Uma postagem feita no perfil oficial da Igreja Universal do Reino de Deus, em meados de fevereiro, na qual afirma que um casal soropositivo abandonou o tratamento para o HIV e se curou após entrar para uma corrente de orações vem causando revolta em ativistas pela conscientização sobre a doença.
A defesa da religião como cura para o vírus é apontada por eles como “um crime”, “um desserviço” e “uma afronta à ciência”. O Fórum de ONG/Aids de São Paulo (Foaesp) protocolou uma denúncia sobre o caso junto ao Ministério Público Federal (MPF) para averiguar os crimes que podem ter sido cometidos.
“É uma irresponsabilidade. Um ato criminoso e irresponsável. Uma afronta à ciência. Um desserviço. Trabalho com Aids desde 1993, quando meu irmão se infectou. Sempre tratamos do tema com muita responsabilidade. Como ativista, me sinto absolutamente desrespeitada. Estão sendo parceiros da morte e não da vida”, afirmou a jornalista Roseli Tardelli, diretora da Agência Aids, portal dedicado a notícias sobre a doença.
Para ela, esse tipo de conteúdo numa rede social pode fazer com que pessoas que tenham dificuldade com os medicamentos ou não aceitem a doença abandonem o tratamento.
“Existem três casos de cura no mundo. A forma são ações com transplantes de medula. O resto é medicamento com tratamento multidisciplinar”, frisou Roseli.
Ativista de direitos humanos Ramon Nunes Mello também classificou a postagem como criminosa:
“Prometer cura para a Aids através de oração, colocando um casal como propaganda é crime. Estamos em 2022 e o estigma da Aids ainda permanece. A Igreja Universal deveria ser responsabilizada pelo Ministério Público por charlatanismo e curanderismo e ser obrigada a fazer palestra em prol de adesão ao tratamento de HIV/Aids, a única forma cientificamente comprovada de combater o vírus”.
O deputado federal e ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP), encaminhou o caso para o procurador Carlos Alberto Vilhena, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
“Essa é uma atitude irresponsável, criminosa e anticristã. Já não basta o estigma em relação às pessoas que vivem com HIV, que infelizmente é reforçado por muitos falsos profetas, mentir descaradamente não pode ser admitido. Irei, como infectologista e como coordenador da frente parlamentar de enfrentamento a HIV Aids, buscar todas as medidas judiciais possíveis para não deixar isso se perpetuar”, disse o deputado.
Em nota, a Igreja Universal nega que tenha propagado que curou, mas defende que a fé é elemento importante no tratamento de doenças.
Caso anterior
Em 2018, uma mulher portadora do vírus HIV disse ter sido orientada por um pastor a interromper o tratamento. O caso aconteceu na igreja que fica no bairro Agostinho Porto, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.
A mulher, de 38 anos, afirmou que um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus orientou que o tratamento fosse interrompido e ela parasse de tomar os remédios.
Sem tomar remédios por um mês, ela acabou ficando debilitada.
Em nota, na época, a Igreja universal disse desconhecer o caso e que “há milhares de pessoas, não somente da Universal, que relatam casos de sucesso na superação de graves doenças. Mas sempre com a combinação da fé com a Medicina.”
Condenação anterior
O incentivo para que as pessoas abandonem o tratamento contra o HIV não é inédito na Universal. Em 2015, a igreja foi condenada a indenizar em R$ 300 mil um fiel soropositivo que abandonou o tratamento, deixou de usar preservativos e acabou infectando sua esposa.
A Universal foi inicialmente condenada a indenizar o fiel em R$ 35 mil e alegou “ausência de imparcialidade por convicções religiosas” por parte da juíza Rosane Wanner. A reversão da sentença foi negada e ampliada em 760% devido aos danos causados à saúde da vítima.
Em nota, a Igreja Universal do Reino de Deus disse que a postagem tratava de um “testemunho espontâneo de um casal, que anunciou ter sido curado de uma grave doença pela Fé”. A instituição religiosa também afirmou que não fez qualquer alegação de ter curado o casal, pois “Igreja não cura”, mas a “cura se dá pela Fé”.
A Universal também alegou que estudos comprovam que a Fé ajuda na cura dos enfermos, em “uma combinação da Fé com a Medicina.
Fonte: Último Segundo, UOL e O Globo