Investigação concluída em 1997 apontou que recursos da igreja financiaram a compra de empresas por líderes da Igreja Universal. Advogado dos acusados diz que documento da Receita atesta a idoneidade fiscal da igreja e dos líderes acusados pelo Ministério Público de São Paulo.
Réus num processo que investiga lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, os líderes da Igreja Universal do Reino de Deus têm dito, por meio de advogados, que suas contas já foram fiscalizadas e aprovadas pela Receita Federal.
No entanto, a investigação mais ampla já feita pelo fisco nas finanças da igreja e de seus líderes indica o contrário.
Concluída em 1997 por um grupo de elite de fiscais, a investigação estabeleceu que o dinheiro da igreja foi desviado para o patrimônio particular de seus líderes e para empresas que, por terem o lucro como finalidade, não deveriam se beneficiar da imunidade tributária conferida pela Constituição a entidades religiosas.
Segundo a Receita, a Universal “demonstrou ser mera geradora de recursos para a montagem de um grupo econômico que nada fica a dever aos demais existentes na economia brasileira, até com alguma complexidade atingindo inclusive a área financeira”.
O relatório da Receita foi assinado pelos auditores José César Agostinho Costa, Jorge Kano, Pericles de Moraes Filho e Roberto Medeiros Correia.
O documento foi anexado ontem ao processo criminal aberto na segunda-feira pelo juiz Glaucio Roberto Brittes, da 9ª Vara Criminal de São Paulo.
A ação decorre de denúncia movida contra o bispo Edir Macedo, líder da Universal, e mais nove pessoas ligadas à igreja.
Multa
A fiscalização da Receita resultou em uma multa de R$ 98 milhões à época -cerca de R$ 300 milhões, corrigidos pela Selic. Além disso, embasou um processo do Ministério Público Federal para cancelar a concessão da Rede Record, comprada em 1990 pelo bispo Edir Macedo por meio de empréstimos.
Apenas pessoas físicas podem deter concessões de televisão. A Receita concluiu que a maior parte dos US$ 45 milhões da compra da Record saiu da Universal. A igreja seria a dona “de fato” da rede.
Os líderes da igreja tiveram vitória em primeira instância neste processo, evitando o cancelamento do registro da Record. Os procuradores da República recorreram da decisão em 1999. Este recurso está paralisado na Justiça há dez anos.
Quando depôs no caso, em 1998, o bispo Macedo disse: “Fui o único que comprou e pagou com os próprios bens pessoais. Os outros ganharam de graça”. Foi uma referência ao fato de as concessões de concorrentes da Record terem sido dadas pelo governo.
Procurado pela Folha, o advogado da Universal, Arthur Lavigne, não retornou o telefonema. Na segunda-feira, ele apresentou um documento em que a Receita atestaria a idoneidade fiscal da Iurd e de todos os líderes denunciados.
Trata-se de um “Termo de Encerramento de Fiscalização” em que está descrita a movimentação da Cremo, uma das empresas ligadas à igreja e que, segundo promotores, seria usada para lavar dinheiro.
A Receita declarou que “não comenta situação fiscal de contribuintes”.
Igreja pagava a empresas de bispos, diz relatório
Os principais beneficiários dos pagamentos realizados pela Iurd (Igreja Universal do Reino de Deus), entre 2001 e 2003, foram empresas prestadoras de serviços controladas por membros da própria igreja, segundo relatório baseado em diretrizes do Banco Central sobre movimentações atípicas.
No período de março de 2001 a novembro de 2003, foram movimentados R$ 3,76 bilhões nas contas vinculadas à Iurd.
Até o fechamento desta edição, o advogado da Universal, Arthur Lavigne, não respondeu aos contatos da reportagem.
A Justiça recebeu na segunda-feira denúncia do Ministério Público de São Paulo e abriu ação criminal contra Edir Macedo, fundador da Iurd, e mais nove integrantes da igreja, sob acusação de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.
A investigação quebrou os sigilos bancário e fiscal da Universal e levantou o patrimônio acumulado por seus membros, segundo o Ministério Público, com dinheiro dos fiéis, entre 1999 e 2009.
Movimentações
As instituições financeiras enviaram informações listando como responsáveis pelas movimentações da Universal Denise Neves Justo (apontada no relatório como tesoureira da Iurd), Vandeval Lima dos Santos (citado como bispo do Conselho Episcopal) e Demerval Alves Silva (procurador ou representante legal da igreja).
Segundo o relatório, o dinheiro seria proveniente de depósitos em espécie e de transferências eletrônicas feitas por igrejas de todo o país. Os pagamentos seriam referentes a despesas do dia a dia da Iurd.
O relatório traz a lista das 51 maiores beneficiárias dos pagamentos. Segundo um levantamento feito pelo Ministério Público, a partir de informações no sistema da Secretaria da Receita Federal, as empresas têm como sócios membros da própria Universal.
É o caso da Rádio e Televisão Record, que tem como sócios listados pelo Ministério Público, entre outros, o bispo Honorilton Gonçalves da Costa, também denunciado. Ele aparece ainda no quadro societário da Televisão Record do Rio de Janeiro, que também recebeu recursos, segundo o documento.
A Editora Gráfica Universal, outra prestadora de serviços, tem como sócia, segundo o levantamento, a própria Iurd.
Somando-se as transferências atípicas e os depósitos bancários em espécie feitos por pessoas ligadas à Universal, o volume financeiro da igreja entre 2001 e 2008 foi de cerca de R$ 8 bilhões, segundo o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
Advogado diz que acusações já foram arquivadas pelo STF
Em carta no blog do bispo Edir Macedo, seu cliente, o advogado Arthur Lavigne disse que as acusações de lavagem de dinheiro contra os líderes da Universal já foram arquivadas pelo STF em 2006, a pedido da Procuradoria Geral da República.
Relata a carta: “Essas acusações nada mais são do que uma repetição do conteúdo de outro procedimento instaurado em 1999, para apurar crime de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal que tinha como investigados, à época, praticamente as mesmas pessoas que agora o Ministério Público quer colocar novamente como réus”.
Segundo Lavigne, a acusação “do momento” nada mais é do que a repetição de mesmos fatos que o STF arquivou. “Ela mais uma vez revolve fato ocorrido em 1992, quando alguns religiosos ligados à igreja obtiveram empréstimo no exterior para o pagamento da compra da TV Record do Rio. Ao longo desses anos, este empréstimo no exterior foi pago mediante prestações que acabaram sendo novamente consideradas como desvio para lavagem de dinheiro.”
Fonte: Folha de São Paulo