A Igreja Batista Central Valley da cidade de Meridian, no estado americano de Idaho, afirmou por meio de nota publicada em seu site que os 10 membros da congregação que tentaram retirar ilegalmente 33 crianças do Haiti foram “falsamente detidos” e está “fazendo o possível para esclarecer o mal entendido em Porto Príncipe”.

A igreja disse ainda que as crianças estavam sendo levadas para um orfanato na República Dominicana, onde teriam suas “necessidades médicas e emocionais atendidas”. Os americanos foram presos e acusados de tráfico de menores.

Os dez americanos presos (cinco homens e cinco mulheres) são membros da ONG New Life Children’s Refuge, ligada à Igreja Batista Central Valley, e estão detidos na Direção Central da Polícia Judiciária, onde aguardam para prestar depoimento. O grupo tentava levar as crianças para a República Dominicana depois do terremoto de magnitude 7 que devastou parte do país.

Procurada pelo UOL, a Igreja Central Valley pediu apenas desculpas e desligou o telefone. A reportagem também enviou um e-mail solicitando uma entrevista, mas não obteve resposta.

Após o contato, todos os nomes dos integrantes da cúpula e o telefone da congregação foram retirados do site oficial da igreja na tarde desta segunda-feira (1).

Acusados podem ser julgados nos EUA

Um juiz de Porto Príncipe ouvirá nesta segunda-feira (1º) os dez americanos acusados de tráfico de menores e decidirá se devem ser julgados no Haiti ou em seu país, informou a ministra de Comunicação e Cultura haitiana, Marie Laurence Lassec.

Lassec explicou ontem que a guarda da fronteira foi quem barrou no sábado (30) o ônibus no qual estava o grupo de crianças haitianas porque estavam acompanhadas de adultos aparentemente estrangeiros.

“(As crianças) não tinham nenhuma documentação com eles. Portanto, a polícia contatou a direção em Porto Príncipe e a volta do ônibus foi ordenada”, disse a ministra.

Em declarações à imprensa, a titular de Comunicação ressaltou que o Haiti tem seu sistema judiciário e seus procedimentos e pediu respeito às normas do país.

Lassec acrescentou que a Direção de Assuntos Sociais informará também hoje sobre as investigações realizadas para determinar quais crianças têm pais ou familiares.

Aparentemente, vários dos menores confirmaram que têm pais e deram inclusive seus endereços e telefones, o que desmentiria a versão dos americanos de que as crianças eram órfãs.

Lassec também explicou que as autoridades haitianas são conscientes de que após o terremoto houve muitas tentativas de roubos de crianças e, por causa disso, a vigilância nas fronteiras e no aeroporto da capital foi reforçada.

Unicef defende registro apropriado de órfãos

De acordo com a Unicef, a prioridade no Haiti é encontrar as crianças órfãs e lhes oferecer alimentos, abrigo seguro, atenção e, posteriormente, registrá-las de forma apropriada.

O passo seguinte é reunir as crianças às suas famílias, sempre que possível, e encontrar alternativas de atenção para aquelas que não tiverem a possibilidade de rever seus parentes.

Em nota, a Unicef ressaltou que “a adoção é uma das opções alternativas de atenção, mas não a primeira a ser considerada” pois acredita que as crianças haitianas já sofreram muitos traumas e mandá-las para outro país, com costumes e idioma diferentes, seria uma experiência ainda mais traumática para elas.

Religiosos sabiam que estavam agindo mal, diz premiê do Haiti

O premiê do Haiti, Max Bellerive, disse ontem que os dez americanos presos no fim de semana por tentarem atravessar a fronteira do Haiti com a República Dominicana levando 33 crianças haitianas sabiam “que o que faziam era errado”. “Está claro agora que eles estavam tentando cruzar a fronteira sem papeis. Está claro agora que algumas das crianças têm pais vivos.”

Bellerive afirmou que, se os americanos –que se dizem ligados à Igreja Batista e vivem, na maioria, no Estado americano de Idaho– agiam de boa fé, como dizem, “talvez os tribunais tentem ser mais lenientes com eles”.

