
O mandamento de Jesus “Ame o seu próximo como a si mesmo” (João 15:12) parece ter sido esquecido por alguns cristãos. Isso porque 59% das agressões por racismo religioso seriam cometidas por evangélicos, segundo uma pesquisa divulgada no Seminário Nacional da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), realizada com a participação da Coordenação de Liberdade Religiosa (CGLIB) e da Secretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (SNDH) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).
Também colaboraram o Grupo de Pesquisa Museologia Experimental e Imagem (MEI) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), a Defensoria Pública da União (DPU) e o Instituto Raça e Igualdade. A pesquisa ouviu líderes de 511 terreiros em diversas regiões do país, que relataram ataques físicos, emocionais e simbólicos.
Os evangélicos aparecem como o grupo principal por trás das agressões registradas. O levantamento apontou que 77% dos terreiros entrevistados sofreram racismo religioso e 74% das lideranças relataram ameaças ou destruição de casas sagradas. Apenas cerca de 26% das vítimas conseguiram registrar boletins de ocorrência.
O pastor Helio Carnassale, palestrante e consultor internacional em Liberdade Religiosa e mestre em Ciências da Religião, explica que infelizmente isso ainda acontece por conta da intolerância religiosa, ou seja, muitos crentes acreditam que a sua religião é a certa e que todas as outras crenças estão eradas, por isso devem ser “punidas”.
“Toda manifestação de intolerância religiosa que se consuma com violência verbal, física, emocional, parte de um senso de exclusividade, ou seja, a pessoa pensa que existe apenas uma verdade absoluta e todos aqueles que diferem dessa verdade, não merecem espaço, nem voz, nem o direito de escolher. Se isso acontece, estamos negando o princípio de reconhecer que liberdade religiosa é um direito de todos e pode ser usufruído sem nenhuma restrição ou consequência com respeito à escolha”, ressalta.
Segundo Carnassale, o fato da pessoa não concordar com a escolha da religião do outro não lhe dá o direito de ser violento. “Eu posso discordar completamente dos motivos religiosos de quem quer que seja, mas isso não me dá o direito de partir para agressão ou violência. O mesmo direito que tenho de escolher a minha fé e praticar a minha religião, o outro também tem. Esse princípio está garantido na nossa Constituição Federal e é um princípio importantíssimo que dá dignidade ao ser humano”, alerta.
Bíblia é contra a intolerância religiosa
Além disso, o pastor lembra que a intolerância religiosa é totalmente contrária aos princípios bíblicos. Ele cita Mateus 22, quando o Jesus diz, “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento. Esse é o grande e primeiro mandamento. O segundo semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
E também Mateus 5:43, “Ouvistes o que foi dito o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu porém vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o sol sobre bons e maus e vir chuva sobre justos e injusto”. E completa com do Mateus 7:12: “Tudo quanto pois quereis que os homens vos façam, assim fazei vós também a eles, porque esta é a lei dos profetas”.
“Esses três princípios da vida cristã seriam mais do que suficientes para impedir qualquer ato odioso, discurso odioso, perseguição, injúria e violência por qualquer razão e ainda mais especialmente por escolha religiosa. O cristianismo é a religião do amor”, enfatiza.
Cultos são interpretados como nocivos por alguns evangélicos, diz pastor
Já o pastor Amauri Oliveira, presidente da Agência Presbiteriana de Missões Transculturais (APMT), acredita que não faz sentido falar em “racismo religioso”, uma vez que o racismo está relacionado à raça e não à crença. Ele aponta dados do IBGE de 2022, onde mostram que 42,7% dos praticantes de religiões afro-brasileiras são brancos, 33,1% são pardos e apenas 17,1% são pretos.
“Esse dado demonstra que a questão religiosa transcende a racial, e, nesse aspecto, considero que a pesquisa parte de uma premissa equivocada. Além disso, um segundo fator, em uma análise honesta, é possível observar que há um olhar mais agressivo dos evangélicos em relação a essas religiões, pela essência delas”, afirma.
Na visão de Oliveira, os “caboclos” ou orixás, comumente chamados de deuses ou entidades invocadas nas religiões de matriz africana, para os evangélicos, são frequentemente vistas como demônios, e, portanto, tais cultos são interpretados como nocivos tanto para seus praticantes quanto para o país como um todo.
“Na visão dos evangélicos, os demônios são inimigos; assim, seus ‘adoradores’, em associação a essas entidades, também acabam sendo vistos equivocadamente como ‘inimigos’. Dessa percepção surge a agressividade errônea de alguns evangélicos em relação a esses locais e estilos de culto. Entendo que isso não se relaciona ao racismo; o que incomoda os evangélicos não é a cor dos seguidores desses cultos, mas sim as entidades invocadas neles, ou seja, a própria natureza dessas práticas”, justifica.
Por outro lado, o pastor reconhece a necessidade de respeito aos adeptos dessas religiões e a seus espaços sagrados. “Mas grande parte de nós, evangélicos, não compartilha desse entendimento. Em minha percepção, os mais hostis a essas religiões, e que se mostram mais agressivos e desrespeitosos, são o seguimento evangélico neopentecostal, e entre eles em grande parte são ex-praticantes desses cultos”, pontua.
Para o pastor Sandro de Oliveira Lopes, líder da Igreja do Evangelho Quadrangular de Itapuã, em Vila Velha, região da Grande Vitória, como não há detalhes sobre a metodologia da pesquisa, nem a nem como esses dados foram aferidos, é difícil estimar a realidade desse preconceito praticado por evangélicos.
“Não estou dizendo que ele não existe, mas sim que sem sabermos o número de pessoas entrevistadas, sua escolaridade, renda per capita, tempo que frequenta uma igreja, localidade geográfica dentre outros fatores acho vagos esses números. Os fatores podem ser os mais diversos, porém acredito que todos têm o direito de cultuar o que acharem por direito. Vivemos em um estado laico onde o qual a liberdade de culto deve ser livre”, finaliza.
Fonte: Comunhão
