Esta semana, um grupo de cerca de 200 médicos da Andaluzia, no sul da Espanha, denunciou a Secretaria de Saúde por uma suposta perseguição aos profissionais que se recusam a cumprir a lei, baseados em questões ideológicas.
Três meses depois de entrar em vigor, a nova lei do aborto na Espanha –que permite a interrupção da gravidez até as 14 semanas de gestação– continua dividindo a sociedade e está no centro de uma polêmica envolvendo médicos que se recusam a realizar o procedimento.
Em outras Províncias espanholas a briga chegou aos tribunais. A Associação de Médicos de Toledo, na região central do país, processou a Secretaria de Saúde e Bem Estar de Castilha-La Mancha por obrigar médicos, enfermeiros, anestesistas e parteiros a fazer abortos, mesmo que estes trabalhadores se declarassem impossibilitados por problemas de consciência ou religião.
“O tribunal de Castilha-La Mancha aceitou este direito dos profissionais da área médica de se declarar contrários (à prática), mas ainda há muita resistência em administrações que insistem em impor uma lei que contraria o clamor da sociedade espanhola”, disse à BBC Brasil o porta-voz da Associação Nacional pelo Direito à Objeção de Consciência, José Antonio Díaz.
“O governo socialista sabe bem que se houvesse um plebiscito, esta lei seria rejeitada pelo povo. Recebemos em média em torno de 15 mil e-mails por dia de cidadãos pedindo que todos profissionais envolvidos em tarefas de aborto se declarem contra”, completou.
A sentença do tribunal de Castilha-La Mancha anunciada no dia 19 de setembro dá aos trabalhadores o direito de se recusar a participar de interrupções voluntárias da gestação, se isso for contra seus princípios morais ou religiosos, mas essa decisão por enquanto é única no país e só será aplicada na região.
[b]Igreja[/b]
Na dividida sociedade espanhola, a discussão sobre a lei do aborto, que entrou em vigor no dia 5 de julho de 2010, vai das ruas às instituições profissionais, religiosas e civis.
Um dos mais veementes críticos é o clero. O Papa Bento 16 disse diretamente ao embaixador da Espanha no Vaticano, Francisco Vazquez, que a Igreja Católica respalda todas as manifestações de seus representantes no país sobre a lei.
Com esta autorização, o arcebispo de Tarragona, no nordeste da Espanha, Jaume Pujol Balcells, membro do Opus Dei, recomendou em um documento distribuído aos fiéis nas missas de domingo que “é preciso obedecer a Deus, acima dos homens”, supostamente aludindo ao descumprimento da lei.
[b]Perseguição[/b]
Segundo a associação feminista Nós Decidimos (Nosotras Decidimos), desde dezembro de 2009 várias clínicas de Madri e Valência vêm sofrendo atos de vandalismo e vêm recebendo ameaças a mulheres que fazem aborto e profissionais de saúde.
“Estamos sofrendo uma perseguição destes grupos que se dizem a favor dos direitos humanos, mas que realmente não respeitam direitos de ninguém que pense diferente deles”, disse à BBC Brasil a presidente da organização, Ángeles Alvarez.
Depois que a ministra da Igualdade, Bibiana Aído, recebeu no parlamento o boneco de um feto ensanguentado, os protestos contra as feministas têm sido cada vez mais agressivos, inclusive com xingamentos e ameaças.
“Esta campanha de ultra-direita tenta provocar um passo atrás na evolução da sociedade, criar intimidação. O que defendemos é o básico direito de escolher o que é melhor para nossas vidas. A lei não obriga ninguém a nada, só dá uma opção justa e legal”, afirmou Ángeles Alvarez.
A Federação Internacional de Associações Médicas Católicas (FIAMC) não concorda.
“Chamar o aborto de opção justa é uma barbaridade”, disse à BBC Brasil o presidente da FIAMC, Dr. José Maria Simón Castellví.
Junto com a Federação de Farmacêuticos Católicos, a FIAMC mandou uma carta ao Parlamento da União Europeia (UE), pedindo a intervenção do tribunal da UE na Espanha em defesa dos profissionais da área médica que se recusam a cumprir a lei por questões morais.
“Esta lei representa uma violação gravíssima dos princípios profissionais e da liberdade dos cidadãos”, explicou.
[b]Queda no número de abortos
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A lei aprovada pelo Parlamento espanhol permite o aborto até as 14 semanas de gestação ou até a 22ª semana de gravidez em caso de má formação ou risco para a gestante.
O capítulo mais polêmico é o que prevê que menores de 16 anos possam realizar o aborto sem o consentimento dos pais ou responsáveis, embora estes tenham o direito de ser informados sobre a decisão.
Apesar da aplicação da nova lei, o número de abortos na Espanha caiu em 2010. Segundo as estatísticas do Ministério da Saúde, é a primeira queda desde 1998, quando começaram a ser colhidos dados oficiais.
A redução foi de 3% até julho. Entre as mulheres que realizaram abortos, 43% eram imigrantes.
O principal partido da oposição, Partido Popular, promete revogar a lei do aborto se ganhar as eleições nacionais de 2012.
[b]Fonte: Folha Online
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