Por Agência O Globo
Se lideranças religiosas não conseguiram em janeiro um subsídio de energia elétrica para igrejas e templos com o governo Jair Bolsonaro, em municípios e estados a obtenção de benefícios tributários tem se dado em larga escala.
Um trabalho de articulação política regional, capitaneado principalmente por lideranças evangélicas, é o responsável pelo seguinte retrato: na maioria das capitais os templos religiosos têm hoje permissão para não pagar IPTU tanto de imóveis próprios como alugados.
Em âmbito estadual, a conquista da isenção de ICMS em contas de consumo (água, luz, gás e telefonia) já é realidade nos maiores estados do país.
Em janeiro, Bolsonaro decidiu não dar subsídio nas contas de luz de templos religiosos. Em dezembro, o presidente sancionou Lei que prorrogou até 2032 os incentivos fiscais vinculados ao ICMS para templos religiosos de qualquer culto e associações beneficentes, como as Santas Casas.
Apesar do avanço registrado na última década, organizações religiosas reclamam de dificuldades na obtenção do que defendem ser um direito constitucional. A Constituição prevê imunidade tributária a vários segmentos econômicos e sociais, como templos religiosos de qualquer culto.
O texto, entretanto, é generalista, e isso já causou diversas interpretações sobre a abrangência do benefício. No caso do IPTU, em dez capitais as prefeituras não dão isenção do imposto se o imóvel do templo for alugado, apenas se for patrimônio da entidade. Porém, já formam maioria (16) aquelas que concedem a imunidade nos dois casos.
Esse movimento não é exclusividade dos municípios maiores. Na pequena Potim (SP), de 22 mil habitantes, vereadores aprovaram em dezembro passado o benefício para templos alugados. São diversas os casos desse tipo.
Benefício ampliado
Uma tentativa de resolver de vez o assunto está na Câmara. A PEC 200, de 2016, acrescenta ao texto da Constituição, de maneira explicita, os imóveis locados como uma das situações para a imunidade tributária. O texto já passou pelo Senado, mas espera votação dos deputados.
O tema também já foi discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), e o entendimento foi de que imóveis alugados têm direito à isenção.
No Rio, a Igreja Católica briga com a prefeitura para garantir um benefício ainda mais amplo. A instituição quer a isenção do IPTU sobre todo o terreno onde fica uma capela em Botafogo, na Zona Sul. O município não cobra o imposto apenas da parcela referente à área da capela.
Em São Paulo, lideranças religiosas conseguiram aprovar, no fim do ano passado, a ampliação da isenção para esses casos.
Desde 2001, a capital paulista não cobra IPTU de templos religiosos, sejam próprios ou alugados. Com a nova lei, a isenção será aplicada agora ao imóvel em sua totalidade e não apenas à metragem do local destinado ao culto religioso.
“Queremos que se cumpra o que está na Constituição, mas é grande a proliferação de normas locais para restringir as hipóteses de imunidade a que os templos religiosos têm direito”, diz Hugo Cysneiros, advogado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Os avanços nos legislativos municipais refletem o crescimento da influência do segmento religioso na política, especialmente o evangélico.
As ações em câmaras municipais são, em geral, lideradas por vereadores ligados a igrejas. A eleição de 2018 levou a um aumento de 16% da bancada evangélica na Câmara e no Senado. Para as eleições municipais deste ano, a tendência é a mesma.
Nas assembleias legislativas estaduais não é diferente. Entre os dez maiores estados do país, seis não cobram de organizações religiosas o ICMS em contas de consumo: MG, RJ, RS, PR, SC e PA — os três primeiros estão na lista dos estados com maiores dificuldades financeiras atualmente.
O governador do Rio, Wilson Witzel, sancionou este mês a lei que dá isenção nesses casos.
Diferentemente do IPTU, o benefício não é uma obrigação prevista na Constituição. A decisão de isentar o tributo que incide sobre contas de água, luz, gás e telefone é estritamente política. Cobram o imposto SP, BA, PE e CE.
Na cidade de São Paulo, o prefeito Bruno Covas regulamentou este ano as regras para acesso à isenção do IPTU com a promessa de tornar o processo menos burocrático.
Dívida tributária
São cerca de 25 mil as entidades religiosas no país, segundo a Receita Federal. Um levantamento feito pela Agência Pública no ano passado mostrou que esse segmento deve à União cerca de R$ 460 milhões em tributos.
Líder da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), Silas Câmara (Republicanos-AM) afirmou considerar que a imunidade tributária das igrejas é um ponto consagrado pela Constituição. Sobre a possibilidade de ampliação de benefícios por estados e municípios recentemente, ele adotou cautela e disse que pretende debater a questão no âmbito da proposta do governo de reforma tributária.
Professor livre docente do departamento tributário da PUC de São Paulo e advogado da Conselho Nacional dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab), Ricardo Sayeg afirma que não se trata de ampliação de benefícios para templos, mas de uma “adequação à realidade”.
Para o jurista, a Constituição garante imunidade para todas as atividades que estão relacionadas à liberdade de culto:
“É preciso analisar a situação na perspectiva do culto. Tudo aquilo que é necessário para o culto passa a ser compreendido no conceito de templo e passa a ter imunidade. Pelas lentes do culto, qual a diferença se ele ocorre em imóvel próprio, cedido ou alugado? A Constituição estabelece imunidade para templos de qualquer culto”.
Fonte: Exame