O teólogo suíço Hans Kung criticou, em um artigo publicado na Itália e na Inglaterra, a normativa assinada em 20 de outubro pelo papa Bento 16 para facilitar o acolhimento de fiéis anglicanos na Igreja Católica e disse que a medida é “uma tragédia”.

Em um texto escrito anteriormente, Kung, que lecionou ao mesmo tempo que Joseph Ratzinger, o futuro de Bento 16, em uma universidade alemã, já havia afirmado que o atual pontificado buscava “o retorno à Idade Média”.

“Tradicionalistas de todas as igrejas, uni-vos sob a cúpula de São Pedro! Vejam, o pescador de homens pesca sobretudo na margem direita do lago. Mas ali a água é turva”, ironizou Kung, em artigo publicado pelos jornais “La Repubblica” e “The Guardian”.

De acordo com a Santa Sé, a normativa aprovada por Bento 16 tem como objetivo permitir que os fiéis anglicanos entrem em “plena” comunhão com a igreja. Entre os pontos do documento, destaca-se a possibilidade de clérigos anglicanos casados serem ordenados sacerdotes católicos.

Para Kung, no entanto, trata-se de “uma drástica mudança de rumo com respeito à estratégia ecumênica do diálogo direto” com outros credos.

Segundo Kung, “a fome de poder de Roma, divide a cristandade e prejudica a igreja” e o atual arcebispo da Cantuária, o chefe da Igreja Anglicana, Rowan Williams, “não tem estado à altura da astúcia do Vaticano”.

Para o teólogo dissidente, as consequências da “estratégia” de Roma são três: “O enfraquecimento da Igreja Anglicana, a desorientação dos fiéis dessa confissão e a indignação do clero católico e dos fiéis católicos”, que veem -segundo ele– como se aceita padres casados ao mesmo tempo que se insiste de maneira “teimosa” no celibato dos padres católicos.

O teólogo classificou a decisão do papa como “uma pirataria de sacerdotes, que poupa até mesmo a obrigação do celibato só para tornar possível um retorno a Roma sob o primado do papa”.

As palavras de Kung provocaram uma resposta de Giovanni Maria Vian, diretor do jornal “L’Osservatore Romano”, editado pela Santa Sé, para quem a análise do suíço está distante da realidade e foi feita “com aspereza e sem fundamento”.

“Um gesto que se dirige a reconstituir a unidade [da igreja] desejada por Cristo e reconhece o longo e cansativo caminho ecumênico realizado neste sentido é distorcido e representado enfaticamente como se fosse uma astuta operação de poder”, afirmou Vian.

Companheiro de do futuro papa Bento 16 como teólogo durante o concílio Vaticano 2°, Kung foi proibido pela igreja de lecionar como teólogo católico na Universidade de Tübingen, na Alemanha, em 1979, por questionar o dogma da infalibilidade papal. A universidade reagiu e criou uma cátedra ecumênica para ele.

A relação entre Kung e o Vaticano permaneceu tensa até 2005, quando ele se encontrou com Bento 16, em uma reunião cordial, mas que não evitou que o teólogo continuasse sendo uma das vozes mais críticas ao Vaticano.

O encontro foi citado pelo diretor do jornal vaticano em sua resposta ao artigo de Kung.

“Mais uma vez, uma decisão de Bento 16 é pintada com traços fortes, preconceituosos e, especialmente, distantes da realidade, escreveu Vian. “E faz isso de novo, infelizmente, Kung, o antigo colega e amigo com quem o papa, em 2005, apenas cinco meses após sua eleição, reuniu-se com amizade, para discutir os fundamentos éticos comuns das religiões e a relação entre a razão e a fé.”

Fonte: Folha Online

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