Decisão de primeira instância considerou que as manifestações religiosas afro-brasileiras não seriam religião.

O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ) recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) contra decisão judicial que desconsiderou as manifestações religiosas afro-brasileiras como religiões e negou o pedido do MPF para que o Google Brasil retirasse do Youtube vídeos de intolerância e discriminação religiosas.

Ao negar o pedido do MPF, a primeira instância da Justiça Federal no Rio de Janeiro considerou que os “cultos afro-brasileiros não constituem religião” e que as “manifestações religiosas não contêm traços necessários de uma religião”. Essas características, na visão do juiz, seriam a existência de um texto base (a Bíblia ou Alcorão, conforme citado na decisão), de uma estrutura hierárquica e de um Deus a ser venerado.

“A decisão causa perplexidade, pois ao invés de conceder a tutela jurisdicional pretendida, optou-se pela definição do que seria religião, negando os diversos diplomas internacionais que tratam da matéria (Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, Pacto de São José da Costa Rica, etc.), a Constituição Federal, bem como a Lei 12.288/10. Além disso, o ato nega a história e os fatos sociais acerca da existência das religiões e das perseguições que elas sofreram ao longo da história, desconsiderando por completo a noção de que as religiões de matizes africanas estão ancoradas nos princípios da oralidade, temporalidade, senioridade, na ancestralidade, não necessitando de um texto básico para defini-las”, explica o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Jaime Mitropoulos, autor da ação.

No recurso (agravo de instrumento), o MPF pede ao TRF-2, liminarmente, a retirada imediata de 15 vídeos com mensagens que promovem a discriminação e religiões de matriz africana. É sugerida a aplicação de multa de R$ 500 mil por dia de descumprimento. Além disso, é pedido também que a Google Brasil forneça ao Ministério Público Federal informações sobre a data, hora, local e número do IP dos computadores utilizados para postar os vídeos com conteúdo indevido.

[b]Atuação[/b]

No começo do ano, o MPF expediu recomendação para que o Google do Brasil retirasse os vídeos. Entretanto, em resposta, a empresa se negou a atender a orientação, dizendo que o material divulgado “nada mais seria do que a manifestação da liberdade religiosa do povo brasileiro” e que “os vídeos discutidos não violariam as políticas da companhia”.

“Repudiamos veementemente a posição da Google Brasil, já que o MPF compreende que mensagens que transmitem discursos do ódio não são a verdadeira face do povo brasileiro e tampouco representam a liberdade religiosa no Brasil”, alerta o procurador.

A atuação do MPF é resultado de uma investigação instaurada a partir de uma representação da Associação Nacional de Mídia Afro, que levou ao conhecimento da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão conteúdos disponibilizados na rede mundial de computadores, por meio do site YouTube, que estariam disseminando o preconceito, a intolerância e a discriminação a religiões de matriz africana.

As mensagens veiculadas fazem apologia, incitam e disseminam discursos de ódio, preconceito, intolerância e de discriminação em face de outras religiões, notadamente aquelas de matriz africana. De acordo com o procurador Jaime Mitropoulos, “quem produziu e divulgou os conteúdos fez isso de acordo com suas crenças e com base em suas próprias representações da realidade”. A partir disso, os conteúdos pretendem estabelecer que há uma indissociável ligação do “mal”, do “demônio” ou de uma indigitada “legião de demônios” com as manifestações religiosas de matriz africana. Para se ter uma ideia dos conteúdos, em um dos vídeos, um pastor diz aos presentes que eles podem fechar os terreiros de macumba do bairro. Em outro, ele afirma que não existe como alguém ser de bruxaria e de magia negra, ou ter sido, e não falar em africano.

No fim do ano passado, o MPF promoveu uma audiência pública para debater a questão com a sociedade. Com o tema “Liberdade religiosa: o papel e os limites do Estado e dos meios de comunicação”, o evento discutiu a função do poder público e dos meios de comunicação para garantia da liberdade de consciência e pensamento e da inviolabilidade de crença religiosa.

[b]Fonte: Justiça em Foco[/b]

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