Os bispos espanhóis voltam ao ataque. Sabem que o governo está preparando o rascunho da reforma do aborto e querem que este se adapte a suas exigências.
Não estão de acordo – nunca o estiveram – com a descriminalização de 1985 nem com a lei de prazos de 2010. A interrupção voluntária de uma gravidez, de um projeto de vida, é contrária a suas crenças, e, portanto, é totalmente consequente que, utilizando a liberdade de expressão de que dispõem, levantem sua voz contra uma legislação que deploram.
Nesse campo, a Igreja Católica está em seu direito – e eu acrescentaria que em seu dever – de alertar contra isso. Mas de fora a questão é outra. A questão é avaliar em sua justa medida o peso político de sua opinião. Porque, com efeito, como disse Alfonso Alonso, porta-voz do Grupo Popular, as leis são feitas pelo Parlamento, e não por uma confissão religiosa. Mas também porque um Estado laico como a Espanha deveria ser capaz de limitar o poder de influência de uma hierarquia religiosa que, para culminar, está sendo mais que questionada pela sociedade. É o que demonstra uma pesquisa da Metroscopia publicada no domingo (21) pelo “El País”.
A pesquisa mostra que a maioria dos espanhóis não é a favor de uma reforma hiper-restrita do aborto, como pretende Alberto Ruiz-Gallardón, e que a sociedade espanhola é extremamente crítica com a atuação, os modos e as regras da Igreja Católica.
Não é de estranhar. Diante dos problemas que afetam de maneira maciça as pessoas – o desemprego, a desigualdade social, o empobrecimento -, o presidente da Conferência Episcopal Espanhola, Antonio María Rouco, chama a atenção do governo de Mariano Rajoy por não ter anulado a lei do casamento homossexual e a do aborto.
Especialmente ridícula foi a denúncia do bispo de Alcalá, Juan Antonio Reig Plà, afirmando que por trás da lei do aborto se esconde uma conspiração internacional que busca reduzir a população. Segundo ele, os promotores da conjuração são a ONU, o Parlamento Europeu e os governos e sindicatos.
Clamar contra o aborto em defesa da vida é discutível, mas coerente. Fazê-lo porque prejudica a população de uma instituição cujos pastores – sacerdotes e freiras – têm proibido o casamento, e em consequência a procriação, parece uma piada.
Os espanhóis, católicos ou não, querem uma Igreja mais comprometida com os pobres, com menos ostentação e liturgia e que não discrimine as mulheres. Em vez disso, temos uma Igreja que, longe de seu projeto enunciado no acordo com o Estado, não vive das contribuições de seus fiéis, e sim da subvenção pública. Agora, além disso, influi como nunca nos processos legislativos, graças à receptividade deste governo, que legisla em seu favor na reforma educacional e que não fez um só gesto para acabar com seus privilégios, embora tampouco o tenham feito os Executivos anteriores.
A organização Europa Laica calcula que o Estado concede anualmente à Igreja Católica 11,337 bilhões de euros por diversos conceitos – entre eles as isenções fiscais que lhes permite viver praticamente em um paraíso fiscal. Marcar com um X o quadradinho do Imposto de Renda é um gesto que sai grátis. Não obriga os que o fazem a pagar um pouco mais, e sim compromete a Fazenda a subtrair da arrecadação geral a parte proporcional correspondente.
Agora, como grande avanço, o governo e a própria Igreja Católica apresentam sua proposta de incluir a instituição na lei de transparência. Por quê? É uma forma de consolidar sua posição de privilégio? As ONGs e, em geral, as instituições sociais sem fins lucrativos devem prestar contas ao Estado de como gastam o dinheiro recebido para cada programa subvencionado. A lei de transparência é uma ferramenta para que o cidadão saiba como as administrações públicas gastam seu dinheiro. Por isso a Coroa ficou de fora, em princípio, porque, disse o governo, não é uma administração pública. Por acaso o é a Igreja Católica? Serão incluídas na lei todas as ONGs e todas as confissões?
Essa proposta aparentemente tão bem intencionada soa na realidade como uma fraude, um subterfúgio refinado para conseguir que a Igreja Católica, apesar da opinião contrária dos espanhóis, continue ocupando esse lugar que, segundo os parâmetros democráticos, já não lhe corresponde.
[b]Fonte: El País[/b]