Marina Silva, evangélica, colheu os frutos amargos de uma campanha violenta lançada nos templos contra Dilma Rousseff, acusada de querer legalizar o aborto.

O chefe do Estado brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, tem boas chances de ganhar sua aposta: transmitir grande parte de sua imensa popularidade à herdeira que ele escolheu para si, Dilma Rousseff, para que ela vença, no dia 31 de outubro, o segundo turno das eleições presidenciais, antes de sucedê-lo, no dia 1º de janeiro de 2011. Até lá, mais quatro semanas de campanha colocarão Dilma contra seu adversário social-democrata, José Serra.

A favorita foi levada à disputa do segundo turno por obra de uma outra mulher, a ambientalista Marina Silva, agora eliminada da corrida presidencial. Mas a amplitude de sua pontuação – quase 20% dos votos – recompensou a musa do Partido Verde com uma derrota cheia de promessas.

Marina Silva deve esse desempenho inesperado primeiramente a suas qualidades pessoais. Sua calma, seu respeito aos adversários, sua integridade, sua postura moral e a coerência de seu discurso exaltando o desenvolvimento sustentável lhe permitiram marcar sua diferença em relação a seus dois rivais, apoiados por poderosos aparelhos partidários.

Assim como Lula em outros tempos, nessa competição ela apareceu como o azarão, que com coragem e tenacidade conseguiu superar a desvantagem de uma origem modesta e de uma infância analfabeta, antes de se tornar senadora e ministra do Meio Ambiente de Lula, pedindo demissão em 2008 para expressar seu desacordo com seu ex-protetor.

Seu desempenho também resulta, a contragosto, de um fenômeno mais nebuloso: o afluxo em seu favor de milhões de votos provenientes dos fiéis das Igrejas evangélicas, que representam cerca de 20% do eleitorado.

Marina Silva, ela mesma convertida ao protestantismo evangélico, colheu os frutos amargos de uma campanha violenta e sorrateira, lançada nos templos e transmitida com fervor pela internet, feita pelos meios cristãos conservadores contra Dilma Rousseff, que eles acusam de querer legalizar o aborto, proibido no Brasil, assim como na maior parte dos países da América Latina.

Dilma Rousseff teve o azar de no passado defender uma descriminalização da interrupção da gestação em nome da saúde pública. Segundo uma pesquisa oficial, 15% das brasileiras com idade entre 18 e 39 anos – ou seja, 5,3 milhões de mulheres – abortaram pelo menos uma vez. Elas pertencem a todos os meios sociais. Mais de uma em cada duas delas teve de ser hospitalizada na sequência. O aborto mal feito e suas sequelas são uma importante causa de mortalidade no Brasil.

Próximo dos cristãos de esquerda influenciados pela teologia da libertação, Lula nunca conseguiu, em oito anos de governo, legalizar o aborto, uma medida que faz parte do programa de seu partido, mas que a Igreja repudia.

O Brasil, maior nação católica do mundo, tem seus arcaísmos e seus tabus, que podem ser aceitos ou criticados, dependendo do ponto de vista. O aborto faz parte deles. É uma pena que esse grave problema social, em vez de incentivar um verdadeiro debate, esteja sendo usado com máquina de guerra eleitoral.

[b]Fonte: Le Monde
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