundo todo, produtos com a sua marca, como os famosos flocos de milho, fazem sucesso. John escreveu diversos livros na área de medicina e saúde e foi um exemplo de que suas práticas davam certo, já que morreu aos 91 anos, idade das mais avançadas para sua época. Hoje, a Kellogg Food Company, com sede Washington, detém a patente de dezenas de produtos alimentícios e está presente em diversos países ao redor do mundo.
Fonte: Revista Eclésia