O cardeal e arcebispo emérito do Rio de Janeiro, d. Eugênio Sales, que completa 90 anos hoje, lamentou o que chamou de conversão tardia da presidente eleita, Dilma Rousseff, na reta final da campanha eleitoral.

O religioso disse temer a pressão que grupos favoráveis à descriminalização do aborto e aos direitos dos homossexuais farão sobre a presidente. “Espero que o compromisso, que ela assumiu, ela possa cumprir.”

Apesar de classificar o homossexualismo como “anormalidade” e dizer que uma de suas preocupações no mundo é a China, d. Eugênio nega ser conservador ou reacionário. Cita como exemplo a ajuda que deu a “milhares” de refugiados de ditaduras sul-americanas e a animosidade que sofreu de militares brasileiros por se opor à tortura de presos políticos.

O cardeal repudia abusos cometidos por padres contra crianças, mas compara as denúncias de pedofilia a campanhas difamatórias nas quais o Vaticano foi acusado de conivência com o Holocausto.

Nascido em Acari, no Rio Grande do Norte, d. Eugênio foi ordenado padre aos 23 anos. Aos 33, já era bispo e tornou-se cardeal aos 48. Para ele, seu mérito foi a fidelidade à Igreja.

Como o sr. acompanhou esse processo eleitoral em que a questão religiosa entrou de forma tão enfática no debate?
Sou inteiramente contrário ao aborto e à exaltação dos homossexuais. Casamento de homem com homem é um erro. Sou contra, mas sempre digo que é importante ter paciência com as pessoas. É uma aberração da natureza. Mas não se pode jogar pedra.

O que o sr. achou desses temas terem sido usados pelos candidatos?

Lamento que isso tudo tenha acontecido e também lamento a conversão forçada da presidente eleita. Na véspera da eleição, ela declarava “não sei se é válido”, tinha uma posição. Mas também não digo se ela está sendo ou não sincera. Achei que poderia haver recuo. Graças a Deus, parece que não está acontecendo isso.

Houve uma conversão forçada da presidente eleita?

Não posso julgar a pessoa. Não sei dizer. Trato bem, mas sem elogios.

O que o sr. espera da primeira mulher presidente da República? Espero que o compromisso que ela assumiu, ela possa cumprir. Dá credibilidade. Mas ela vai sofrer pressões, também, do pessoal homossexual.

Como o sr. avalia os oito anos de governo do presidente Lula? Acho que teve muitas vantagens. Agora, vamos ver se vai ser tudo solidificado. Ele fez um governo que avançou e foi feliz em muitos pontos. A divisão de riquezas ainda é muito ruim. E ele está combatendo isso. Estou esperançoso.

Como o sr. avalia a situação do mundo hoje?

O mundo é feito de homens e os homens são limitados. Eles assumem posições que nunca levam à concórdia. Tem muita coisa difícil ainda. A China, por exemplo. Ainda é um regime marxista.

Como o sr. acompanha o atual momento da Igreja e esses casos de pedofilia?

Isso está aparecendo agora. O papa tomou a medida exata contra. Medidas severas. Isso é um crime inacreditável. Mas há também um grupo anticatólico atuando para desmoralizar a Igreja. A mesma coisa ocorreu contra os judeus. A Igreja fez tudo o que pôde no Holocausto. O papa (Pio XII, que é acusado por historiadores de ter sido conivente com o nazismo e com o extermínio de judeus) chegou a receber pedidos de judeus para que não fizesse mais declarações contra, porque Hitler castigava ainda mais.

E quanto ao posicionamento do papa Bento XVI?

Ele foi bem. Disse que os bispos tinham razão em ensinar a verdade. Acho também. Não havia motivo de causar espécie.

O sr. está completando 90 anos de vida e 67 de sacerdócio. O que foi mais importante para o sr. nesse período?

É difícil distinguir umas coisas de outras. Mas eu acho que foi a fidelidade e a dedicação total à Igreja. Eu acho que esse foi o ponto que marcou. Acho que sou uma pessoa muito normal. Não sou excepcional.

Foi uma escolha sua seguir a vida eclesiástica?

Sim. Escolha minha. A família não se opôs. Eu ia ser agrônomo. Não me arrependi nunca. Sou muito realizado. Mesmo quando era incompreendido, chamado de conservador (risos). Nunca me zanguei por conta disso. Nunca criei inimizade por isso. Não sou conservador nem avançado.

O sr. considera ter sido patrulhado pela esquerda no Brasil?

A esquerda não me tolerava. Para eles, eu era conservador, golpista.

Dos momentos mais importantes da história recente do País, o que mais marcou o sr.?

Passei por momentos difíceis. Nos anos 70, um argentino veio pedir abrigo. Rezei para decidir o que fazer. Como cidadão, não podia abrigá-lo, já que ele fugiu de outro país. Mas, como pastor, tinha a obrigação. Foram milhares (de refugiados acolhidos). Uns 5 mil. Isso gerou animosidades, mas é motivo de satisfação na minha vida pastoral.

QUEM É

D. EUGÊNIO SALES: Foi ordenado sacerdote em 1943, na cidade de Natal (RN) e é considerado uma figura emblemática na Igreja no Brasil. Aos 33 anos, foi nomeado bispo. Ele é um dos criadores das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e da Campanha da Fraternidade. No Rio de Janeiro, d. Eugênio Sales criou as Pastorais da Saúde, do Trabalhador, das Domésticas, do Menor e a Penal.

[b]Fonte: Estadão
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