O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) ingressou com ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra o diretor-geral do Arquivo Nacional, José Ricardo Marques, acusado de, entre os dias 10 de março e 14 de julho de 2016, promover cultos evangélicos semanais no auditório principal da instituição federal, utilizando-se dos equipamentos de áudio e vídeo, bem como do trabalho de um servidor do órgão. Os cultos só cessaram após o fato ter sido revelado pela imprensa, no dia 19 de julho.

Criado em 1838, o Arquivo Nacional é uma das instituições federais mais antigas do país e tem, por Lei, a função de promover a “gestão e o recolhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Executivo Federal, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda, e acompanhar e implementar a política nacional de arquivos”.

Segundo apurou o MPF, o atual diretor do órgão, que é membro de uma comunidade evangélica, foi nomeado em fevereiro de 2016, em substituição ao servidor de carreira Jaime Antunes, que tem formação na área e dirigiu a instituição por 23 anos. Tão logo tomou posse no cargo, Marques indagou ao então coordenador de administração quem eram os servidores do órgão que professavam a sua crença. Em seguida, mandou chamar o grupo e disse que, daquela data em diante, eles não mais se reuniriam na área livre onde estavam habituados, mas sim no auditório principal da instituição.

O coordenador de administração do órgão chegou a argumentar com Marques que um espaço multiuso, no subsolo do bloco P do Arquivo, estava sendo preparado para aulas de dança, coral e instrumentos musicais, e que as reuniões evangélicas talvez pudessem ocorrer neste local, uma vez que nele, diversamente do que ocorre com o auditório principal, não há despesas extras com ar-condicionado e energia elétrica.

O Diretor da unidade, porém, recusou veemente a sugestão, dizendo que o local sugerido era um “buraco” e que jamais faria reuniões evangélicas em tal espaço. Em razão da determinação do diretor, os cultos evangélicos passaram então a ser realizados semanalmente no auditório principal do Arquivo, com o suporte de um servidor federal destacado para operar os equipamentos de áudio e vídeo (pertencentes ao patrimônio público) usados nas oito sessões realizadas. Até a chegada do atual diretor da unidade, o único evento religioso realizado no Arquivo era uma cerimônia de natureza ecumênica/plurirreligiosa, promovida por ocasião do Natal, e da qual participavam um padre, um pastor evangélico e um representante do espiritismo.

José Ricardo Marques também está sendo acusado, na ação, de ter mentido ao MPF em ofício datado de 1o de setembro de 2016, e de ter tentado instruir a testemunha Maurício Antonio de Camargos, que é pastor evangélico e servidor do órgão. No ofício n.º 018/2016/COAD-AN, Marques textualmente afirmou ser “falsa a informação de que teria participado de evento de natureza religiosa no auditório do Arquivo Nacional”. Segundo o Diretor do órgão, o evento realizado no dia 14 de julho de 2016 teria tido como propósito “tão somente receber boas-vindas de um grupo de servidores, em seu intervalo de almoço”.

Posteriormente, porém, o MPF obteve a gravação em áudio do evento e constatou que se tratava, sem nenhuma dúvida, de ato de natureza religiosa, o que contraria o disposto no art. 19, inciso I, da Constituição (princípio da laicidade do Estado), a Lei 8.159/91 e a Portaria do Arquivo Nacional que disciplina o uso do espaço da instituição.

O MPF também ouviu a testemunha Maurício, que afirmou ter recebido um envelope encaminhado pelo diretor da instituição, contendo instruções sobre como deveria responder às indagações feitas pelo Ministério Público. Na ação, os procuradores da República Sergio Gardenghi Suiama e Jaime Mitropoulos afirmam que a conduta do Diretor do Arquivo Nacional causou perda patrimonial e desvio de recursos públicos para fins privados, além de atentar contra os princípios da legalidade, imparcialidade, honestidade e lealdade às instituições.

[b]Estado laico
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Segundo os procuradores, desde 1898 o Estado brasileiro adotou o princípio da separação entre Estado e Religião, sendo, assim, vedado a qualquer servidor utilizar bens e serviços públicos para endossar esta ou aquela crença religiosa, em detrimento da igualdade e do respeito a todas as demais crenças e não-crenças. “Sobremodo, não pode o agente público, em hipótese alguma, usar a repartição para fazer proselitismo religioso, transformando o espaço em local de pregação”.

Ainda segundo os procuradores que assinam a ação, Marques agiu de forma desleal com a instituição que dirige pois, “ao invés de promover os interesses lícitos e relevantes para os quais o Arquivo Nacional foi criado, buscou promover-se e promover os interesses privados da sua própria Igreja, utilizando-se, para tanto, dos poderes do cargo comissionado que temporariamente ocupa.”

Por esses motivos, o MPF pediu que o servidor seja condenado ao: a) ressarcimento integral dos valores gastos com os oito eventos religiosos realizados no auditório; b) perda da função pública exercida; c) suspensão de seus direitos políticos por oito anos; d) pagamento de multa civil em valor equivalente a cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; d) proibição de contratar com o Poder Público Federal ou dele receber benefícios, incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de cinco anos.

[b]Fonte: Ministério Público Federal via Jus Brasil[/b]

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