Para milhões de católicos, o padre Pio (foto) era um homem santo, cujo sangramento nas mãos eram estigmas, sinais sobrenaturais de sua fé profunda e de seus poderes miraculosos. Mas um novo livro sugere que o padre italiano, que morreu em 1968 e foi santificado pelo papa João Paulo II, cometeu fraude, causando seus próprios ferimentos.
O livro vem atraindo a fúria de fiéis, que acusam o autor de “calúnia anticatólica”.
Em “Padre Pio, miracles and politics in 20th century Italy” (“Padre Pio, Milagres e Política na Itália do Século 20”), Sergio Luzzatto revela que o Vaticano era inicialmente cético em relação ao padre, cuja imagem é popular em casas, lojas e restaurantes em toda a Itália.
“O trabalho de um historiador não é dizer se um milagre é verdadeiro ou falso”, disse Luzzatto à Reuters em entrevista pelo telefone. “É entender por que, em um país como a Itália, que no século 20 podia ser considerado secular, os milagres são tão proeminentes, o que isso diz sobre a Itália?”
Com acesso a arquivos do Vaticano, Luzzatto encontrou evidências de que o padre capuchinho encomendou secretamente garrafas de ácido carbólico, que ele poderia ter usado para criar as feridas em suas mãos, semelhantes às do Cristo crucificado.
Com a fama do padre crescendo no começo do século 20, altas autoridades do Vaticano desconfiaram de que ele poderia ser uma fraude, mas a torrente de devoção foi se tornando grande demais, e a Igreja acabou tolerando e, mais tarde, reverenciando o padre.
Pio morreu em 1968, aos 81 anos, 50 anos depois de anunciar sua primeira experiência de estigmas. Em 2002, o papa João Paulo II canonizou o padre como Santo Pio de Pietrelcina, depois de encontrar evidências da cura miraculosa de uma mulher doente, devido à intervenção do padre.
Infalibilidade papal
A popularidade do santo na Itália é imensa. Seu local de nascimento, no norte da Itália, foi transformado em um santuário que atrai multidões de peregrinos. Um estudo de uma revista católica no ano passado constatou que mais católicos italianos rezam para ele do que para qualquer outro ícone da fé, incluindo a Virgem Maria e Jesus Cristo.
Mesmo antes da publicação do livro esta semana, trechos publicados em um jornal nacional geraram muita polêmica. “Lembramos ao professor Luzzatto que, de acordo com a doutrina católica, a canonização implica em infalibilidade papal”, disse Pietro Siffi, líder da Liga Católica Antidifamação, em comunicado no site do grupo na internet.
Em referência às origens judias de Luzzatto, Siffi acrescentou: “Podemos sugerir que o professor Luzzatto coloque suas energias no estudo de sua própria religião, uma vez que, quando se trata de estudar o cristianismo, e o catolicismo em particular, parece que ele passa dos limites.”
Luzzatto, que leciona na Universidade de Turim, rejeitou a noção de que a história católica deva ser objeto de estudo exclusivo de católicos. “Ninguém pergunta a um pesquisador da história grega: ‘Você acredita em Júpiter?’ Não é relevante para um historiador responder a esse tipo de pergunta.”
Declarando-se agnóstico, Luzzatto diz que não acredita em estigmas, mas acredita que a história do padre Pio revela muita coisa sobre a Itália e a Igreja Católica Romana, que, em sua análise, aprendeu a amar o padre apenas depois que ficou claro que ele tinha um grande número de devotos.
“Essa história mostra que a Igreja às vezes tem de se resignar a deixar as camadas mais baixas vencerem, em vez da hierarquia.” “Não há dúvidas de que, mesmo que o padre Pio já tivesse defensores no alto escalão da Igreja nos anos 1930 e 1940, esse é um dos casos em que a base venceu.”
Fonte: Estadão