Instituições para alunos muçulmanos encontram barreiras dentro da Grã-Bretanha.
Quando os três inspetores do governo vieram à Escola Park View para procurar evidências de um suposto domínio islâmico, um deles brincou sobre os muitos “barbados” entre os professores daqui. Eles olharam para os alto-falantes, as salas de ablução e os tapetes de oração no ginásio, atrás da rede de vôlei. E, segundo relatos de funcionários e alunos da escola, os inspetores perguntaram a meninas adolescentes em hijabs brancos:
– Alguém está obrigando vocês a se cobrirem? –
– Vocês não estão com calor com essas saias longas? –
– O que ensinam a vocês sobre ciclos menstruais? –
Park View, escola pública numa parte fortemente muçulmana de Birmingham que já foi considerada uma das piores da Grã-Bretanha, hoje coloca oito de cada 10 de seus alunos no ensino superior. Ela muitas vezes sofre com excesso de matrículas e, em março passado, inspetores disseram que a escola havia mais uma vez obtido as maiores notas.
Mas 10 dias depois, quando manchetes sobre uma conspiração de aquisições de escolas em Birmingham se espalharam, os inspetores voltaram. Desta vez, chegaram a uma conclusão bem diferente: a escola era “inadequada”, escreveram eles num relatório publicado em junho. As crianças de lá não estavam preparadas para a vida multicultural da Grã-Bretanha e não estavam protegidas contra o “extremismo”, afirmava o relatório.
Uma carta anônima contendo tais acusações é hoje considerada uma farsa, e a maioria das alegações sobre uma trama de aquisições que se seguiram na mídia — orações forçadas, classes com segregação de sexo e clérigos militantes pregando em assembleias escolares — não resistiu a uma análise mais detalhada.
Mas a reação a isso se tornou o mais recente estopim da discussão sobre como reconciliar o Islã e o anglicismo. O debate ficou ainda mais intenso no ano passado, após o brutal assassinato de um soldado por dois muçulmanos ingleses nas ruas de Londres, e a crescente preocupação com um fluxo constante de britânicos buscando o combate como jihadistas na Síria.
Os crimes de ódio contra muçulmanos vêm aumentando. Em junho, uma pesquisadora e estudante de línguas saudita foi morta a facadas num parque em Colchester, norte de Londres, com a polícia dizendo que ela pode ter sido atacada por estar vestindo roupas tradicionais islâmicas.
Em maio houve um breve tumulto sobre se os supermercados e restaurantes na Grã-Bretanha precisavam divulgar quando usavam carne halal, de animais abatidos segundo a lei muçulmana. E a inspeção de 21 escolas em Birmingham, após a publicação generalizada da carta anônima, documentou preocupações suficientes para manter o assunto na mídia e o governo em guarda: alguns professores pareciam ativamente desencorajar meninas a conversar com meninos, e uma escola oferecia excursões a Meca subsidiadas com dinheiro dos contribuintes. Um professor, aparentemente com medo de ser visto falando com os inspetores, pediu para encontrá-los no estacionamento de um supermercado.
Na Park View, segundo os inspetores, alguns membros do corpo docente também estavam com medo de falar. Eles criticaram o fato de que meninos e meninas eram ensinados separadamente em aulas de educação religiosa, e disseram que a oferta de educação sexual era insuficiente.
Havia, os inspetores concluíram, – uma cultura de medo e intimidação – nas escolas.
Mas em Birmingham, onde mais de um em cada cinco habitantes são muçulmanos, muitos moradores afirmaram que eles são os intimidados. Citaram a resposta do secretário da educação, Michael Gove, que declarou que queria – drenar o pântano – do extremismo e nomeou um ex-diretor de contra-terrorismo para a investigação. Apontaram que o primeiro-ministro David Cameron instruiu todas as escolas a começarem a ensinar – valores britânicos- no ano passado.
A mensagem para a comunidade é clara, argumentou Hardeep Saini, diretor executivo da Park View: – Muçulmanos conservadores são extremistas, e suas escolas têm valores não britânicos-.
Quando se trata dos muçulmanos, disse Chris Allen, da Universidade de Birmingham, a suspeita aberta agora passa pelo teste da respeitabilidade.
