Os futuristas italianos sempre foram associados com a velocidade, as máquinas e a guerra, mas raramente com a arte sacra, um aspecto quase desconhecido mas que constitui o tema central de uma nova exposição na coleção Estorick, de Londres, especializada nas vanguardas do século XIX na Itália.
“Piedade e Pragmatismo: Espiritualidade na Arte Futurista” vai até o dia 23 de dezembro, documentando a surpreendente evolução do futurismo italiano rumo à espiritualidade. Várias obras de arte sacra refletem o manifesto de Marinetti sobre o tema.
O “Manifesto da Arte Sacra Futurista” data de 1931. É um texto surpreendente, devido à hostilidade inicial do movimento futurista pela Igreja Católica como instituição. Além disso, os artistas rejeitavam o conceito cristão de moralidade.
Os ataques dos representantes do movimento à Igreja Católica eram motivados por uma ideologia nacionalista arraigada nas tradições anticlericais do Risorgimento italiano, a luta pela reunificação do país sob o comando de Mazzini e Garibaldi.
Na unificação italiana, em 1870, a Igreja Católica perdeu seu domínio temporal sobre os Estados Pontifícios do centro da Itália. A inimizade do Vaticano com o novo reino liberal levou a acusações de que a Santa Sé era um inimigo dentro de casa, e a um conflito com a agenda nacionalista dos futuristas.
Com o auge do fascismo, na marcha sobre Roma de Benito Mussolini, os futuristas, muitos deles fascistas, sonharam por um momento com a possibilidade de finalmente libertar a Itália do Vaticano. Mas o Duce acabou se convencendo de que uma melhora nas relações com a Igreja aumentaria seu apoio popular, e assinou em 1929 um pacto que garantia ao Papa uma forte presença no Estado.
A nova relação política derivada daqueles pactos constitui o cenário de fundo que explica o manifesto da arte sacra pelo mesmo Marinetti que tinha declarado que a única religião do verdadeiro futurista devia ser “a Itália de amanhã”.
Mesmo defendendo valores muito diferentes dos cristãos, o movimento futurista se dedicava à espiritualidade desde seus primeiros anos.
A nova religião da velocidade de Marinetti subverteu cinicamente a categoria cristã do sacro com sua afirmação de que, se “a arte significava comunicar-se com a divindade”, correr à velocidade máxima equivalia também a uma oração.
Durante os anos 20, os futuristas de Turim, como Fillia, exploraram o modo como a máquina influenciava a psique humana. Eles explicaram que “interpretar a espiritualização mecânica era o começo de uma arte sacra moderna”.
Na década seguinte, o desenvolvimento da “aeropintura”, à qual Marinetti dedicou outro manifesto, em 1929, contribuiu também para a síntese entre futurismo e nova espiritualidade.
A exposição reúne obras de Alessandro Bruschetti, Gerardo Dottori, Mino Delle Site, Fillia, Giuseppe Preziosi, Bruno Tano, Ernesto Thayath e Wladimiro Tulli. Hoje, valem mais como documento de uma época e um movimento já totalmente superados.
Fonte: Último Segundo