Autor do sucesso “É proibido pensar”, João Alexandre fala de seu trabalho e critica a superficialidade da música evangélica brasileira contemporânea.

João Alexandre tem apenas 43 anos, mas já pode ser considerado uma referência da música evangélica brasileira. Como artista, ele se considera fruto do trabalho de pioneiros como os Vencedores por Cristo, iniciado quando ele ainda era criança – mas seu som é de gente grande.

Instrumentista, cantor e compositor dos mais celebrados por aqueles que curtem música cristã como arte, e não apenas veículo de evangelização, João tem muitos fãs Brasil afora. Mas não é muito chegado às badalações do showbiz gospel nacional. Talvez por isso, não tenha estourado nas paradas de sucesso do segmento nem vendido milhões de discos. Mas não importa– para ele, o que vale mesmo é cantar coisas sobre a essência de Deus, título de uma das suas mais conhecidas canções.

Nesta conversa com CRISTIANISMO HOJE, João Alexandre fala de música, carreira, vida com Deus e fé. E, como não poderia deixar de ser, analisa a repercussão de seu último e mais polêmico trabalho, É proibido pensar, no qual bate pesado em algumas das mazelas da Igreja Evangélica contemporânea. E o fez sem rancor, mas conscientemente: “Prefiro cantar o que as pessoas precisam ouvir”, dispara.

CRISTIANISMO HOJE – É proibido pensar, seu último trabalho, teve intensa repercussão dentro e fora do segmento evangélico. Você esperava tamanha visibilidade?

JOÃO ALEXANDRE – Sem dúvida nenhuma, tal visibilidade se deve à internet. O vídeo criado por um internauta em cima da faixa-título do CD, colocado no YouTube, acabou, no fim das contas, por mostrar de forma mais direta o significado de alguns de meus versos, antes só compreendidos pelo nicho evangélico. O vídeo também contribuiu para mostrar aos que não são evangélicos que nem todos os crentes pensam do mesmo jeito ou concordam sobre a realidade atual das igrejas no Brasil.

O vídeo teve, até o fim de junho, mais de 150 mil visitas. Você conhece o autor?

Conheci o autor só na internet e, curiosamente, descobri que ele também gosta de alguns grupos e cantores que poderiam bem se encaixar no seu próprio vídeo, junto com os outros que colocou. Então, enquanto para mim a música foi uma questão de posicionamento pessoal e crítica diante das falcatruas pregadas no meio evangélico, chego à conclusão de que houve também uma questão de marketing pessoal por parte dele.

Em quê você pensou para fazer a música?

Pensei na superficialidade, na irrelevância e na impertinência que caracteriza o discurso evangélico do hoje. Temos uma verdadeira chuva de evangelhos diferentes, transformando-nos mais em clientes que acham que o Todo- Poderoso precisa se adaptar ao nosso jeito de viver e aos nossos caprichos.
Acontece que só existe um Evangelho a ser pregado, o verdadeiro e eterno!

Que tipos de reação, favoráveis e desfavoráveis, você recebeu a partir do lançamento de É proibido pensar?

Houve de tudo um pouco. Irmãos mais chegados chegaram a me telefonar para saber se eu estava bem ou abatido com as críticas; outros pensaram que eu estava desviado dos caminhos do Senhor.

Recebi e-mails me encorajando e me ofendendo – um deles, bem engraçado, cheio de erros de português e me classificando como enfeliz e impócrita. Outras mensagens diziam que eu preciso me converter e me acusaram de ter feito a música para vender CD.

Mas estou bem tranqüilo e não perdi o sono por causa disso. Levei quase três anos para compor É proibido pensar, depois de ouvir muitos conselhos de irmãos e amigos. Não é de hoje que tenho vergonha de ser chamado de evangélico; prefiro o título de cristão, pois fica mais parecido com Cristo, o noivo, e menos comprometedor em relação à Igreja, a noiva. Isso porque o primeiro permanece fiel, mas a segunda anda pulando a cerca…

Existe um pensamento no meio evangélico de que líderes e ministérios são, de certa forma, intocáveis. A crítica é tratada como rebeldia. Dentro deste raciocínio, a citação de nomes e ministérios na música não foi uma atitude perigosa para sua imagem como artista evangélico?

É muito engraçada a atitude de alguns músicos e líderes que conheço. A grande maioria que ouviu a canção concorda comigo em número, gênero e grau – mas, na hora em que os desafio a caminhar junto comigo, levantando a bandeira da verdade, pulam fora, sob o discurso covarde de que existem poucos profetas e eles são assim mesmo, não conseguem se calar.

Dentro de mim, muitas vezes, bate aquele sentimento de que estou sozinho mesmo, denunciando o que todos vêem mas não têm coragem de dizer. Para ser bem sincero, às vezes em sinto um boi de piranha. Existem raras exceções, mas os músicos e líderes, mesmo concordando comigo, preferem manter sua imagem de sempre, adoçando milhões de ouvidos, cantando e pregando o que todo mundo gosta de ouvir. Pois bem, eu prefiro cantar os que as pessoas precisam ouvir.

Há um nítido antagonismo entre o trabalho musical feito na época do início de sua carreira e a chamada música gospel, que se popularizou em meados dos anos 1990. Quais são as principais diferenças entre as duas fases?

Eu tenho 43 anos. Meus ouvidos foram influenciados por compositores fantásticos e muito profícuos, como Milton Nascimento, Chico Buarque, todo pessoal do Clube de Esquina, a bossa nova com Tom Jobim etc. Naquele tempo, o cantor e sua música tinham o objetivo de levar pessoas ao crescimento intelectual e cultural também. Assim sendo, os compositores cristãos da época, seguindo a influência dos músicos populares, compunham suas canções para levar as pessoas até Jesus, preocupados com poesia e uma musicalidade bem estruturada.

