[img align=left]http://www.folhagospel.com/imagem/simbolo_IURD.jpg[/img]Novos vídeos que documentam encontros da cúpula da Igreja Universal revelam que foi estabelecido um prêmio -uma viagem internacional- aos sete pastores que mais arrecadassem dízimos dos seus fiéis. Igreja diz que viagem é missão, não prêmio.

As imagens demonstram a pressão exercida sobre os pastores para que aumentem a coleta de recursos. Revelam ainda que as punições por “falhas” como adultério ou furto são públicas e definidas em ritos sumários.

São videoconferências comandadas em 2008 pelo bispo Romualdo Panceiro, atual “número dois” na hierarquia e apontado pelo líder Edir Macedo como seu sucessor.

Os cinco vídeos, com duração total de seis horas, foram obtidos de um ex-pastor pelo ex-voluntário da Universal e ourives Eduardo Cândido da Silva, que move ação contra a igreja por danos morais.

Como fez com as primeiras duas gravações, reveladas em abril pela Folha, Silva deverá entregar os novos vídeos ao Ministério Público.

Da sede da igreja em São Paulo, Panceiro se conectava com os principais pastores e bispos da Universal no Brasil e no exterior.

Uma das gravações ocorreu em meio à campanha pela qual a igreja mais arrecada, a “Fogueira Santa”. Panceiro orientou os pastores a “não limitar” o valor do dízimo, mas “estipular”.

“O pastor pega uma quantidade de envelope, 20. E pega aí, uma pessoa com dez [mil reais], ou duas. Porque vem, rapaz. Isso é muito forte. O pastor pede aí duas pessoas, ou três, com 5.000. E depois o pastor vai, como se diz, vai abaixando. Entendeu? E depois que chegar a 20 ou 10 reais, diga assim: “O que que você tem para colocar?'”, ensinou Panceiro.

Os sete pastores que tivessem “maior crescimento”, anunciou, ganhariam viagem de três ou quatro dias a Israel, onde queimariam os papéis com pedidos que fiéis entregaram na campanha.

Panceiro contou que o desempenho dos pastores seria checado por um programa de computador. Segundo ele, alguns pastores “malandros” reduziam sua arrecadação apenas para parecer que depois haviam “arrebentado” na campanha.
“Eu tenho um programa aqui que é batata, que bate com a boleta legal.””

“Cabeça vai rolar”

Panceiro controla a máquina com mão de ferro. “Aos [pastores] estaduais, vou dizer uma coisa para vocês, se vocês não imprimirem, se vocês não colocarem esse ritmo de trabalho aqui, eu vou visitar, sem falar com vocês, e, se eu encontrar o povo frio, a igreja vazia, a cabeça de vocês vai rolar.”

O bispo reclama muito de um pastor de Santa Catarina, a quem já tinha afastado após uma visita surpresa.

“Eu não quero que você tome conta de mais nada. […] Acorda! Você não falou que a igreja estava cheia? A igreja estava vazia, rapaz!”

No mesmo dia, Panceiro mandou demitir dois pastores que teriam feito sexo com mulheres casadas.

Panceiro pressiona muito para o aumento da arrecadação. Um pastor não identificado diz que uma igreja em Guarulhos (SP) que arrecadava R$ 5.000 mensais passou a obter quase R$ 100 mil.

Em certo trecho, Panceiro demonstra que controla suas palavras. “Eu não posso falar porque estão me filmando aí, mas você sabe o que eu quero dizer. Não sabe? Pô, a gente tem aí 2.000 igrejas, uma pela [outra]… Você sabe disso.”

Se cada igreja repetisse o desempenho da de Guarulhos, a arrecadação chegaria a R$ 200 milhões mensais, ou R$ 2,4 bilhões anuais. O Ministério Público estimou, em 2009, “movimentação financeira” de R$ 1,4 bilhão.

Num dos vídeos, Panceiro se dirige a Clodomir Santos, responsável pela igreja no Rio, passando os dedos nos lábios, em sinal de que “está no papo”. Todos riem.

Maioria crê que dinheiro não pode comprar a graça divina

Por que tanta gente fica indignada com as práticas mercantis da Universal? A resposta tem mais a ver com dinheiro do que com religião.

Nossos cérebros não foram projetados para a economia de mercado. Sistemas de troca que envolvem o dinheiro nada têm de natural: exigem alto grau de abstração e requerem complexos cálculos, inconcebíveis no passado darwiniano em que nossas mentes foram moldadas.

