Um tribunal civil italiano reconheceu a sentença de anulação de um casamento emitida por um tribunal eclesiástico da Igreja Católica e estabeleceu que o marido não precisa mais pagar pensão alimentícia à ex-mulher.
Após nove anos de casamento, um casal de Bari, cidade do sul da Itália, pediu o divórcio e ao mesmo tempo deu entrada na Igreja em um processo eclesiástico para anular o casamento.
Eles haviam se casado segundo as regras do rito conhecido na Itália como “concordatário”, que é o mais comum no país.
Segundo este rito, o casamento é celebrado na Igreja Católica e regulamentado pelo código de direito canônico com validade civil e religiosa, devido a um acordo entre a Santa Sé e o Estado italiano, assinado em 1929 e ratificado em 1985.
Como justificativa para obter a anulação matrimonial pela Igreja, o homem disse que foi obrigado a se casar porque a mulher estava grávida. Ele alegou que não tinha certeza de que poderia respeitar os deveres exigidos pelo matrimônio.
No tribunal civil, entretanto, tramitava o pedido de divórcio. O juiz civil chegou a estabelecer que o marido deveria pagar pensão alimentícia para a filha, que é menor de idade, e para a ex-mulher, dona de casa sem renda própria. Faltava apenas determinar a quantia.
Antes que o juiz determinasse a cifra a ser paga mensalmente, o tribunal da Igreja Católica deu parecer favorável à anulação.
Baseado no acordo entre Santa Sé e a Itália, a sentença acabou sendo aceita também pelo tribunal civil italiano.
Diante disso, o marido se recusou a pagar os alimentos à ex-mulher, alegando que o casamento não existiu. A decisão dele foi reconhecida pelo tribunal civil.
O caso foi divulgado por um professor de direito da Universidade de Milão, Carlo Rimini.
‘Regras absurdas’
Em um artigo do jornal La Stampa, ele alertou para a contradição de um tribunal civil aceitar uma sentença baseada em regras religiosas.
“A mulher foi declarada divorciada pela lei italiana. Mas a mesma lei decidiu que o casamento não existiu e, portanto, ela não tem direito à pensão alimentícia”, disse Rimini à BBC Brasil.
De acordo com o professor de direito, nos processos eclesiásticos, as regras que definem se um casamento é nulo ou não são religiosas, e não civis.
“Os juizes de Bari aceitaram uma sentença eclesiástica, pois segundo a lei civil não havia motivo para anular o casamento. Sob a ótica de um jurista leigo, são regras absurdas.”
Segundo ele, este não é o primeiro caso do gênero na Itália.
“Há diversos maridos que tentam obter a anulação para evitar o pagamento de alimentos. Como o processo eclesiástico em geral é demorado, o divórcio sai antes e a pensão alimentícia é garantida. Mas se os tribunais católicos forem mais rápidos, como aconteceu em Bari, as mulheres italianas podem ter sérios problemas.”
Alguns dos motivos que podem levar a Igreja a conceder a nulidade matrimonial são a imaturidade do marido ou da mulher, a decisão de não ter filhos da parte de um dos dois, infidelidade, abuso de álcool, tendência a dizer mentiras, não-consumação do casamento, homossexualismo ou coação.
“As razões pelas quais é possível pedir a anulação são tão genéricas que praticamente pode se anular um casamento quase por qualquer motivo”, disse à BBC Brasil Gian Ettore Gassani, presidente da associação dos advogados de divórcio da Itália.
Críticas do Papa
O advogado não vê relação entre o aumento dos pedidos de anulação de casamentos na Igreja com um interesse em evitar o pagamento de pensão alimentícia às ex-mulheres.
“A Itália é um país extremamente católico e muita gente quer anular o casamento, sobretudo para poder se casar novamente na Igreja ou para não ter a mancha de ser divorciado e não receber os sacramentos como a comunhão. É principalmente uma questão religiosa.”
A Igreja Católica deixa claro que não pode dissolver um sacramento, mas apenas constatar, através de um processo, que o que parecia ser um sacramento, de fato não era.
Nem sempre esse processo acaba anulando o casamento, mas nos últimos anos o número de casamentos anulados no mundo aumentou, tanto que em janeiro o papa Bento 16, falando aos juizes dos tribunais eclesiásticos, criticou a facilidade com que estão concedendo anulações.
“Nos últimos três anos houve um aumento de 20 a 25% nos pedidos de nulidade na Itália. Um em cada cinco casamentos falidos no país é dissolvido por um tribunal eclesiástico”, afirmou Gian Ettore Gassani.
De acordo com as estatísticas vaticanas, em 2005 houve cerca de 50 mil pedidos de nulidade de matrimônio a tribunais eclesiásticos em todo o mundo.
Fonte: BBC Brasil