Pepita Ortega e Fausto Macedo
Estadão, São Paulo
A juíza Silva Maria Rocha, da 2.ª Vara Federal Criminal de São Paulo, absolveu dois dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus — Alba Maria Silva da Costa e Paulo Roberto Conceição — em processo sobre lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha.
A juíza concluiu que alguns crimes prescreveram e que não ficou comprovado o envolvimento dos réus nos outros delitos a eles atribuídos.
Em outubro do ano passado, Silvia já tinha declarado extinta a punibilidade em relação ao fundador e líder da Universal, bispo Edir Macedo, e também em relação ao bispo João Batista Ramos — ambos têm mais de 70 anos de idade foram beneficiados pela regra que reduz pela metade o prazo de prescrição.
A ação penal teve origem em investigação do Ministério Público do Estado de São Paulo, aberta em 2010, mas acabou migrando para competência da Justiça Federal.
Os procuradores sustentavam que apenas uma parcela do dinheiro (cerca de 10%) arrecadado com dízimo ficava na Igreja.
O equivalente a 90% da arrecadação nos templos, segundo a acusação, era enviado clandestinamente a paraísos fiscais e contas numeradas no exterior, via casa de câmbio de São Paulo.
O dinheiro teria sido usado na compra de empresas, principalmente emissoras de rádios e TVs.
Segundo a denúncia da Procuradoria, entre os anos de 1999 e 2005, “foram remetidos milhões de reais, valores estes oriundos de donativos de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus, entregues diretamente aos operadores da casa de câmbio Diskline Câmbio e Turismno Ltda”.
O Ministério Público Federal sustentou que, após a fase da entrega e contagem de dinheiro, os operadores financeiros emitiam ordens de transferência de valores entre contas mantidas no exterior, das que eram operadas pela Diskline, nomeadas ‘Milano’, ‘Finance’, ‘Florida’ e ‘Pelican’, para as contas indicadas por Alba e Paulo Conceição.
“Não obstante os robustos elementos de materialidade delitiva, o mesmo não se pode dizer quanto à autoria”, sentenciou Silvia Maria Rocha.
Segundo ela, o indício mais concreto em que se pautou a denúncia, acerca do envolvimento de Alba e Paulo Conceição nos fatos, escora-se nos depoimentos dos delatores Cristiana Marini Rodrigues da Cunha Brito, Luiz Augusto Cunha Ribeiro e Marcelo Birmarcker, todos operadores da Diskline Câmbio e Turismo Ltda.
A magistrada joga luz no trecho da legislação sobre delação premiada que alerta para a “impossibilidade de se proferir sentença condenatória com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador”.
“Tal vedação não existe por acaso”, ela destaca. “Com efeito, o legislador intentou evitar a utilização de má-fé deste instituto por parte do réu que, mesmo não tendo nada a delatar, mas objetivando benesses penais, poderia fabular contra terceiro”.
A juíza pondera que os depoimentos dos delatores, “de forma isolada, não são aptos a autorizar decreto condenatório”.
“Deve haver nos autos outros elementos que, em conjunto com a prova apresentada pelos colaboradores, aponte, além de qualquer dúvida, para a participação consciente dos réus no esquema criminoso. Tal tarefa ficou a cargo da instrução criminal, notadamente pelos depoimentos de testemunhas, elaboração de perícia contábil com base no material obtido via cooperação jurídica internacional com os Estados Unidos da América e interrogatórios dos réus.”
Silvia observa que a perícia contábil ‘trouxe elementos que reforçam a materialidade delitiva, haja vista que os valores lá mencionados coincidem com a planilha de remessa de valores fornecida pelos doleiros’.
“Contudo, nada de efetivo trouxe em desfavor de Alba Maria Silva da Costa e Paulo Roberto Conceição”, conclui a juíza. “Os nomes dos réus não são mencionados em nenhum momento. Com efeito, foram encaminhas as fichas de abertura das referidas contas correntes, todas de titularidade de pessoas jurídicas (The International Federation of Pentecostal Churches Inc. e The Universal Church), sendo que em nenhuma delas Alba Maria e Paulo Roberto Conceição figuram como representantes.”
Silvia crava. “Assim, a prova documental não trouxe elementos indiciários da participação de Alba e Paulo Roberto.” A Procuradoria escorou seu pedido de condenação nos depoimentos de Marcelo Nascentes e de Edilson Cesário Vieira.
Segundo a acusação, Edilson afirmou que o bispo Edir Macedo, Alba e o bispo João Batista “comentavam sobre a empresa Diskline e sobre a necessidade de expandir, no sentido de mandar mais dinheiro”.
