Pesquisas e levantamentos sobre o comportamento dos italianos mostram que a uma distância crescente entre o discurso sobre doutrina moral católica da Igreja Católica e como as pessoas de fato conduzem as suas vidas.
Uma das pesquisas mais amplas e recentes sobre o assunto foi realizada pelo instituto Demos-Eurisko e publicada no jornal La Repubblica.
De acordo com ela, 54% da população italiana diz confiar no papa. O número é bem inferior ao que o papa João Paulo 2º tinha no final do seu papado: em 2003, 79% dos italianos diziam confiar no pontífice.
Boa parte da população acredita que Bento 16 está afinado com a ala mais conservadora da sociedade. De acordo com a mesma pesquisa, um em cada quatro italianos diz que a Igreja com Bento 16 está próxima à centro-direita.
“É um sinal dos novos tempos”, afirma Ilvo Diamanti, professor de Ciências Políticas da Universidade de Urbino e coordenador da pesquisa sobre o relacionamento entre os italianos e a religião. “Na história republicana da Itália, a Igreja nunca apareceu com proximidade à direita, ou à esquerda, mas ao centro. Em seus melhores momentos, a Igreja aparecia acima.”
‘Consciência’
Segundo o levantamento, 86,4% da população se confessa católica. Mas embora a maioria diga que acha importante dar aos filhos uma educação católica, apenas 44% seguem o que diz o papa sobre a doutrina moral da Igreja. Os restantes 56% dos católicos afirmam tomar decisões “de acordo com a consciência”.
“Estes resultados assinalam um individualismo crescente e uma protestantização da fé”, destacou o Avvenire, jornal oficial da Conferência Episcopal Italiana, em resposta à pesquisa, que classificou como “interessante”.
Mesmo que os italianos reclamem da intromissão, os bispos acreditam que a ação pública da Igreja traz algum resultado. “A maioria dos italianos quer para os filhos uma educação na tradição cristã”, segundo o Avvenire.
Diego Luzi, técnico em informática e integrante de um grupo de jovens católicos, diz que nem sempre dá para seguir os comandos do papa.
“Em certas coisas sou de acordo com o Vaticano e, em outras, tenho minhas próprias idéias”, disse ele, que é contra o aborto e a favor das uniões entre homossexuais. “Com relação ao uso da camisinha, sou favorável, porque protege contra tantas doenças, principalmente, contra a Aids.”
‘Mundo ultrapassado’
A dona-de-casa Guendalina Semi reclama que sempre tem algum representante do Vaticano na televisão, dizendo a toda hora o que é certo e o que é errado.
”Bento 16 vive num mundo ultrapassado”, afirmou. “Ele se mete demais na nossa vida. Daqui a uns dias vai dizer até em quem devemos votar.”
Os italianos reclamam da intromissão da Igreja nos assuntos políticos do país. Ainda de acordo com a pesquisa Demos-Eurisko, a maioria, 74%, diz que os parlamentares católicos devem votar livremente de acordo com sua consciência.
Levantamento feito pelo Instituto Nacional de Estatística da Itália aponta que os italianos se casam cada vez menos. Enquanto em 1972 foram registradas 419 mil uniões oficiais, em 2005, elas chegaram apenas a 250 mil.
Já o número de separações e divórcios é alto. Os últimos dados, relativos a 2004, indicavam a ocorrência de 80 mil casos de separações por ano e 45 mil divórcios. A média é de 15 casos para 100 casamentos.
Com relação ao polêmico caso de Piergiorgio Welby – que sofria de distrofia muscular progressiva e que, como era seu desejo, morreu após o desligamento de um respirador artificial -, apenas 8% dos italianos concordaram com a decisão do Vicariato de Roma de não autorizar um funeral religioso para ele.
Nas comemorações do 1º de maio, um dos apresentadores do evento organizado pela esquerda italiana, em Roma, criticou o papa e a Igreja por jamais ter evoluído.
“Não apoio que o Vaticano tenha negato os funerais ao Welby”, disse o jovem Andrea Rivera diante uma platéia de mais de 400 mil pessoas, que o aplaudiu muito. “Não foi assim com o Pinochet, nem com o Franco.”
Mais polêmica
No dia seguinte, mais polêmica. O jornal oficial da Santa Sé, L’Osservatore Romano, classificou as frases de Rivera contra o papa de terrorismo.
Nos últimos meses, o Vaticano iniciou forte campanha contra um projeto do governo italiano, que pretende reconhecer a união de pessoas heterossexuais e homossexuais que vivem juntas sem ser casadas.
Devido a uma declaração contra os casais homossexuais, o arcebispo de Gênova, Angelo Bagnasco, tem recebido ameaças de morte desde o início de abril, quando foi nomeado pelo papa presidente da Conferência Episcopal Italiana. “Por que não admitir então também o incesto”, perguntou polemicamente Bagnasco se referindo ao assunto.
Ele agora conta com proteção policial e recebeu, há poucos dias, um envelope com uma bala.
Fonte: BBC Brasil