A ex-senadora evangélica, que obteve cerca de 20 milhões de votos nas eleições de 2010, anunciou sua saída do PV em reunião com lideranças do partido, em São Paulo.
A ex-senadora Marina Silva anunciou na tarde desta quinta-feira a sua saída do Partido Verde. Ela evitou criticas mais duras ao partido. “Eu mesma e tantos companheiros estamos nos afastando do Partido Verde”, disse.
– Não se trata de saída pragmática, de olho nos calendários eleitorais. É parte, não é o fim, não é o todo. Ao contrário, é a negação do pragmatismo a qualquer preço – concluiu Marina. – Agora é hora de ir mais fundo, hora da verdade para nós e para a sociedade. Mudar o que é pra ser mudado, e preservado o que deve ser preservado. Não é hora de ser pragmático, é hora de ser ‘sonhático’ e de agir pelos nossos sonhos.
Marina deixa o PV porque, entre outros motivos, não conseguiu convencer o presidente do partido, José Luiz Penna, há 12 anos no cargo, a convocar uma convenção para escolha de uma nova direção.
Em tom filosofal, a ex-senadora Marina Silva afirmou nesta quinta-feira, durante o anúncio do seu desligamento do PV, que não está pensando nas eleições presidenciais de 2014. No pleito do ano passado, o desempenho de Marina, que recebeu cerca de 20 milhões de votos, foi considerado surpreendente.
“Nosso debate hoje não pode ser o das eleições em 2014. Quando as pessoas me perguntam: ‘e aí, 2014?’. Eu digo: ‘não sei’. Estou sendo sincera, verdadeira. Não sei”, disse. “Nunca me imaginei candidata em 2010, e não vou ficar na cadeira cativa de candidata em 2014.”
Em entrevista coletiva após anunciar sua saída do Partido Verde (PV), a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva assumiu que ainda não tem clareza sobre qual será sua postura política daqui em diante. A ex-senadora reafirmou que neste momento não vai criar um novo partido, apenas “um movimento”, a ser lançado em setembro.
Indagada por uma jornalista sobre qual seria a definição de seu estilo, ela afirmou que o movimento –que eventualmente pode gerar uma nova sigla– vai “metabolizar uma nova forma [de fazer política]”.
Segundo ela, o “mundo inteiro não sabe como ela [a nova política] é”. “Ela não tem fórmula. Eu compreendo a pergunta. Mas eu também estou em uma expectativa”, assumiu.
Marina disse que não vê problema na indefinição. Como ela afirmou, não se deve criar “a velha ideia” de liderança que “sabe de tudo e do resto”. “É uma construção”, disse a ex-senadora, que lembrou que “tudo” o que o homem pretendeu planejar com começo, meio e fim, “foi um tremendo fracasso”.
De toda forma, ela deu uma amostra do que se pode esperar da nova fase da ex-verde. Segundo Marina, o seu rompimento com o PV já demonstra que seu perfil não é de quem gosta de ficar “submetido a uma estrutura”, “dando jeitinhos” para conseguir suportar as regras atuais com objetivo de conseguir se candidatar em eleições futuras.
No ato público organizado nesta quinta-feira (7) em São Paulo, a ex-senadora afirmou ainda que sua saída do PV não “é o fim”. “Não é o fim. É o início”, disse. “Não é momento para ficarmos tristes, mas um momento para ficarmos tristes e alegres.”
Marina começou sua fala criticando as distorções do sistema político. Na sua visão, os partidos brasileiros estão transformando os eleitores em meros “espectadores”. Segundo ela, seu “foco principal” nessa “caminhada esperançosa” é “sensibilizar os brasileiros e brasileiras” que acabam ficando de fora das decisões importantes do país.
A ex-senadora também negou que a troca de sigla tenha somente fins eleitorais. “Não se trata de uma saída pragmática com olhos postos em calendários eleitorais”, disse. “É preciso reagir e chamar mais e mais pessoas para um debate sobre nosso futuro.”
Marina sustentou ainda que, “da forma como (o PV) foi estruturado”, “não foi possível” levar adiante seus planos políticos na sigla. “Não é hora de ser pragmático. É hora de ser sonhático”, disse ao finalizar seu discurso. Guilherme Leal, seu companheiro de chapa nas últimas eleições, também deixou o partido.
Antes dela, discursaram outros nomes da legenda. O ex-deputado Fernando Gabeira (RJ) e o deputado federal Alfredo Sirkis (RJ) criticaram os rumos do PV e defenderam a criação de um novo partido, em data ainda não definida, e a criação de um movimento suprapartidário. Sirkis anunciou sua saída da legenda e Gabeira demonstrou apoio à causa de Marina.
Em nota oficial divulgada hoje, o PV afirmou que “está passando pela primeira grande crise de crescimento” e nega que não haja democracia interna na legenda.
