A chanceler federal alemã, Angela Merkel (foto), criticou a falta de uma referência a Deus ou ao cristianismo no tratado da Constituição européia. A definição de um cronograma para a aprovação do texto é a principal meta da Alemanha na presidência rotativa da União Européia.
Em entrevista publicada nesta segunda-feira (22/01) pela revista Focus, Merkel pediu uma defesa dos valores cristãos pelos países-membros da UE. “Eu gostaria de ter visto uma menção clara às raízes cristãs [da Europa]”, disse.
Segundo Merkel, presidente da União Democrata Cristã (CDU) e filha de pastor luterano, “existe o risco de que, sem essa referência, se perca aquilo que há de determinante do cristianismo para a política do dia-a-dia”. Ela lembrou a menção à “responsabilidade diante de Deus e dos seres humanos” existente no texto da Constituição alemã.
Referindo-se às contribuições judaica, cristã e muçulmana à cultura ocidental, Merkel ressaltou, porém, que “a Europa não é um clube de cristãos e, sim, um clube de valores. A Europa precisa estar disposta a lutar por estes valores”.
“Não vamos aceitar posições segundo as quais a dignidade humana é violável ou que homens e mulheres devem ter diferentes possibilidades de realização”, afirmou. Na opinião de Merkel, a profissão do cristianismo não excluiria ninguém. “Tivemos tanto medo de excluir adeptos de outras religiões que renunciamos à defesa de nossas convicções”, afirmou.
Presidente do Bundestag apóia idéia
O presidente do Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão), Norbert Lammert, também defende a posição de Merkel. Em palestra a 3300 lideranças cristãs, na última quinta-feira (19/01) em Leipzig, ele disse que “seria uma transgressão à verdade histórica e à retidão intelectual se a Constituição negasse a importante menção às raízes religiosas e culturais da Europa”.
Segundo Lammert, sem um mínimo de convicções básicas, não há coesão social. Ele classificou como “cerne da civilização ocidental a ligação entre fé e razão”. O preâmbulo do atual texto menciona as “tradições culturais, religiosas e humanistas da Europa”.
Igrejas pressionam
O presidente da Conferência dos Bispos Alemães, cardeal Karl Lehmann, saudou o apelo de Merkel. Ele disse à Focus que “a falta de uma menção a Deus na Constituição européia questiona o cristianismo, se ele é suficientemente forte para dar um testemunho intelectual da fé. Se ficasse claro no preâmbulo que também a religião com a respectiva cultura faz parte dos fundamentos da Europa, isso já seria um avanço inicial”.
Em nota publicada em 1º de janeiro, quando a Alemanha assumiu a presidência da UE, o Conselho das Igrejas Luteranas na Alemanha (EKD) também reiterou o pedido de uma “referência expressa à responsabilidade diante de Deus e ao significado da tradição judaico-cristã” na Constituição européia.
Críticas
Merkel já havia defendido anteriormente uma referência ao cristianismo, o que divide as opiniões desde o início da elaboração do texto. Os governos da França, da Bélgica e de Luxemburgo, defensores de uma estrita separação entre Igreja e Estado, rejeitam a proposta, que, na opinião de críticos, também dificultaria o eventual ingresso da Turquia (país majoritariamente muçulmano) na UE.
Representantes de várias organizações não cristãs também se opõem à idéia. A União Internacional dos Ateístas e das Pessoas sem Confissão, sediada em Hagen, na Renânia do Norte-Vestifália, manifestou-se preocupada com a nova reivindicação dos políticos alemães.
“Os tempos em que o poder político era baseado na religião passaram. Estados modernos e organizações supranacionais não precisam de um fundamento religioso. Seu fundamento é a vontade do povo, e o fundamento de seus valores é a vontade popular de garantir o respeito a esses valores”, afirma a entidade em seu site na internet.
Segundo a Associação dos Humanistas Alemães, como apenas uma parcela mínima da população ainda se considera religiosa, a menção a Deus “não faria sentido, seria anacrônica e discriminaria cidadãos sem convicção religiosa. A cidadania européia fundamenta-se na diversidade cultural, não na convicção religiosa”.
Fonte: DW World