– Hoje, atenuar a linha entre muçulmanos devotos e extremistas parece ser algo aceitável. Muitos acreditam que eles estariam a apenas um salto da militância – , explicou Allen, autor de “Islamophobia”, livro sobre o sentimento anti-muçulmano na Grã-Bretanha.
Separar a religiosidade do extremismo mostrou-se um fato especialmente complexo num país que, diferente dos Estados Unidos, nunca traçou uma linha clara entre estado e religião: a rainha é, ao mesmo tempo, chefe de estado e chefe da Igreja Anglicana. As escolas públicas, mesmo sem denominação, tradicionalmente oferecem a oportunidade do culto cristão coletivo.
Em vez disso, a Park View, onde 98% dos alunos são de origem muçulmana, obteve uma dispensa especial para realizar assembleias islâmicas. A escola permite orações na hora do almoço e encurta o dia letivo durante o Ramadã. Lenços de cabeça são uma parte opcional do uniforme escolar, mas ao menos quatro em cada cinco meninas os vestem. Nas sextas-feiras, os alto-falantes transmitem o chamado à oração, que é conduzido por um estudante.
– É verdade, tentamos acomodar a religião dos alunos -, afirmou Monzoor Hussain, o diretor geral da escola, especialista em matemática e ciência. Mais de metade dos professores e o presidente do conselho escolar são muçulmanos.
-Existe uma conspiração?- questionou Hussain. – Sim, a conspiração sempre foi reverter o mau desempenho das crianças muçulmanas neste país e permitir que elas sejam as duas coisas: muçulmanas e britânicas -.
Existem evidências consideráveis de sucesso nos dois casos. Numa tarde recente, duas meninas simulavam uma luta de espadas com réguas de plástico, recitando Shakespeare numa aula de inglês no primeiro andar. Na porta ao lado, trabalhos sobre cerimônias judaicas, cristãs e muçulmanas decoravam a parede dos fundos.
Numa aula de física avançada do último ano, 22 dos 29 alunos eram meninas. Zainab Din, de 15 anos, ficou recentemente em quarto lugar numa competição de ciências da Universidade de Birmingham. Ela pretende estudar física ou inglês. Em sua lapela, um broche dizia “empreendedora” — porque ela estava vendendo adereços para comemorar a Primeira Guerra Mundial numa loja temporária da escola.
– O que quero que as pessoas entendam é que conseguimos avanços não apesar de fazer concessões para a fé muçulmana, mas por causa disso. Os pais confiam em nós e as crianças podem ser elas mesmas -, declarou Hussain.
Segundo ele, existe um constante cabo de guerra sobre quanto de religião seria excessivo. Quando alguns estudantes pediram para usar os alto-falantes no pátio da escola para um chamado à oração, solicitando também salas de ablução para lavar os pés antes da oração, foram atendidos. Mas quando pais exigiram que a escola proibisse qualquer tipo de música, isso não aconteceu.
Numa ocasião, uma menina procurou Hussain porque sua família queria casá-la contra sua vontade. Ela trazia o antebraço coberto por cortes, mostra de seu desespero. Depois que ele conversou com os pais da menina, estes permitiram que ela terminasse a escola. Hoje ela estuda Direito, disse ele.
Por diversas vezes, Hussain explicou a pais que usar o lenço era escolha das meninas. Uma aluna, pressionada por seu pai a usá-lo fora da escola, retira o lenço durante o período de aula.
O que mais preocupa Hussain é que a atual atenção da mídia possa afetar a confiança dos pais e dos alunos.
Na mesquita mais adiante na rua, Tehmoor Qaisar disse compartilhar algumas das preocupações do governo.
– Quem sabe o que está realmente acontecendo dentro da escola?- questionou Qaisar, que ensina o Corão a algumas crianças da Park View após a aula. – Eu concordo com o governo quando ele investiga alegações graves de radicalização-.
Porém acrescentou, -o que não concordo é com o tom-. Deixe os jovens muçulmanos alienados, e eles começarão a escutar as pessoas erradas, afirmou ele.
– Nem toda pessoa de barba é um terrorista-, argumentou Qaisar, alisando sua própria barba bem aparada.
[b]Fonte: Click RBS[/b]