Mesmo com os protestos da Igreja e a falta de consenso entre os pais, a menina de nove anos que estava grávida de gêmeos´ em Alagoinha (230 km de Recife) interrompeu nesta quarta-feira a gestação na capital pernambucana. Há uma semana, seu padrasto foi preso suspeito de a ter violentado e engravidado.
Ela estava internada na unidade de alto risco do Imip (Instituto Materno Infantil de Pernambuco) desde sexta, no quarto mês de gestação.
No sábado (28), a mãe dela assinou a autorização para o início do procedimento de aborto. Até a noite de ontem, o procedimento não havia sido realizado e a mãe pediu a alta do hospital, que, de acordo com a assessoria de imprensa, “foi concedida à revelia”. “Mas a menina não corria risco iminente de perder a vida”, segundo o hospital.
Ainda de acordo com o Imip, o setor jurídico aconselhou o adiamento do aborto pois os pais da menina não chegaram a um consenso sobre o procedimento –a mãe era favorável e o pai mostrou-se contrário.
“A mãe estava desesperada porque esperava que tudo fosse feito o mais rápido possível. A cada dia que passava, aumentavam os riscos do procedimento”, disse Paula Viana, da ONG Curumim. Ela disse que conversou com a mãe e a criança, que tem 1,37 metro de altura e pesa 33 quilos, e elas estavam bastante decididas.
“O pai dela, no entanto, sempre foi ausente e era favorável em um primeiro momento. Depois, foi influenciado por pessoas da família e da Igreja que frequenta para ser contrário ao aborto”, disse Viana.
A menina foi levada pela mãe para a maternidade do Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), ligado à Universidade Estadual de Pernambuco. A medicação para iniciar as contrações uterinas foi iniciada no mesmo momento e, segundo o diretor médico do hospital, Sérgio Cabral, ontem pela manhã o aborto por indução foi feito. No final da tarde, ela foi submetida a uma curetagem no útero.
Ela passa bem. Segundo o médico, ela estava tranquila e isolada, para não ser submetida ao assédio da imprensa.
Segundo Cabral, a interrupção da gravidez foi realizada, pois teve respaldo da Justiça, já que a menina foi vítima de violência sexual e tratava-se de uma gravidez de alto risco.
Igreja
Ontem, a Arquidiocese de Olinda e Recife chegou a ameaçar fazer uma denúncia ao Ministério Público de Pernambuco para tentar evitar o “assassinato de duas crianças”. De acordo com o advogado da instituição, Márcio Miranda, eles ainda avaliam se vão acionar a Justiça contra a mãe da criança ou o hospital.
“Em nosso entendimento, houve homicídios. Se a lei permite, para nós prevalece uma lei maior, a de Deus, que diz: ‘não matarás'”, disse.
Ontem, o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, reuniu-se com o diretor do Imip, com o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco e com o pai da menina –que não foi localizado pela reportagem hoje– na tentativa de barrar o aborto.
“Nossas tentativas foram em vão e dois anjos foram para o céu”, disse Miranda.
O Ministério Público de Pernambuco disse hoje que está acompanhando o caso e entende que não deve intervir nele, pois, segundo a legislação brasileira, o aborto é permitido em vítimas de estupro até a 20ª semana de gestação e pode ser realizado de acordo com avaliação médica, independentemente de autorização judicial.
Investigação
O padrasto da criança está preso desde o dia 27, no presídio de Pesqueira. Em depoimento à polícia, ele disse que abusava sexualmente da garota e da irmã dela, de 14 anos e que possui problemas mentais, há cerca de três anos.
Fonte: Folha Online