[b]Histórico[/b]
A saída de Marina acontece nove meses após o primeiro turno da eleição para a Presidência da República, quando ela saiu politicamente fortalecida ante seus cerca de 20 milhões de votos, e já em meio aos acordos partidários que antecedem a sucessão municipal de 2012.
Há semanas a desfiliação é cogitada, em meio a desgastes internos que se arrastam pelo menos desde março com a cúpula do PV. Em março, reportagem da Folha de S.Paulo antecipava a disposição da ex-senadora em deixar o PV após o presidente do partido, o deputado federal José Luiz Penna (SP), ter liderado uma manobra na Executiva Nacional para prorrogar o próprio mandato.
A reportagem tentou ouvir Penna sobre a saída de Marina, mas a assessoria de imprensa da legenda informou que ele se manifestaria, “talvez”, apenas após o anúncio da colega na capital paulista.
[b]Analistas comentam
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Analistas políticos consultados pela reportagem no Rio e em São Paulo acreditam que a saída de Marina do PV é consequência de mudanças na legenda não apenas após o pleito de 2010, mas também nos últimos anos. Para os especialistas, a forma como Marina atuará será decisiva para os resultados da sucessão presidencial em 2014.
Para o cientista político Carlos Melo, do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), Marina não conseguiria se viabilizar hoje “em partido algum”. “Porque as estruturas partidárias estão todas viciadas: os partidos têm donos, têm projetos pessoais e grupos articulados com outros interesses e compromissos –e por mais sucesso que um ‘forasteiro’ tenha, esse caciquismo está presente em todos.”
Melo acredita que o mais adequado, após a saída do PV, seria que a ex-senadora e os defensores de suas propostas formassem uma organização própria que abraçasse outras causas sociais, e não apenas a ambiental. A partir dessa base, defende, a participação no pleito municipal do ano que vem seria base importante para a disputa de 2014.
“Infelizmente, a meu ver, a Marina deixou de manifestar o novo –e talvez os 20 milhões de votos que ela recebeu expressassem algo novo em meio a essas estruturas viciadas. E esse ‘novo’ precisa de novo surgir. Nesse momento é importante ela e seus companheiros se expressarem por meio de uma ONG, de toda a rede social que ela montou e que minguou muito da eleição para cá. E seria de bom grado que pudesse organizar minimamente um partido e disputasse, com uma agenda nova, uma grande capital brasileira –o Rio seria a cara dela, ou até mesmo São Paulo”, classificou Melo.
O professor de Ciência Política da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Jairo Nicolau afirma que o PV nacional, que buscou inspiração no PV europeu, encontrou realidade divergente no Brasil “porque aos poucos foi perdendo as pessoas que abraçavam a agenda original do PV”. Para o analista, a legenda se tornou “um partido tradicional; perdeu o charme”.
“Nesse contexto, a Marina acabou ficando em uma sinuca de bico. Como liderança civil, ela deveria fortalecer sua atuação na sociedade em torno do debate dos grandes temas e só então, depois das eleições do ano que vem –pois não haveria tempo hábil para criar uma sigla agora–, pensar um partido próprio”, afirmou Nicolau. “Ela não deveria ficar orientada pela recandidatura. Sua contribuição é muito maior como liderança civil, descolada de um certo oportunismo eventual.”
[b]Biografia[/b]
A estreia de Marina em uma disputa eleitoral foi em 1986, ainda filiada ao PT, quando tentou uma cadeira na Câmara dos Deputados. Como o partido não atingira o quociente eleitoral mínimo, não foi eleita, apesar de expressiva votação. Dois anos depois, foi eleita a vereadora mais votada de Rio Branco (AC).
A eleição como deputada estadual veio em 1990, e, aos 36 anos, em 1994, se elegeu a senadora mais jovem da história do país. Reelegeu-se em 2002 e no ano seguinte, em janeiro, assumiu o Ministério do Meio Ambiente na nova equipe do então recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Marina deixou o ministério em maio de 2008 alegando, em carta endereçada a Lula, que a decisão estava atrelada a dificuldades “para dar prosseguimento à agenda ambiental federal”. Em agosto do ano seguinte, se desfiliou do PT e, 11 dias depois, anunciou o ingresso no PV. Foi pela sigla que concorreu ano passado à Presidência, ao lado do empresário Guilherme Leal, seu vice.
Nascida em uma pequena comunidade do Acre chamada Breu Velho em 8 de fevereiro de 1958, filha de pais nordestinos, Marina deixou a região dos seringais para trabalhar como empregada doméstica e estudar na capital do Estado. Lá, se formou em História. Mas foi pelo contato com o líder seringueiro Chico Mendes que acabou abraçando a vertente social. Seguiu essa linha por meio do envolvimento com a Teologia da Libertação e com as comunidades eclesiais de base, mas também pelo auxílio na fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) no Acre.
[b]Fonte: O Globo e UOL[/b]