“Tal testemunho não se presta a demonstrar a participação efetiva de Alba e Paulo Roberto no esquema de evasão”, argumenta Silvia Rocha.
Ela registra, ainda, que Edilson Cesario Vieira foi dispensado do compromisso de dizer a verdade, “em face do deferimento da contradita apresentada pela defesa de João Batista, que noticiou o fato de o depoente ser autor de ações ajuizadas contra a Igreja Universal”.
“Ainda, ressalte-se que no início da audiência o próprio órgão ministerial esclareceu que a testemunha dizia respeito aos fatos consistentes no crime de estelionato.”
A juíza federal chamou a atenção para o fato de que a testemunha Marcelo Nascentes Pires, segundo o Ministério Público Federal, alegou ter “presenciado o transporte de numerários e a troca por dólares”.
“No entanto, a própria testemunha afirmou que a partir do ano 2000 ou 2001 desligou-se da entidade religiosa”, assinala Silvia.
A magistrada destaca que laudo contábil apresenta extrato de recebimento de valores ocorridos entre os anos de 2002 e 2008, ou seja, “em momento posterior à saída da testemunha das atividades da Igreja”.
“Além disso, a testemunha categoricamente afirmou que não teve contato com os operadores de câmbio da Diskline. Em suma, não há prova cabal de quem foi o ordenante das remessas de divisas para o exterior.”
Silvia adverte que “para uma condenação penal a prova da autoria delitiva deve sobressair-se do campo da especulação para um elevado grau de certeza”.
No caso, ela pontua, “observe-se que as remessas de divisas foram efetivamente operadas por doleiros’, de modo que é pouco provável a existência de vestígio documental por parte dos integrantes da Igreja Universal na evasão em si”.
“A comprovação da autoria dependeria de eventuais recibos por parte dos ‘doleiros’, contudo, é bem sabido que esse tipo de negócio é realizado na base da confiança, justamente para dificultar a coleta de prova material”, ressalta Silvia, juíza com ampla experiência na condução de processos e julgamentos de acusados por crimes de lavagem de dinheiro.
Ela anota, ainda, que “as contas estrangeiras eram titularizadas por pessoas jurídicas nas quais Alba e Paulo Roberto não figuravam como representantes”.
Amparada no artigo 386 do Código de Processo Penal, Silvia é taxativa. “Não havendo prova inconteste da efetiva participação de Alba Maria Silva da Costa e Paulo Roberto Gomes da Conceição no crime de evasão de divisas, é de rigor a absolvição dos acusados, com fundamento no artigo 386, V, do Código de Processo Penal.”
Assim, no que tange à imputação prevista no artigo 1.º da Lei 9.613/98, Silvia julgou extinta punibilidade dos bispos Edir Macedo e João Batista Ramos da Silva nesta ação penal, “pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal”.
Da mesma forma, ela julgou extinta a punibilidade de Alba e Paulo Conceição, nesta ação penal, quanto ao crime previsto no artigo 288 do Código Penal (quadrilha), também pela ocorrência da prescrição.
Sobre o crime de lavagem de dinheiro, ela julgou improcedente e absolveu Alba e Paulo Conceição “por não haver prova da existência do fato”.
E, por fim, quanto ao crime tipificado no artigo 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 (evasão de divisas), Silvia Maria Rocha também julgou improcedente a denúncia da Procuradoria e absolveu os dirigentes da Universal “por não existir prova da participação dos réus na infração penal”.
A juíza determinou o arquivamento dos autos.
Com a palavra, a Igreja Universal do Reino de Deus
“A sentença da 2.ª Vara Federal Criminal de São Paulo faz Justiça ao reconhecer a inocência do bispo Edir Macedo e de pessoas perseguidas apenas pela fé que professam.
Contudo, a decisão não apagará os anos de assédio que o Bispo Macedo, oficiais, membros e colaboradores da Igreja Universal do Reino de Deus sofreram — e ainda sofrem — de segmentos da sociedade, da Imprensa e de algumas autoridades.
A Universal aguarda que ‘O Estado de S. Paulo’ dê o mesmo destaque à inocência que o Judiciário decretou, que aquelas manchetes e páginas que o jornal dedicou às suspeitas e falsas acusações publicadas contra a Igreja e seus oficiais ao longo dos anos.’
UNIcom – Departamento de Comunicação Social e de Relações Institucionais da Universal”
Fonte: Estadão via UOL