Ele pagou faculdade com o que ganha limpando sapatos, até R$ 2 mil por mês. Objetivo é passar no exame da OAB e, no futuro, ser promotor de Justiça.
Com o dinheiro que ganhou limpando sapatos de profissionais como juízes, desembargadores e advogados, o engraxate Joaquim Pereira, de 24 anos, acaba de se formar em direito em uma instituição particular de Goiânia. Mesmo com o diploma em mãos, ele não abandonou o ofício que aprendeu quando era criança e que lhe rende cerca de R$ 2 mil por mês.
Agora, o objetivo é se preparar para passar no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, depois, continuar estudando para ser promotor de Justiça. “Não quero ser qualquer profissional”, ressalta. Até lá, o jovem comunicativo e bem-humorado continuará cativando seus clientes como engraxate nas ruas do centro da capital. Sem deixar a vaidade de lado, já que uma das suas peculiaridades é trabalhar sempre bem vestido, com calça, camisa e sapatos impecáveis.
[img align=left width=300]http://s2.glbimg.com/aJttzqd1LicfZ6wKqINepHbQ1hk=/s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2013/04/25/engraxate-vertical.jpg[/img]Ao deixar a cidade de Monte de Alegre de Goiás, na região nordeste do estado, em 2006, o jovem não se imaginava formado. Joaquim lembra que quando saiu da sua cidade natal para morar na capital tinha a esperança de que logo seria contratado em uma empresa e se tornaria um profissional de destaque. Mas viu que não era bem assim. Ele demorou três meses para conseguir emprego em uma fábrica de enxovais. Quando recebeu o primeiro salário mínimo, concluiu que não era o suficiente para se manter em Goiânia. Na época, ele morava com o irmão. “Vim pra trabalhar. Depois, vi que precisava estudar para crescer, para ter um emprego melhor”, conta.
Entre as coisas que tinha trazido do interior estava a caixa de engraxate, pois sabia que talvez precisasse usá-la. Em Monte Alegre de Goiás, ele apreendeu a profissão observando. Aos 11 anos começou a limpar sapatos quando queria comprar uma roupa ou um tênis. Apesar de trabalhar esporadicamente, ganhou experiência.
Devido à insatisfação com o emprego, ele decidiu, em um sábado, ir para as ruas de Goiânia e ver como se sairia de engraxate. “Ganhei R$ 20 e atendi umas dez pessoas. Mesmo não sendo muito, fiz as contas e vi que podia render”, afirma. Segundo ele, na segunda-feira, três meses após ser admitido na fábrica, pediu demissão. “Indagaram porque eu retrairia tanto. Pensaram que eu estava revoltado”, lembra. O jovem comenta ainda que não foi uma decisão fácil, pois teve medo de ser rejeitado. “Tive medo da reação dos meus amigos e dos colegas”, diz.
No primeiro semestre que trabalhou como engraxate, Joaquim terminou o ensino médio em uma escola pública de Goiânia e começou um curso de webdesigner, mas não gostou. Enquanto isso, a profissão de engraxate deslanchava.
[b]Samba da vitória[/b]
As pessoas para quem engraxou sem cobrar nada nas primeiras vezes se tornaram seus clientes. A simpatia e a abordagem especial atraíram muitos outros e fez com que ele ficasse conhecido nos locais onde trabalha como na Praça Cívica, onde está o Centro Administrativo do Governo de Goiás. O “samba da vitória”, som que ele faz com um pano ao polir os sapatos, virou sua marca registrada. Joaquim conquistou uma clientela fixa. De R$ 20 por dia, ele passou a faturar até R$ 100.
Depois de um ano limpando sapatos, Joaquim decidiu que entraria para uma faculdade de direito. “Vendo o dia a dia dos advogados e conversando com eles, concluí que queria ser um deles”, afirma. A decisão de ingressar em uma universidade foi criticada por muitos conhecidos. ”Falavam que eu não daria conta de terminar, que era muito difícil e caro”, conta. No entanto, ele persistiu com o sonho de se formar, passou no vestibular e começou, em 2008, o curso de direito em uma instituição de ensino particular. “Se a gente quiser ter sucesso na vida, tem que se submeter ao risco”, ressalta.
Joaquim afirma que os cinco anos da faculdade não foram fáceis. “Já na primeira prova tirei zero. Aquilo me baqueou, até pensei em desistir, mas falei ‘vou estudar’, e assim fiz”, recorda-se. Ele estudava de manhã, e à tarde ia trabalhar como engraxate até as 19h, pois precisava ganhar dinheiro para pagar o curso.
Além de estudar e trabalhar nas ruas, Joaquim tinha de cumprir suas tarefas domésticas, como lavar roupa e arrumar a casa. O irmão dele se casou e ele foi morar com um amigo, no Centro de Goiânia. O bacharel em direito ainda conta que separava um tempo para tocar violão e estudar música, que é uma de suas paixões. Ele é evangélico e gosta de cantar na igreja. “Tem que ter disciplina para ter tempo de fazer tudo”, ensina.
A ajuda para pagar a faculdade veio no 7º período, quando ele conseguiu uma bolsa da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG). Na mesma época, ele também conseguiu um estágio na Procuradoria Geral do Município por indicação de um cliente, onde trabalhou até dezembro do ano passado. Apesar do trabalho, ele continuou a engraxar nos horários livres.
A colação de grau ocorreu no último dia 19, na capital goiana. “Foi extraordinário. Estou muito feliz”, comenta. Os pais de Joaquim vieram de Monte Alegre de Goiás para prestigiar o filho. Ele, que é o caçula da família, também contou com a presença de um, dos três irmãos. “Eles estão muito orgulhosos de mim, do que conquistei”, ressalta. No evento, Joaquim ainda foi homenageado pelo reitor da instituição de ensino. O jovem engraxate foi o aluno destaque da turma.
[b]Sonhos[/b]
Mesmo formado, Joaquim não se importa de engraxar sapatos nas ruas de Goiânia. O jovem tem a admiração de seus clientes. “Ele é um exemplo de que nada é impossível. Poucas pessoas têm a capacidade e o esforço de concluir um curso superior engraxando sapato”, ressalta o advogado Aldemir Leão da Silva. O rapaz garante que exercerá a função até encontrar um bom emprego, com boa remuneração.
Inicialmente, o objetivo é passar no exame da OAB para ter seu registro de advogado e poder exercer a profissão que escolheu. Devido ao seu esforço, o jovem ganhou um curso preparatório para a prova, que ocorrerá em agosto. As aulas serão julho.
Depois de fazer a prova, Joaquim vai começar uma pós-graduação. Ele ganhou bolsa integral da especialização, que, se ele fosse pagar, custaria cerca de R$ 9 mil. Joaquim sonha alto, ele quer se tornar um promotor de Justiça. “Vou continuar estudando cada vez mais para passar em um concurso e ser promotor”, reforça.
Com o dinheiro de engraxate, ele também conseguiu tirar a Carteira Nacional de Habilitação. Esse é um primeiro passo para alcançar outro objetivo, o de trocar a bicicleta por um carro.”Quando se sonha, se tem um objetivo e não desiste, as coisas acontecem”, ressalta.
[b]Fonte: G1[/b]