É só com muito esforço e prática que nos habituamos a operar no maravilhoso mundo das compras -e ainda assim, não inteiramente.

Em diversas esferas, nossas emoções falam mais alto e bloqueiam transações financeiras. O filósofo americano Michael Walzer elaborou uma lista das coisas que, hoje nos EUA, o dinheiro não pode comprar. Ela inclui pessoas (escravidão) e pedaços de pessoas (órgãos), cargos públicos, amor, prêmios e honrarias, isenção de serviço de júri e, não surpreendentemente, a graça divina.

A maioria tende a achar que não se pode atribuir um preço a itens como esses. Na prática, tudo tem um valor. Pode ser difícil traduzi-lo em termos monetários, mas isso não significa que não exista.

Num experimento conduzido pelo psicólogo Philip Tetlock, pessoas foram convidadas a avaliar a atitude de um administrador de hospital que tem de decidir se vai gastar US$ 5 milhões para salvar a vida de um garotinho de 5 anos ou usar o dinheiro para beneficiar mais gente. Qualquer que seja a escolha do administrador, ela será desaprovada.

O mesmo vale para a salvação. Por que rezas, penitências e arrependimento são uma moeda de troca aceitável, e contribuições financeiras, não? Para a Universal, não há por que ter vergonha de dar nome aos bois, ou preço aos sacramentos. Nossos cérebros pré-mercantis, porém, não concordam e veem na ênfase monetária um sinal de imoralidade: Deus não precisa de dinheiro, só os homens de Deus.

Viagem é missão, não prêmio, diz igreja

A Igreja Universal disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que é “termo preconceituoso” chamar de premiação as viagens a Israel destinadas a seus pastores.

“A viagem para Israel não é considerada uma premiação e sim uma missão religiosa almejada por cristãos evangélicos de todo o mundo. Entre os 15 mil pastores da Igreja Universal do Reino de Deus que atuam no Brasil isso não é diferente.”

“A missão religiosa na Iurd, entre outras peregrinações, consiste em levar pedidos de oração dos fiéis a lugares sagrados, como o Monte Carmelo, a Muralha de Jerusalém e o alto do Monte Sinai, por exemplo, uma árdua e esgotante escalada de mais de 2.000 metros a pé.”

Segundo a igreja, são viagens “cansativas e curtas, de quatro, cinco dias, no máximo, em que, quase sempre, consome-se mais tempo em deslocamentos aéreos do que nos locais em que são realizadas orações”.

Sobre o controle do fluxo de arrecadação de dízimos, a Iurd disse tratar-se de “procedimento interno”.

A respeito de a igreja estipular, mas não limitar, o valor dos dízimos, a assessoria informou que a Universal “possui como doutrina a Teologia da Prosperidade. Ou seja, acredita na intervenção divina também para o bem-estar material do homem. Os frequentadores da Iurd têm liberdade absoluta para fazerem ou não doações financeiras e da maneira como entenderem correta”.

Para a assessoria da igreja, “o exercício de fé pregado pelos pastores da Iurd tem como único fundamento a prática dos ensinamentos da Bíblia. Ou seja, se as pessoas contribuem cada vez mais, é porque simplesmente elas recebem cada vez mais”.

A assessoria também criticou a Folha. “Mais uma vez, a Folha de S. Paulo usa expressões e frases fora do seu contexto original para atacar a Iurd, seus líderes e mais de 13 milhões de fiéis em todo o Brasil. Ao explorar trechos maldosamente pinçados de uma pregação de três horas de duração, o jornal adota uma postura radical e inadmissível de preconceito religioso.”

Universal é alvo de investigação da Promotoria

A Igreja Universal é investigada pelo Ministério Público desde 2009 sob suspeita de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

No final do ano passado, os promotores de Justiça formularam um pedido de cooperação internacional para pedir o bloqueio de bens e contas bancárias da igreja nos Estados Unidos.

O Ministério Público suspeita que membros da igreja utilizariam serviços de doleiros, no esquema de dólar-cabo -canal paralelo ao Banco Central- para remeter dinheiro ao exterior.

Em depoimento aos promotores, uma ex-dona de casa de câmbio declarou que enviava, para contas ligadas à igreja, em média R$ 5 milhões por mês para os EUA entre 1995 e 2001.

Fonte: Folha de São Paulo

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