Desde o estabelecimento de relações diplomáticas, em 1994, a Santa Sé procura fazer um acordo com Israel para sancionar direitos históricos que a Igreja possuía na região desde o domínio otomano na Terra Santa.
A Santa Sé e Israel mantêm relações diplomáticas desde 1994, mas ainda está pendente de alcançar um acordo bilateral que sancione o estatuto das propriedades e as isenções fiscais da Igreja Católica nesse país – no qual se encontram quase todos os santuários cristãos ligados à vida de Jesus Cristo, sobretudo em Jerusalém -, direitos históricos de que a Igreja gozava na Terra Santa antes do nascimento do Estado de Israel, em 1948. Bento 16 e o Vaticano pretendem solucionar de modo definitivo esse assunto, muito urgente para o catolicismo, mas que para Israel, mergulhado nas violentas dificuldades do Oriente Médio, não constitui uma prioridade.
Depois de cinco anos de interrupção nas negociações – reduzidas a encontros periódicos entre representantes técnicos -, na segunda-feira (21/5) se reuniu no Vaticano a comissão bilateral permanente Santa Sé-Israel, encarregada de redigir o acordo desejado. “As conversas ocorreram em uma atmosfera de grande cordialidade, entendimento mútuo e boa vontade, e deram lugar a importantes progressos e esperanças de se chegar a novos avanços nos próximos meses”, diz o sucinto comunicado conjunto. Mais conhecida como plenária, essa comissão permanente inclui cargos de peso de ambas as partes: pela Santa Sé, o subsecretário de Relações com os Estados, Pietro Parolin, e por Israel o diretor-geral do Ministério das Relações Exteriores, Aaron Abramovitch. O próximo encontro plenário será realizado em dezembro, em Israel.
Esse tratado pendente sobre propriedades e isenções fiscais deveria estar pronto há algum tempo, em princípio em 1996, segundo o compromisso inicial fixado no importante acordo fundamental de 1993 entre o Vaticano e o Estado de Israel, texto que abriu caminho para o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países no ano seguinte. Mas o bloqueio se prolonga, ao mesmo tempo em que para a Igreja aumenta a urgência de ter garantias por escrito da inviolabilidade jurídica de suas propriedades em Israel.
Ali opera a Custódia da Terra Santa dos frades menores franciscanos, que, por bula papal de 1342, mas na prática quase um século antes, cuidam de santuários muito visitados pelos peregrinos, como o Santo Sepulcro em Jerusalém, a gruta da Anunciação em Nazaré ou a Basílica da Natividade em Belém (que se encontra em território palestino, e, portanto, não submetida à autoridade israelense). Além dos frades, ajudados por ordens religiosas femininas, estão ali os sacerdotes do Patriarcado Latino de Jerusalém, reerguido em 1847. Estima-se que em Israel e nos territórios palestinos vivam 127 mil católicos batizados.
“As relações entre a Santa Sé e Israel costumam ser analisadas dentro da narrativa da Igreja Católica e do judaísmo, o que não é totalmente certo”, explicou dias antes da reunião de segunda-feira David M. Jaeger, frade menor franciscano nascido em Tel-Aviv e especialista jurídico da delegação vaticana na comissão bilateral. “Trata-se, sobretudo, das relações entre a Igreja Católica e os governantes temporais da Terra Santa.”
Na verdade, a disputa começa com a conquista islâmica de Jerusalém em 638, com as tentativas violentas de solução por parte cristã ao lançar as cruzadas, e com o controle da Terra Santa pelo Império Otomano desde o século 16. Durante esse tempo, os papas ou os reis cristãos obtiveram dos sultões isenções fiscais que em 1947 a ONU considerou vinculatórias para os futuros Estados israelense e palestino. Só o de Israel viu a luz, mas para a Igreja Católica continua faltando uma concretização escrita desses direitos históricos que lhe permita recorrer a tribunais israelenses em caso de disputas de propriedade com judeus, muçulmanos ou cristãos não-católicos, ou se ocorrerem ocupações ou assaltos, como já houve várias vezes.
Viagem de Bento 16 a Israel, uma incógnita
Nos ambientes Vaticanos, muitos prelados não vêem sentido em uma viagem apostólica de Bento 16 a Israel enquanto não for alcançado um acordo bilateral sobre propriedades e fisco, apesar de que em julho de 2005 o então primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, convidou oficialmente o papa a visitar o país. Entregou-lhe a missiva durante uma audiência no Vaticano a então ministra das Comunicações, Dalia Itzik, que depois disse: “O papa me respondeu que Israel figura em sua lista de visitas prioritárias”. Inclusive se chegou a falar que essa viagem teria lugar no primeiro trimestre deste ano, data não confirmada, e a viagem ainda não se produziu. A atual instabilidade violenta no Oriente Médio também não ajuda.
Se Bento 16 visitar Jerusalém, será o terceiro pontífice a peregrinar pelos lugares ligados à vida de Jesus. Paulo 6º se transformou em 1964 no primeiro papa depois de São Pedro a pisar a Terra Santa, seguido de João Paulo 2º, que a visitou em 2000.
Fonte: La Vanguardia