Há vinte anos, a Igreja Católica teve um importante papel na queda do comunismo na Polônia. Hoje, com a rápida mudança no país, a influência da igreja está se dissipando velozmente.
Os fiéis estão sumindo naquele que foi considerado o país mais católico da Europa.
Assim que atravessam a fronteira para a Polônia, os passageiros viajando de trem de Berlim para Varsóvia avistam Jesus. Ele tem 36 metros de altura, é feito de concreto e fica acima dos campos perto da cidade de Swiebodzin. Ele tem uma coroa dourada pousada nobremente sobre sua cabeça e seu olhar se dirige para a fábrica da Recaro, que fabrica assentos de automóveis e é a maior empregadora da região, e para o poente. Seus braços estendidos parecem sugerir que ele quer abraçar os pagãos ocidentais.
A placa na base da gigantesca estátua religiosa diz que Jesus Cristo é o verdadeiro rei da Polônia e vai governar pela eternidade. Não é a troco de nada que esta nação, ao menos aos olhos da igreja, é a mais católica da Europa.
Ainda assim, apesar do redentor monumental, Swiebodzin não se tornou um local de peregrinação. “A estátua ainda não gerou um acréscimo no turismo”, confirma Waldemar Roszczuk, editor do principal jornal da cidade e de uma publicação regional na Internet.
Isso inquieta o padre Sylwester Zawadzki, responsável pela versão socialista realista do Cristo. De qualquer forma, é isso que diz Roszczuk. O reino de Cristo não é necessariamente deste mundo, diz ele, ao menos em Swiebodzin.
“A maior parte da população é contra o monumento, mas ninguém diz isso abertamente”, diz ele. A maior parte dos moradores se preocupa com o batismo ou primeira comunhão dos filhos e “prefere não estragar as coisas junto ao padre Zawadski”, sugere ele.
Cerca de 85% dos poloneses ainda dizem ser católicos. Ainda assim, a lealdade à igreja está caindo. Até mesmo o relações públicas católico conservador Tomasz Terlikowski estima que o verdadeiro número de católicos devotos é de pouco mais que 20%. “Nós poloneses gostamos de proclamar nosso catolicismo”, diz ele, mas a realidade é bem diferente.
[b]Influência em rápido declínio
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Apenas pouco mais de 44% dos jovens dizem que vão à Igreja aos domingos, comparados com 62% em 1992. Quarenta e dois por cento admitem que não observam todos os mandamentos religiosos. Quase ninguém dá atenção às regras de abstinência sexual antes do casamento, por exemplo. O número de abortos ilegais é de centenas de milhares por ano. Além disso, quatro quintos dos poloneses se incomodam com o fato da igreja intervir regularmente na política.
“Com um monumento bombástico como o de Swiebodzin, os líderes da igreja local estão meramente tentando esconder o fato que sua influência está caindo”, diz Tadeusz Barto. “A igreja pode se encontrar completamente marginalizada em 10 anos”, diz Barto, que foi monge e é doutor em filosofia.
Esse desdobramento faz forte contraste com o papel único que a Igreja Católica desempenhou por tanto tempo na Polônia –como uma espécie de protetora da nação. Esse relacionamento vem desde a divisão da Polônia. No século 18, a Prússia protestante, o Império Russo Ortodoxo e a Áustria dividiram a antiga república aristocrática entre eles. A fé católica serviu de aglutinador entre os poloneses nas regiões divididas, e a igreja manteve viva a ideia da reunificação.
Esse sonho só se materializou entre as duas guerras mundiais. A dita Segunda República era uma entidade multi-religiosa que consistia de judeus, protestantes e cristãos ortodoxos –e apenas 60% eram católicos. Ironicamente, foi apenas na República Comunista do Povo, estabelecida após 1945 com a ajuda de Josef Stalin, o filho renegado de um padre, que a Polônia se tornou quase exclusivamente católica. Os alemães protestantes foram expulsos após a ocupação nazista exterminar quase completamente a população judia.
Até 1989, a igreja retratou-se como uma força nacional contra o comunismo, que era percebido como não polonês. Ela ajudou a organizar o movimento de resistência entre os estivadores nos anos 70 e 80, ofereceu proteção aos dissidentes e produziu um mártir moderno, Jerzy Popieluszko.