Os americanos –cinco homens e cinco mulheres– foram presos quando viajavam em um ônibus, à noite, com as crianças haitianas, que têm entre dois meses a 12 anos de idade, rumo à República Dominicana.

Ontem (31), uma porta-voz do grupo, Laura Silsby, afirmou à agência de notícias Associated Press que o grupo faz parte de uma organização religiosa de caridade, a ‘New Life Children’s Refuge’ (Refúgio Infantil Vida Nova, em tradução livre), com sede no Estado de Idaho (EUA), e pretendia levar até cem órfãos para um hotel de Cabarete, na costa dominicana. O hotel, que tem 45 quartos, seria, posteriormente, transformado num orfanato, afirmou.

“Não estávamos de forma alguma ligados a disso [tráfico de crianças]. Isso era justamente o que estávamos tentando combater”, disse a porta-voz. “Em meio ao caos em que o governo está agora, nós estávamos apenas tentando fazer a coisa certa.”

Desde que foram presos, na noite de sexta-feira (29), já perto da fronteira, os americanos são mantidos em duas salas pequenas, de concreto, no mesmo prédio onde funcionam os ministérios que desabaram no tremor. Hoje, o advogado Jorge Puello, que representa os americanos, afirmou que eles estão sendo maltratados e que um, que sofre de diabetes, chegou a desmaiar e foi hospitalizado.

De acordo com o Instituto Haitiano do Bem-Estar Social, algumas das crianças envolvidas no caso disseram aos americanos que seus pais estavam vivos e chegaram a dar um endereço e número de telefone. Todas –com idades entre dois meses e 12 anos– foram levadas a um abrigo, por precaução. Alguns pais já apareceram para buscá-las.

O governo haitiano insiste que alguma punição é necessária para tentar barrar o tráfico de crianças no país –crime que, para muitos, se espalhou após o terremoto do último dia 12, que devastou a capital, Porto Príncipe, e deixou ao menos 170 mil mortos, de acordo com último balanço do governo haitiano.

Pais

Os investigadores tentam descobrir como os americanos conseguiram as crianças. No dia em que foram presos, eles disseram que todas foram entregues, sem pagamento, por um pastor.

Hoje, uma mulher se apresentou a jornalistas como mãe de uma das crianças. Identificada como Magonie, ela afirmou que os americanos disseram que eram de um grupo cristão e que poderiam ajudar o filho dela. Ela disse que confiou no grupo e que acreditou que o filho voltaria em breve, mas que ele desapareceu. “O pastor disse que lhes daria [aos filhos dela] uma vida melhor, mas agora estou arrependida”, disse.

Depois das declarações, uma funcionária do governo haitiano levou a mulher à Brigada de Proteção de Menores (BPM) para apresentar uma denúncia formal. Segundo a ministra da Comunicação, Maire Laurence Lassec, disse hoje que ‘parece que várias crianças têm pais’, mas não soube dar detalhes.

Justiça

Mais cedo, a ministra de Cultura e Comunicações do Haiti, Marie Laurence Jocelyn Lassegue, disse que os americanos poderiam ser julgados nos EUA, ainda que com base na lei haitiana, dada a destruição sofrida pelo Judiciário haitiano no terremoto. O promotor Mazar Fortil, que é o principal da corte de Porto Príncipe, disse que ainda é cedo para saber onde correrá o processo, e que a decisão caberá ao juiz do caso.

Em entrevista, o premiê afirmou que o governo haitiano está disposto a permitir o julgamento nos EUA, por causa da destruição.

A embaixada americana em Porto Príncipe não confirmou se Washington aceitaria receber o processo. “Quando soubermos todos os fatos, determinaremos qual é o caminho apropriado, mas a decisão está realmente nas mãos do governo haitiano”, disse P.J. Crowley, porta-voz do Departamento de Estado americano.

Diplomatas americanos têm tido acesso irrestrito aos detidos.

Fonte: UOL e Folha Online

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