Nove anos depois, um idoso de Campo Grande recebeu R$ 83,2 mil a título de indenização após a Igreja Universal do Reino do Deus (IURD) ser condenada a devolver o valor de um carro doado pelo fiel.
O caso aconteceu em 2009, chegou à Justiça no ano seguinte, mas somente em 2018 a vítima teve decisão favorável.
No início deste ano, a 5ª Vara Cível de Campo Grande recebeu ação de cumprimento provisório de sentença. No mês passado, o juiz Wilson Leite Corrêa negou recurso da defesa da igreja para suspender o pagamento, já que a decisão ainda cabe recurso.
Como o carro, um Volkswagen Gol, não poderia ser devolvido, a defesa do idoso pediu a restituição do valor, de R$ 23 mil, com correção monetária.
Em 2006, o idoso, que na época era comerciante, passava por dificuldades financeiras e começou a frequentar a igreja. Por estar em dificuldades financeiras, acabou se tornando vítima de manipulações dos pastores da IURD.
No ano de 2009, passou a participar das chamadas Fogueiras Santas, onde teve que realizar inúmeras doações em dinheiro, e sob forte pressão psicológica, doou seu único bem: um Volkswagen Gol. Na ocasião, como forma de compensação, recebeu uma chave de um carro importado que, segundo os pastores, seria o que Deus iria lhe dar em troca.
A vítima tinha um pequeno restaurante, em um prédio alugado, e, por meio de financiamento, adquiriu o veículo para entregar marmitas e comprar mercadorias. No processo, o comerciante alegou que, em razão da pressão psicológica a que foi submetido, entregou seu veículo.
Ele reforça ter sofrido abuso de direito para a doação, mediante coação moral, e que o ato de entrega do bem fora relevante para o declínio da situação financeira, pois passou a não ter mais condições de suportar nem mesmo as despesas mais simples, indo à falência e sendo despejado.
Para o desembargador Sideni Soncini Pimentel, autor do voto condutor do acórdão, as provas demonstram que o comerciante não só participava dos cultos da referida igreja como também era fiel fervoroso, extremamente centrado nos ensinamentos da congregação, chegando a exceder em razão das suas convicções religiosas.
“Levando em consideração o grau de comprometimento que possuía com a igreja, certamente o maior temor era não só a desaprovação Divina e sua ira como também da própria igreja. Daí que, psicologicamente, a doação passa a ser dever e não liberalidade”, escreveu.
Para o magistrado, o comerciante foi induzido ao erro substancial, ao acreditar que a doação de seu veículo à igreja poderia resolver seus problemas financeiros, baseados na confiança depositada das palavras do pastor naquele momento.
Pimentel destacou ainda que o critério da fé não pode servir como motivo de coação, fazendo com que a pessoas doem dinheiro ou bens necessários à subsistência e que, a rigor, não seriam suscetíveis de doação para garantir vida eterna no céu ou bens materiais ainda neste mundo.
“Diante disso, considerando que o apelante fora vítima de coação moral e erro substancial que o levou a acreditar que ao doar seu único veículo à igreja receberia a benção financeira desejada, representada por um veículo importado, declaro a nulidade da doação e a igreja deverá proceder à restituição do valor equivalente R$ 23.000,00”.
Fonte: Correio do Estado