Popieluszko era um padre católico associado ao sindicato Solidariedade e confidente do líder grevista Lech Walesa. Ele foi sequestrado e surrado pela polícia secreta em 1984. Depois, foi amarrado e jogado em uma represa, onde foi encontrado morto.
[b]Incapacidade de se manter
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Depois da queda do comunismo, os políticos de todas as tendências tomaram cuidado para não bater de frente com a Igreja Católica. A igreja teve prioridade na devolução de propriedade, o episcopado recebeu uma situação tributária favorável e a religião foi reinstaurada como matéria obrigatória nas escolas.
Ainda assim, a igreja não conseguiu acompanhar a idade moderna, diz Barto. Muitos de seus compatriotas poloneses concordam.
Após ingressar na União Europeia, a Polônia se voltou para o Ocidente e adotou o estilo de vida ocidental mais do que qualquer outro país. Hoje em dia, as mulheres polonesas sonham com carreiras, realização pessoal e filhos. Centenas de milhares de jovens vão morar juntos antes de se casarem. Em cidades prósperas como Varsóvia e Poznan, gays e lésbicas vivem suas vidas abertamente como fariam em Berlim ou Madri.
“Cada vez mais tabus estão caindo. Mas a igreja reage endurecendo cada vez mais suas posições”, observa Barto.
Ele vivenciou essa teimosia em primeira mão. Ele ingressou na ordem dominicana aos 19 anos e foi ordenado padre. Mas então se tornou um contestador, escrevendo para o jornal “Gazeta Wyborcza”, considerado hostil à Igreja. Ele acredita que a igreja deve romper com suas hierarquias e suavizar suas posições dogmáticas. Os poloneses fizeram grandes sacrifícios quando afastaram o comunismo e introduziram a economia de mercado, disse Barto, mas não a ponto de deixar que os clérigos quixotescos digam hoje o que devem fazer.
Em muitos casos, o celibato obrigatório para padres se tornou uma farsa. “Hoje em dia, os poloneses verdadeiramente religiosos acham ridículo que os padres ainda escondam suas concubinas, fazendo-as passar por domésticas”, diz Barto.
[b]Série de suicídios
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O monge contestador deixou a batina em 2007. Hoje, ele dá palestras na Universidade de Varsóvia e mora em uma casa cuidadosamente reformada no bairro chique de Saska Kepa. “Os poloneses estão se tornando cada vez mais corajosos e não omitem mais suas críticas ao clero”, diz ele.
Janusz Palikot e seu partido são beneficiários políticos desse descontentamento. O político novato, como os políticos do Partido Pirata em outros países europeus, prontamente capturou 10% dos votos nas últimas eleições. Ele se beneficia do fato de a igreja estar tentando reter seu papel dominante, especialmente na política.
Um exemplo recente foi fornecido pelo enterro controverso do ex-presidente Lech Kaczynski no Castelo Wawel na Cracóvia, após ele ter morrido no terrível acidente de 2010. O castelo é um tipo de Valhalla polonês, onde reis e heróis do movimento de independência são enterrados. Muitos acham que não é o lugar certo para um presidente recente com apenas uma lista modesta de conquistas no cargo –e os eleitores voltaram-se para o partido de Palikot como resultado.
Uma série de suicídios entre padres também foram um golpe desastroso para a imagem da igreja. Nos últimos seis anos, oito padres tomaram veneno, se enforcaram ou pularam da janela na diocese profundamente religiosa de Tarnow, no Sul do país. O último suicídio ocorreu no final de abril, em Stary Sacz. A hierarquia da igreja aparentemente não é mais capaz de lidar com as necessidades espirituais de seus próprios padres.
A igreja está sem resposta para os desafios que enfrenta na Polônia em expansão. Os padres rotineiramente reagem às questões da volatilidade do mercado de trabalho, as longas horas de trabalho, emigração e retorno, estresse e carreiras invocando tempos antigos mais crentes.
“Na realidade”, diz o antigo monge Barto, “a maior parte do clero está preocupada com lutas internas de poder. Se há alguém especialmente inadequado para ensinar às pessoas um comportamento ético, é um líder intrigante da Igreja”.
[b]Fonte: Der Spiegel[/b]