Os padres de base receberam com ceticismo o “motu proprio” de Bento 16, que libera a missa em latim a partir de 14 de setembro. Contudo, segundo o texto papal, eles são os principais interessados nesta decisão, que daqui para frente permite que um grupo de fiéis peça diretamente ao padre local para celebrar uma missa ou um sacramento conforme o rito antigo.

As ressalvas dos sacerdotes dizem respeito a questões teológicas e práticas. “Para mim, e, acredito, também para muitos paroquianos, trata-se de um retrocesso”, considera Christian Kamenisch, padre em Ostwald (departamento do Baixo Reno). “Eu temo que este texto dê aos fiéis a imagem de uma Igreja voltada para si mesma, apegada à sua organização interna”.

Esse temor é compartilhado por André Dhelin, padre em Maubeuge: “É verdade que a Igreja precisa de símbolos, mas não deste. Ele oferece para alguns detratores um argumento suplementar, que lhes permite afirmar que a Igreja se preocupa mais dela mesma que do mundo”.

“Esta não é a nossa prioridade”, confirma Pierre Legrand, padre em Bordeaux. “Nós temos tantas outras coisas por fazer para evangelizar as pessoas”.

O argumento do papa, para quem este texto foi concebido no sentido de favorecer “a unidade” da Igreja com os católicos tradicionalistas e os dissidentes, não chega a surtir muito efeito. “Tanto melhor se isso os conforta em sua busca que visa a acolher tendências divergentes, mas não era necessário colocar este debate de volta à mesa”, estima Max de Guibert, padre em Sarthe.

“O papa procurou aproximar-se de pessoas para as quais a missa em latim, de fato, não passa de um mero detalhe. O que separa essa gente da Igreja é a sua recusa do (concílio) Vaticano II, do ecumenismo, da abertura”, considera Pierre Gacogne, padre em Lyon, para quem esta iniciativa é “inoportuna”.

“Eu acho que estão fazendo muitas concessões para esses cristãos que passam de uma Igreja a outra; sobretudo, se nós compararmos com o que tem sido feito para todos aqueles que abandonam a Igreja e dela saem na ponta dos pés, principalmente para os cristãos divorciados que querem se casar de novo”, acrescenta Paul Bertin, um padre em Rennes.

“Trata-se de uma garantia suplementar que está sendo oferecida aos integristas, ao passo que para a Igreja da França, que tanto sofreu o cisma, esta decisão vem reabrir antigas feridas”, diz Christian Delorme, um padre de duas paróquias em Lyon.

Mais comedido, Jean-Michel Guarrigues, um dominicano, em Bordeaux, estima que “a coexistência dos dois ritos pode conduzir a um enriquecimento”. Michel Wackenheim, um padre cuja paróquia fica ao norte de Estrasburgo, também estima que “o papa está agindo certo”, considerando-se as pressões que emanam dos grupos tradicionalistas.

Contudo, na realidade, ninguém está prevendo a ocorrência de uma enxurrada de pedidos, uma vez que as necessidades de ofícios em latim já estão bastante cobertas, conforme lembraram os bispos de diversas regiões no texto de apresentação do “motu proprio” que eles enviaram para os padres. Alguns deles já avisaram que se recusarão a satisfazer às solicitações dos tradicionalistas.

Este é o caso de Roger Michel, padre em Valence. “Para as gerações de sacerdotes que foram ordenados depois de 1965, este rito antigo faz surgirem muitas dúvidas: como devem agir os padres e os laicos que se dedicaram ao trabalho litúrgico do pós-concílio Vaticano II?”

Por sua vez, Christian Kamenisch se diz “bastante embaraçado”. “Eu não sei falar nem ler em latim e talvez haja coisas mais importantes para serem feitas do que passar o verão aprendendo-o”. Já, Christian Delorme se considera, ele também, “pessoalmente incapaz de dizer uma missa em latim, tanto quanto em chinês. Se um pedido me for feito, eu reportarei o fato ao bispo”. Esta atitude é amplamente compartilhada pelos seus colegas.

Os padres de paróquias, a maioria dos quais está impregnada do espírito de Vaticano II, reconhecem que alguns dos seus colegas alimentam certa simpatia pelo rito antigo. “Os jovens, pelo menos entre os dominicanos, sentem certa atração pela missa em latim”, assegura Jean-Michel Guarrigues. “Isso não quer dizer que eles irão oficiá-la sob qualquer pretexto, mas muitos deles irão aprender o latim. Assim como muitos jovens católicos fervorosos, eles sofreram com certa dessacralização da liturgia depois do concílio Vaticano II”.

“A busca por um maior sacramentalismo não será necessariamente atendida pelo fato de dizer uma missa de costas para o povo”, diz Vincent Steyert, padre de duas grandes paróquias em Estrasburgo. “Ao contrário, esta busca diz respeito a uma celebração na qual aquele que a preside saiba ser discreto”.

Fonte: Le Monde

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