Hoje, vê-se que a música e mesmo o nome de Jesus são estratégias de marketing para que se chegue a alguém – que pode ser o próprio cantor ou ainda a denominação ou movimento que o patrocina. O lance é vender imagens, na maioria das vezes, ricas em promoção e paupérrimas em conteúdo musical, espiritual e profético. No Brasil, o termo gospel foi importado para dentro das igrejas como estratégia de marketing, pois nada tem a ver conosco, começando pelo nome – e a gente, infelizmente, ainda se contenta em ser americano de segunda ao invés de brasileiro de primeira. O cenário atual é um reflexo da influência da cultura desmiolada das massas.

Quarenta anos depois do surgimento dos Vencedores por Cristo, qual seu legado para a Igreja brasileira hoje?

Não há como negar todo o legado plantado por gente que fez parte desse trabalho, como Sérgio Pimenta, Nelson Bomilcar, Guilherme Kerr, Aristeu Pires, entre tantos outros. Foram eles que primeiro plantaram algo brasileiro neste país, menos importado, descolonizando. Eles, por assim dizer, deram a cara da música cristã brasileira.

Que artistas você destaca na música evangélica brasileira de hoje?

Eu posso ser injusto neste momento, me esquecendo de muita gente, já que o Brasil é um celeiro de compositores maravilhosos. Mas, vamos lá: Stênio e Edílson Nogueira; Glauber Placa; Gladir Cabral; Silvestre Khulman; Sérgio e Marivone; Grupo Expresso Luz; Carlinhos Veiga; Sal da Terra; Roberto Diamanso; Gerson Borges; Jorge Camargo; Gláucia Carvalho; Arlindo Lima; Tiago Viana… Como trabalhos mais recentes, tem o Crombie, de Niterói, no Rio de Janeiro. Seu som é para ser ouvido e degustado.

Você costuma adotar posição crítica em relação ao trabalho das grandes gravadoras evangélicas, sobretudo em relação à ênfase que dão no aspecto comercial. No momento em que as vendagens de CDs sofrem forte queda, a partir da disseminação da música digital e do advento da pirataria, que futuro você vislumbra para estas empresas? O que deve lhes acontecer nesta era de MP3, YouTube e internet?

Isso já havia sido, digamos, profetizado. Refiro-me à quebra das gravadoras. Quando o dinheiro se transforma em objetivo ao invés de consequência, é inevitável que a coisa desande mesmo. O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Cada um segue seu caminho independente e o músico, daqui para a frente, viverá de suas apresentações e de suas vendas ao vivo, bem mais do que das lojas que vendem seus CDs. Claro que ainda existe muita gente que compra CD simplesmente em apoio ao trabalho dos músicos que admiram e amam.
O problema do Brasil sempre foi a impunidade, e o músico, pirateado, copiado e estuprado em sua arte, depende totalmente de Deus para sobreviver. O pessoal faz de tudo, desde tocar em casamento até dar aulas particulares. Mas só se estabiliza quem tem competência, é claro. Confesso que pensar no assunto me deixa um pouco incomodado, mas tenho Jesus e minha família e isso é tudo o que importa na vida. O jeito é olhar para os lírios do campo. Mesmo sabendo que essa opção poderia me custar muitos CDs a menos vendidos, saí das estruturas das poderosas gravadoras evangélicas. Meti as caras mesmo, e com o apoio incondicional de minha mulher e meu filho, escolhi caminhar profissionalmente sozinho e agradar a um ouvido só, o de Deus.

Incluir a participação de Tirza e Felipe em sua carreira foi uma opção pensada ou algo que simplesmente ocorreu?

Eles são a minha melhor parte. Sem eles, não sou ninguém. Nenhum tipo de sucesso compensaria um fracasso dentro de casa; eu sacrificaria meu talento, meu violão e até a minha voz, se precisasse, em favor de estar com eles, que me amam pelo que sou e não só pelo que faço. Minha família me autentica a viver o que canto e a cantar o que vivo.

Além disso, ainda são parte do meu trabalho, sou abençoado e privilegiado por tê-los vivendo e trabalhando ao meu lado. O Felipe já toca música instrumental profissionalmente e tem sido uma luz e um testemunho vivo de Jesus no meio de outros músicos, graças a Deus.

Além de cantor e compositor, você também é um requisitado produtor musical. O que tem feito ultimamente, em termos profissionais?

Tenho um home studio, que construí em minha casa, que fica em Paulínia, São Paulo.
É uma estrutura bem simples, básica e funcional, onde arranjo, gravo e faço 99% de minhas produções. Minha atividade de arranjador, embora exija mais tempo e me dê pouco retorno financeiro, é extremamente prazerosa, já que acaba por me dar a oportunidade de me tornar quase um segundo compositor das canções de outros irmãos.

Ter pessoas que acreditam e confiam suas canções ao meu trabalho de arranjador e produtor musical é um presente de Deus e uma honra impagável. Produzir musicalmente alguém dentro de um estúdio de gravação exige muita convivência pessoal, pois é preciso fazer brotar aquele artista brotar de si mesmo – então, quando fazemos isso, construímos juntos uma história.

Que igreja você freqüenta?

Sou presbiteriano, atualmente membro da Igreja Presbiteriana do bairro da Saúde, em São Paulo.

[b]Fonte: Cristianismo Hoje[/b]

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