Milhares de brasileiros que, nos últimos anos, migraram para Portugal, têm procurado abrigo nas igrejas evangélicas. Segundo o advogado Fernando Soares Loja, vice-presidente da Comissão de Liberdade Religiosa (CLR), quatro em cada 10 cidadãos oriundos do Brasil que vivem em Portugal são evangélicos.
Há quem assegure que essa proporção é maior, dada a coincidência do forte crescimento da comunidade brasileira em território luso com o aumento expressivo das pessoas que seguem a religião evangélica.
Entre 2011 e 2021, a população de brasileiros legais em Portugal passou de 111,4 mil para 204,7 mil. No mesmo período, o total de evangélicos saltou de 75 mil para 186 mil, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (INE).
“Na minha avaliação, não dá para fazer o cruzamento desses dados com precisão. É verdade que o incremento no número de evangélicos em Portugal tem muito a ver com a migração de brasileiros, mas também houve aumento entre cidadãos dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Alemanha, da Dinamarca e da Suécia, que são, tradicionalmente, protestantes e entram nas mesmas estatísticas”, explica Soares Loja. Para ele, os dados colhidos pelo INE também refletem a maior confiança das pessoas em explicitar sua opção religiosa. Até 30 anos atrás, num país majoritariamente católico, as minorias se sentiam intimidadas. “Isso mudou ao longo dos anos. Hoje, a liberdade religiosa é uma realidade em Portugal”, assegura.
A presença maior de evangélicos em Portugal é reforçada por outro dado colhido pela CLR: das 50 igrejas abertas de Norte a Sul do país nos últimos quatro anos, 90% são evangélicas. “É uma informação surpreendente”, reconhece a professora Luísa Godinho, mestre e doutora pela Universidade de Genebra, na Suíça. Proporcionalmente, contudo, os evangélicos ainda são menos de 3% da população portuguesa, mas a tendência é de que esse grupo continue crescendo.
No entender da professora, trata-se de um movimento natural, uma vez que Portugal se abriu para os imigrantes. Mas ela faz uma ressalva: “O importante é que os novos grupos religiosos não tragam consigo o conservadorismo exacerbado, o fundamentalismo. Portugal, assim como Espanha e Itália, são países mais atrasados que o restante da Europa justamente porque a Igreja Católica e o Estado quase sempre foram uma coisa só”, explica.
Portas Abertas
Líder da Associação Adonai Church, em Almada, cidade separada de Lisboa pelo rio Tejo, o pastor Fabrizio Santos, 44, descarta rótulos. “Estamos com as portas abertas para todos. A nossa missão é acolher, e isso independe se a pessoa veio da umbanda, do espiritismo, do catolicismo ou de qualquer outra religião”, ressalta.
Ele diz que a procura pela igreja por brasileiros tem sido cada vez maior, pois muita gente está vendo frustrados os planos de mudança para Portugal. “Outro dia, um dos nossos fiéis encontrou um casal, com uma criança, dormindo em uma estação de trem porque não tinha mais dinheiro para nada. Além de moradia por quase 15 dias, conseguimos arrumar emprego para eles”, relata.
Para o pastor, é importante assinalar que, mesmo 80% da população com mais de 15 anos de Portugal se dizer católica, a liberdade para cultos de outras religiões é grande. Ele lembra que, durante o auge da pandemia do novo coronavírus, as autoridades portuguesas permitiram que as igrejas ficassem abertas para o caso de alguém procurar ajuda. “Isso foi muito importante.” Em meio a essa liberdade, também há problemas. “Em algumas localidades, há denúncias de moradores à polícia contra as igrejas. Eles reclamam do barulho. Mas nada grave”, ressalta. “Temos de lembrar que estamos num país com cultura diferente. Respeitamos.”
A realidade espiritual de Portugal
Há quatro anos, o pastor João Luiz Melo está em Portugal com a família. Nos dois primeiros anos, ele ajudou na revitalização de uma igreja portuguesa. Agora, pouco mais de um ano e meio, o líder religioso deu início à plantação da Igreja Batista Local, no Porto, que a princípio contou com apenas 13 pessoas.
Atualmente, aos domingos, nos cultos, há uma frequência de 100 pessoas. “Já estamos com três pequenos grupos na região do Porto, que envolve cerca de 60 pessoas, e já vamos formar o quatro”. A perspectiva é alcançar também o interior do país.
O pastor batista afirma que, graça a Deus, tem aumentado a presença evangélica em solo português, principalmente pela influência dos brasileiros. “Temos trabalhado muito, para que seja um crescimento de qualidade”, pontua e emenda: “Um desafio é quebrar o paradigma de que a prática evangélica representa uma religião de imigrantes”.
Em contrapartida, João Luiz ressalta que a realidade espiritual de Portugal não é tão conhecida no Brasil. Isto porque as pessoas acham que é um país apenas católico. No entanto, “cerca de 10% da população está envolvida com bruxaria. Há uma muita gente que procura os bruxos, os místicos”.
A outra realidade portuguesa, segundo o líder batista, é a idolatria. “Mais de 200 mil pessoas passam por dia no Santuário de Fátima”. Dentro desse contexto, ele considera Portugal um país ainda não alcançado pelo Evangelho. Por outro lado, na visão do pastor João Luiz, a partir dessa nova configuração, o país pode ser apontado como a porta de entrada das Boas Novas de Jesus para a Europa, que vive um período pós-cristão ou, conforme alguns estudiosos, pré-avivamento.
“Igrejas estranhas, para estrangeiros”
Levantamento da Aliança Evangélica Portuguesa, realizado em 2020, ano em que quase 35 mil brasileiros receberam autorização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para se estabelecerem em Portugal, o número médio de frequentadores por igreja evangélica passou para 73, ante 49 de quatro anos antes. A percepção, no entanto, é de que, atualmente, esse número é bem maior. A mesma entidade assinala que esse aumento tem a ver com o crescimento da imigração. Isso, inclusive, faz com que muitos portugueses vejam essas igrejas como “estranhas, para estrangeiros, deles para eles”. Pouco mais de 70% desses templos são comandados por pastores brasileiros.
Na opinião do vice-presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, Fernando Soares Loja, o estranhamento dos portugueses em relação aos evangélicos não pode ver visto como preconceito. Ele diz que, a despeito de as pesquisas apontarem que 80% dos cidadãos de Portugal se dizem católicos, boa parte deles não é praticante. Também não se pode dizer que a sociedade portuguesa é conservadora em excesso. “Para comprovar isso, basta ver a representação na Assembleia da República, que aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto e a eutanásia“, detalha. “Temos uma sociedade mais pulverizada.”
A professora Luísa Godinho torce para que a pluralidade de pensamento prevaleça em Portugal e acredita que o número de pessoas que dizem não seguir nenhuma religião vai crescer. Hoje, eles já são mais de 10% da população, a maioria, jovens. Com isso, frisa ela, poderá se corrigir o atraso de Portugal, um dos poucos países europeus a não enfrentar uma reforma protestante, que confrontou o poder da Igreja Católica. “As sociedades que passaram por essa revolução aprenderam a ler mais cedo e têm uma relação mais livre com Deus”, conclui.
Com informações de Correio Braziliense e Comunhão